Se não nos parece correto interpretar a teoria de Marx como um evolucionismo determinista da História, que traria inevitavelmente a vitória do proletariado, tampouco cabe entende-la como determinação mecânica dos fatores estruturais (econômicos) sobre os superestruturais (políticos, ideológicos, culturais), supostamente considerados como mero reflexo do que se passa no ‘nível’ econômico. Marx concebe a realidade social como uma totalidade em movimento, composta por inúmeras contradições que colocam a todo o momento a possibilidade de superação da ordem vigente. (RIDENTI).

  1. Classe social e Consciência de Classe

Iniciemos, agora, a conceituação de classes sociais. E, uma primeira constatação importante quanto a isso é que não há uniformidade quanto a essa categoria na obra de Marx, de acordo com alguns autores.

Marx, segundo RIDENTI (2001) utiliza o conceito em dois sentidos:

  1. O sentido genérico-abstrato: “o termo classe identifica os grandes grupos humanos que se relacionam e lutam entre si para produzir o próprio sustento, criando relações de dominação para apropriarem-se do excedente gerando além do mínimo necessário à subsistência. Assim, as ‘classes’ estariam presentes tanto nas sociedades estruturadas em castas ou estamentos, como nas sociedades de classe moderna; nesse sentido foi formulada a conhecida frase do Manifesto Comunista, segundo a qual a história de todas as sociedades até nossos dias tem sido a história da luta de classes.”.( p.14)
  2. O sentido específico particular: “só caberia falar em classes nas sociedades industriais capitalistas, quando surge uma classe burguesa, que concentra em suas mãos a propriedade dos meios de produção” (p. 14)

 EVANGELISTA (1997), afirma que há uma lacuna na obra marxiana e, portanto, uma indefinição desse conceito por esse pensador que “em seus textos nunca se deteve na conceituação das classes sociais, deixando inacabada a parte de seus manuscritos que inciava a apreciação da questão (…).” (P. 67)

Outro aporte importante é o de Thompson que concebe as classes sociais como algo em construção, que se realiza através de sua própria experiência histórica.

Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma ‘estrutura’, nem mesmo como uma ‘categoria’, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas (THOMPSON, apud RIDENTI, idem p. 41).[1]

Enfim, para Thomson, a classe não é algo dado, mas algo construído pela experiência concreta dos atores sociais: “A classe realiza-se (eventuates) quando homens e mulheres vivem suas relações produtivas, e quando eles experimentam  suas situações determinadas, dentro ‘do conjunto das relações sociais’, com suas expectativas e cultura herdada, e quando eles lidam com essas experiências em termos culturais.” (idem, p. 150).

Esse aporte tem uma importância significativa para a análise do tema, nas condições concretas do nosso País, porque nega qualquer modelo pré-estabelecido para analisar as classes, entendendo a sua constituição como um processo histórico, diferenciado, “não havendo razão para estender um modelo clássico como o inglês do século XIX, à constituição das classes em todas as sociedades”. (RIDENTE, idem, p. 47,48).

Mas, há autores que mostram os limites dessa interpretação thompsoniana. EVANGELISTA (1997, p.85, 86) vai afirmar que pode-se otimizar sobremaneira o alcance da experiência, já que nem todo movimento dos trabalhadores necessariamente apontam para uma radicalidade social e uma aspiração social mais elevada. Ou seja, a experiência pode incluir também atos de desconstrução, de limitação das possibilidades históricas.

A consciência de classe, dessa maneira,é identificada com as manifestações fenomêmicas da ideologia, que anima uma determinada classe social. Porém, entre uma consciência coletiva centrada nas preocupações imediatas e rotineiras da vida cotidiana e uma consicência coletiva que, sem suprimi-las, porque são momentos integrantes da vida social, articula-as com a elaboração de um projeto político alternativo de organização social, com a transformação institucional da sociedade e sua reforma moral e intelectual, há uma nítida há uma nítida  diferença qualitativa que não pode ser  negligenciada.”

Entre a estrutura e a experiência – a síntese de RIDENTI, GIANOTTI E EVANGELISTA.

O modo de produção capitalista (implicando uma contradição entre forças produtivas e relações de produção), e as classes sociais que o constituem, estão totalmente imbricados, não como dados estanques e preestabelecidos, mas como um dar-se em movimento contínuo (RIDENTI, idem, p. 54).

Esse autor entende que o “modo de produção põe as classes como uma tendência, mas esta só se efetiva por intermédio da ação voluntária dos homens que vivem e fazem sua própria História” (idem, p 58).

Essa visão é reforçada por Gianotti, em seu artigo “Em torno da questão do estado e da burocracia”, citado por RIDENTI (2001):[2]

É, portanto, conforme os indivíduos se situam diante dessa contradição fundamental que eles tendem  a formar uma classe. Isto significa que a posição de um indivíduo, no processo produtivo, determina uma condição necessária para sua inserção numa classe, embora não chegue a formular-lhe uma condição suficiente. Os agentes estão apenas polarizados por essa situação, o que realmente os associa é a troca de alianças e exclusões que são obrigados a tecer, ao tomar como parâmetro a contradição básica entre capital e trabalho. (p. 55)

O mesmo pode-se dizer de EVANGELISTA (1997, p. 76), quando afirma que as classes sociais são definidas ontologicamente a partir das relações sociais de produção, mas só ganham visibilidade através da luta de classes. Luta essa compreendida como o momento onde os sujeitos sociais se posicionam de acordo com os seus interesses de classe, distintos dos interesses de outros agrupamentos sociais. “Portanto, as classes sociais possuem uma dimensão ontológica e outra dimensão fenomênica, como momentos constitutivos  e indivisíveis do seu ser social”.

São concepções que rompem com qualquer determinismo histórico ou com uma teleologia previamente dada à classe operária pelo caminhar da História. Se, a sua constituição é um dado, o seu vir a ser é uma possibilidade, onde o emaranhado das condições concretas jogam papel decisivo. E, lembremos, esse emaranhado nas condições brasileiras, é intensamente denso e complexo, onde um dado decisivo para essa realidade é o nosso passado de escravidão.

  • BRASIL:  ESCRAVIZAÇÃO E FORMAÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS

Como já vimos, o liberalismo, baseado na economia de mercado e no “trabalho livre”, desconstruiu a representação do trabalho como castigo, obrigação, estigma, maldição. E, relaciona, de forma inédita na história, trabalho com humanidade. Ou mais que isso promove a reconciliação entre esses termos.[3]

Mas, e num país onde a escravidão vigorou durante séculos? Onde a industrialização se fez tardiamente? Onde o “trabalhador livre” foi inicialmente identificado como o emigrante branco? Que conseqüências isso tem para o imaginário brasileiro quanto ao trabalho e quanto à classe operária?

“Intrinsecamente ligado à escravidão, à mais abjeta e irremediável desigualdade e à pobreza extrema, o trabalho e o trabalhador foram sempre lidos e tidos no Brasil como categorias sociais carentes de assistência, aconselhamentos e, no limite, de solidariedade e comiseração.” (DAMATTA, 2003, p. 11).

Lembremos alguns fatos da nossa história para melhor entendermos o contexto em análise:

  • O Brasil só inicia a sua industrialização nas primeiras décadas do Século XX. Isso não significou que, do ponto de vista dos ex-escravos, eles, automaticamente tenha se inserido no mercado de trabalho industrial. Ao contrário, esse espaço era-lhes também negado.

O processo que se instaura é caracterizado por uma preterição dos negros frente à mão-de-obra estrangeiro-branca, fenômeno este que afeta mais vigorosamente a mão-de-obra masculina. Todavia, não deixa ilesas as mulheres, conforme revelam os anúncios de jornais no começo do século XX, estudados entre outros autores pelo próprio Gilberto Freyre. (BERNARDINO, 2003, p. 231).

  • Brasil com um Estado de forte caráter assistencialista, paternalista, mas que “sempre foi um excelente prestador de serviços para os fortes e extremamente duro, arrogante e indiferente para com os fracos.” (DAMATTA, 2003, p. 13).
  • Imagens do Brasil: em 1822, 2.815.000 habitantes do Brasil eram escravos e apenas havia 1.200.000 pessoas livres. Em 1890, RJ – 522.651 habitantes dos quais 180.000 negros e mestiços.

Era a desigualdade do espaço público brasileiro que alarmava os viajantes, estupefatos com as práticas de um estilo de vida e de trabalho escravistas, uma sociabilidade fortemente marcada pela presença africana, que oscilava dos cantos cadenciados dos carregados quando da realização de tarefas coletivas, dos gritos dos vendedores, à indiferença geral da população aos açoites dos feitores e à chegada de ‘novas peças’ em estado lastimável ao mercado. (Idem, p. 15)

  • Outras imagens:

Outro exemplo dessa violência extrema do escravo surgida de maneira repentina nos é dado pelo historiador João Brígido: `Os negros começaram a resmungar, e sempre foi de mau agouro, nos ergástulos, o cativo resmungar.` O autor escreveu isto referindo-se ao massacre da barca Laura II, no ano de 1839. A barca estava navegando há mais de 49 dias e aportou em Fortaleza. Um dos escravos da tripulação vai à presença do comandante e fala do tratamento desumano, pois estavam famintos. Os marujos cativos não tinham praticamente nada para comer. O escravo havia quebrado, com isso, o código de disciplina, pois exprimia o descontentamento dos demais. E isso não era permitido. Em resposta ao que diz o escravo, o comandante manda-o chicotear diante dos seus companheiros. Em conseqüência desse ato, os marujos escravos tramam a revolta em silêncio. Às 9 horas da noite do dia 10 de julho de 1839, Constantino (o escravo que falara em nome de todos) assume o comando e ordena o massacre. O comandante Francisco Ferreira, português, o contramestre, prático, dois marinheiros e um passageiro são lançados ao mar. O único branco sobrevivente que escapa, o marujo Bernardo, ficou a serviço dos rebeldes. Desembarcarm, são presos e condenados à forca. (MOURA, 1994, p. 201).

São imagens fortes, que falam do lugar de não-humanidade preenchido pelos escravos, que falam da impossibilidade da mínima resistência nos moldes típicos do capitalismo (representação sindical) e da forte presença negra no Brasil, provinda do tráfico negreiro.

  • Encontramos imagens de desumanização também na literatura, como na crônica de Machado de Assis “Pai contra Mãe” (MACHADO DE ASSIS, 1999, p. 96)

A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé, havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidades certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas , à venda, na porta das lojas.(…). (p.96)

Podemos afirmar que o trabalho escravo chegou mesmo a retardar a utilização da tecnologia mais elementar. “Até mesmo máquinas rudimentares como as carroças eram raras, porque o escravo servia como meio de transporte para pessoa e carga” (DAMATTA, 2003, p. 18). Este trecho é de um depoimento de um viajante norte-americano, Daniel Kidder, que estranha a ausência de cavalos e mulas nas ruas, nessa época e destaca que essas ocupações eram feitas por escravos.

Se levarmos em consideração que, no mundo ocidental mais industrializado já se vivia outra realidade, com “trabalhadores livres” fica fácil percebermos os impactos da escravidão na constituição da classe operária no Brasil.

Não desconhecemos, aqui as condições, muitas vezes subhumanas a que eram submetidos os trabalhadores ditos livres no mundo ocidental. Inexistência de regulamentação sobre o trabalho, condições inadequadas de trabalho, exploração do trabalho infantil, etc. Mas é a realidade também em que os trabalhadores já se organizavam, inclusive em organismos internacionais. Lembremos algumas datas: o Manifesto Comunista é de 1848, A Internacional iniciou seus congressos em 1864 e a Comuna de Paris ocorreu em 1871, para ficarmos em alguns exemplos. Em contrapartida, a libertação dos escravos no Brasil só ocorreu em 1888.

  • RACISMO NO BRASIL: fator dificultador para a construção de uma classe operária autônoma

As dificuldades de organização “classistas” desses trabalhadores eram de toda a natureza. Além da brutal repressão e controle extremo, havia entre os escravos uma hierarquia entre aqueles que trabalhavam na casa ou fossem escravo de ganho e os escravos de eito. A diversidade de etnias aqui presente foi outro dificultador. Até mesmo para se comunicarem uns com os outros, durante um bom tempo, constituía-se numa tarefa árdua, mas de fundamental importância para qualquer resistência e organização.

Como estratégia de dominação, coação, tortura e terrorismo físico e psicológico, os escravos eram separados já ao embarcarem nos navios tumbeiros. Isso visava, fundamentalmente, a evitar tentativas de organização para fugir ou dominar o navio (…). Desta forma, separavam-se povos, famílias, casais e filhos. Na mioria das vezes, ocorria de que os escravos, por falarem outro idioma não conseguiam se comunicar uns com os outros. Assim, tornava-se mais fácil para os seqüestradores dominarem suas presas. (FAGUNDES, 2001, p. 27).

Evidentemente não podemos aqui esquecer que a escravidão, apesar das inúmeras dificuldades, não foi um processo passivo, mas enfrentou todo o tipo de resistência dos próprios escravos. O exemplo de Zumbi dos Palmares é paradigmática nesse sentido. Porém, não podemos relacionar resistência com movimento de trabalhadores livres. Basta lembrar que a Roma Antiga vivenciou diversas revoltas de escravos e teve também a sua liderança emblemática – Spartacus, e isso não configurava nenhum movimento de trabalhadores livres. A resistência a exploração é algo umbilicalmente ligado a exploração dos trabalhadores, em qualquer modo de produção.

Retornando ao nosso caso, onde aqui como em Roma, os escravos estavam no lugar do não humano, de mais uma mercadoria, vale reforçar que esse estereótipo do negro, evidentemente, não se esmaece. da noite para o dia. E mesmo após a libertação, os escravos têm dificuldades em se engajarem em outra categoria – a de trabalhadores livres.

E há outros matizes importantes nesse processo e na constituição da classe trabalhadora no Brasil. Segundo DAMATTA (idem, p. 32) a figura do malandro, a malandragem, a esperteza surge também em contraposição à solidariedade de classe e à luta dos trabalhadores – “o malandro é uma espécie de vingador do trabalhador. De fato, se o trabalhador honesto jamais consegue deixar de ser pobre, a malandragem acena com a possibilidade simbólica de enganar o patrão e, assim fazendo, de tornar o fardo da espoliação um pouco mais leve”. (Idem, p. 32.). E cita como um dos exemplos as conhecidas histórias de Pedro Malasartes.

Marx (1984), ao estabelecer as condições de acumulação do sistema capitalista, apontando a mais-valia extraída dos trabalhadores, afirma que esses são despossuidores dos meios de produção e tem a vender apenas a sua força de trabalho. No entanto, apesar de viver numa época de extrema exploração, nunca vinculou exploração, extração da mais-valia a miserabilidade. Se olharmos o mundo atual, veremos que parcela significativa da classe operária tem um padrão de vida que está longe dessa situação. No entanto, dada as condições históricas da constituição desse sistema social no Brasil, ser trabalhador, em especial trabalhador manual, sempre foi identificado com ser pobre e miserável.

E assim, trabalho, enquanto categoria sociológica, enquanto protoforma do ser social, tem inúmeras complicações nesse Brasil. 

Trata-se de uma atividade vincada pela frustração e não pela plenitude que singulariza o trabalho como chamado e ‘vocação’. Em conformidade, certamente, com uma ‘memória da escravidão’, o trabalho está associado a alguma coisa que verga, que deforma, que arranca o couro das costas, que mata e destrói as pessoas, sobretudo as mais honestas. Daí a arraigada crença de que o trabalho não cria riqueza, embora possa criar, além de um extremado sentimento de atribulação, carência e subordinação. (Idem, p. 30).

Podemos afirmar, então, que no Brasil é recente a cultura da ética do trabalho, de uma cultura de classe. “É evidente que a visão dignificante do trabalho está presente no Brasil. Há pois, o conceito de que o trabalho é um meio de  vida e uma vocação. Mas essa visão moderna compete com a idéia do trabalho como castigo e obrigação.” (Idem, p. 33). Reforçamos que essa contradição é intrínseca ao capitalismo, mas muito mais aguda num País com o nosso passado.

  • CLASSE E RAÇA – UMA DISTINÇÃO IMPORTANTE.

Predominou, durante anos na esquerda a visão de que o problema étnico-racial se resolveria através da problemática da classe social. “As desigualdades sociais tenderam a ser explicadas em termos de diferenças de classe, antes que de diferenças de raça; o preconceito, nesse sentido, não passaria de um mecanismo anacrônico que faria sobreviver a experiência da escravidão com sua ideologia discriminatória.” (CASTRO, P. 24). “Assim pensados, como manifestações anacrônicas num contexto pós-escravista, manifestavam uma espécie de ‘hiato cultural’ a ser preenchido com o crescimento da sociedade industrial e de sua ordem burocrática legal.” (Idem, p. 26).

Reafirmamos aqui como é complexa a formação da classe trabalhadora no Brasil e como é contraditório o imaginário sobre o trabalho. Reafirmamos então que, a questão racial é um ponto crucial para qualquer análise, intervenção ou política social que envolva a questão do trabalho e das relações de classe no País.

É claro que, com o passar dos anos, a discriminação e o racismo foram adquirindo diferentes matizes. E, com a industrialização houve mesmo uma refuncionalização do preconceito, da discriminação. “Racismo e discriminação relacionavam-se com os benefícios simbólicos e materiais obtidos pelos brancos, sustentados na desqualificação dos seus competidores não-brancos; isso refuncionalizava a discriminação, dando-lhe novo sentido na ordem industrial.” (Idem, p. 26).

O racismo continua sendo um fator de hierarquização, portanto de não identidade de classes no Brasil. Os exemplos são vários, o nosso cotidiano está impregnado deles. Mas, para não sermos exaustivos, colocaremos aqui a contribuição de SILVA (1997, p. 69) ao analisar a inserção de negros e brancos numa siderúrgica baiana:

Esses dados indicam que os trabalhadores prestos, mestiços e brancos não estão distribuídos igualmente entre os grupos de trabalhadores existentes na Empresa. Os pretos e mestiços estão realizando o trabalho braçal e o técnico de nível médio e, especificamente os pretos, estão ausentes do trabalho administrativo; os brancos, por sua vez, estão realizando o trabalho administrativo e são pouco representados no treabalho braçal e técnico de nível médio. Observando a distribuição por cor, entre os grupos ocupacionais, confirmo que existe uma lógica diferente na inserção de negros e brancos na Empresa.

E, sintetizando: é complexo o imaginário de classe operária e de trabalho no Brasil. Consciência de classe então…. Se, a classe se faz na sua experiência, é recente nossa experiência, nossa vivência de classe trabalhadora. O imaginário sobre o trabalho também é complexo – vai desde algo que enobrece a algo que é só castigo. Isso tem a ver com as condições de uma sociedade capitalista, mas se acentua com o passado de escravidão. Tem a ver também com a visão de que é possível não trabalhar, mas ser apadrinhado para ganhar a vida e isso impacta muito o Estado Brasileiro.

Enfim, reafirmamos que é necessário promover uma verdadeira revolução cultural, política e econômica no país. E as políticas reparatórias tem um importante papel nesse contexto tais como as Ações Afirmativas. Elas  são necessárias não apenas para quebrar um dos elos mais significativos da exploração da classe operária no Brasil, mas também para que os trabalhadores negros e negras se sintam inseridos e partícipes da lutas de classes no País.

Referências Bibliográficas

BERNARDINO, Joaze. Hierarquia e Cor entre Empregadas Domésticas em Goiânia. IN: BARBOSA, Lucia M. A. & GONÇALVES E SILVA, Petronilha B. & SILVÉRIO, Valter R. De Preto a Afro-Descendente – trajetos de pesquisa sobre relações étnico-raciais no Brasil. São Carlos: EdUFSCAR, 2003.

CASTRO, Nadya A .Trabalho e Desigualdades Raciais: hipóteses desafiantes e realidades por interpretar. IN: CASTRO, N. A. & SÁ BARRETO, Vanda (orgs.). Trabalho e Desigualdades Raciais: negros e brancos no mercado de trabalho em Salvador. São Paulo: Annablume, Salavador: A Cor da Bahia, 1998.

DAMATTA, Roberto. Evolução das Profissões Industriais na Vida Brasileira. IN: Confederação Nacional da Indústria & Serviço Nacional da Indústria. Mercado de Trabalho e Dinâmica Ocupacional. Brasília: SENAI-DN, 2002.

DAMATTA, Roberto.Profissões industriais na Vida Brasileira – ontem, hoje e amanhã. Brasília: UNB:Senai:Ministério do Trabalho e Emprego, 2003.

EVANGELISTA, João E. Crise do Marxismo e Irracionalismo Pós-Moderno. São Paulo: Cortez, 1997.

FAGUNDES, Varny F. A Cor do Trabalho, Porto Alegre: Imprensa Livre, 2001.

MACHADO DE ASSIS, J. M. Contos, Porto Alegre: L&PM, 1999.

MAESTRI FILHO, Mário. A Servidão Negra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os economistas).

MOURA, Clóvis. Dialética Radical do Negro. São Paulo: Anita, 1994.

RIDENTI, Marcelo. Classes Sociais e Representação. São Paulo: Cortez, 2001 (Coleção Questões da Nossa Época).

SILVA, Paula Cristina da. Negros à luz dos fornos: representações do trabalho e da cor entre metalúrgicos baianos. São Paulo: Dynamis, Salvador: A Cor da Bahia, 1997.


[1] THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

[2] GIANOTTI, José A. Trabalho e Reflexão. São Paulo: Brasiliense, 1983.

[3] Falo de reconciliação, pois ao longo da história da humanidade, nem sempre o trabalho relacionou-se com o não-humano ou indigno. Nas sociedades primitivas, o trabalho não tinha essa conotação, até mesmo porque a lida cotidiana pela sobrevivência praticamente impedia a formação de um excedente capaz de gerar novas relações produtivas. Em outras palavras, trabalhar era sobreviver.