Na atualidade, a discussão de gênero, sexo e diversidade são temas discutidos dentro dos movimentos sociais e na academia. Diversas correntes de pensamento apresentam-se e são motivos de complexas e profundas análises. Dessa forma, não se pretende aqui esgotar este tema, mas apontar algumas perspectivas teóricas que me vinculam enquanto mulher negra na sociedade brasileira e que luta pela transformação social dentro do PCdoB, através do feminismo popular.

Na perspectiva materialista histórica e dialética é falsa a polêmica de que esta não identifica a questão de gênero e raça como estruturantes em nossa sociedade de classes. Após os escritos de Marx, o capitalismo se transformou, a classe trabalhadora se transformou, entretanto, a contradição capital x trabalho está mais viva do que nunca.

O materialismo histórico-dialético investiga como transcorre o desenvolvimento da sociedade e do processo histórico através do regime social. “Nesse sentido, o materialismo histórico necessariamente entrelaça-se com as questões específicas, fornecendo elementos (indicadores) científicos para seu estudo e investigação”. (VALADARES, 2007, p. 33)

Na União Soviética, logo após a revolução socialista liderada por Lênin, diversas revolucionárias colocavam no centro do regime socialista a vida das mulheres. Entre elas, Alexandra Kollontai era uma das que mais se destacava. Seus escritos e contribuições denunciavam a opressão das mulheres vividas dentro do seio familiar, a moral impregnada nas relações monogâmicas e a servidão das relações domésticas que impediam as mulheres de alcançarem a consciência de classe.

Tão logo banirmos a nossa pobreza e a nossa fome e paremos o declínio geral das forças produtivas, melhoraremos significativamente a qualidade das cantinas públicas populares e a cozinha familiar será rebaixada até que seja usada apenas em momentos de emergência, já que a trabalhadora entende hoje que usando as comidas preparadas (refeitórios) pode economizar muito tempo. (KOLLONTAI, 2017, p. 76)

O marxismo decifra a sociedade como um complexo de relações sociais nas quais as dominações de uma classe sob a outra estão submetidas a manifestações de opressão. Por outro lado, é necessário identificar que essas opressões recaem mais fortemente sobre as mulheres e a população negra, tarefa que cabe aos marxistas identificarem: o sistema capitalista possui a opressão de gênero e raça como um de seus pilares de sustentação. 

            Diante disto, diversas formas de exploração e opressão são constituídas  através das relações de gênero, como por exemplo a divisão sexual do trabalho, na  qual as mulheres, geralmente são direcionadas a trabalhos domésticos e  dificilmente ocupam cargo de liderança, além disso as mulheres são socializadas  para desenvolver comportamentos dóceis, cordatos, apaziguadores. 

Posicionada a questão de gênero, é fundamental destacar que a formação social brasileira é marcada por 300 anos de escravidão. Marcas do nosso Brasil, açoites, violência, estupros são parte do nosso passado e sustentam o racismo estrutural atualmente, ”A tese central é a de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade.” (ALMEIDA, 2019, p.15)

Se vive em um país em que a cor da pele determina quem tem mais oportunidades e direitos e quem tem menos e, mais do que isso, determina em diversos casos quem tem direito à vida e quem tem direito à morte. Em um país em que a mulher negra tem travado uma trajetória histórica de resistência e lutas por legitimidade e inclusão social, contribuindo de forma efetiva na construção de uma nação democrática e igualitária. Os desafios impostos em função de nossa ancestralidade impactam nossa dinâmica socioeconômica. 

Essa dinâmica social e econômica acontece nas classes sociais, onde explorações e opressões se processam. Classes que, por sua vez, possuem gênero e raça. A classe vista enquanto totalidade, conformada em relações sociais concretas (incluindo gênero e raça). A intersecção da questão de raça, gênero e classe tem sua expressão acentuada nesse novo contexto político, econômico e social, e nos fenômenos da degradação da população pobre.

Por meio do método de análise da interseccionalidade, é possível identificar que as desigualdades de gênero são potencializadas e aprofundadas pela raça. Através da interseccionalidade se pode afirmar que não somos iguais na exploração, pois trata especificamente da forma pelo qual o racismo, patriarcado e a opressão de classe criam as desigualdades básicas. Não estou hierarquizado as opressões, elas acontecem de forma dialética, conforme aponta Luiza Bairros (1995, p. 461),

Assim uma mulher negra trabalhadora não é triplamente oprimida ou mais oprimida do que uma mulher branca na mesma classe social, mas experimenta a opressão a partir de um lugar que proporciona um ponto de vista diferente sobre o que é ser mulher numa sociedade desigual racista e sexista. 

Quando se tornam as mulheres uma categoria universal, se tornam invisíveis as diferenças entre elas. Esses lugares são necessários para a ruptura de uma pretensa universalidade, afinal “a classe trabalhadora não poderá assumir seu papel histórico como uma força revolucionária se trabalhadoras e trabalhadores não lutarem incansavelmente contra o veneno social que é o racismo. (DAVIS, 2016, p. 163)

Recentemente, participamos ativamente das eleições em todo país, tendo o maior número da história de mulheres disputando as eleições. São inúmeros os desafios que enfrentamos, mais do que nunca esta se tornou uma agenda fundamental na busca de uma sociedade igualitária. 

Essa realidade traz a todas/os nós reflexões importantes sobre o papel das mulheres na construção de um Brasil mais justo, mais soberano, democrático, socialista e… antirracista.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.

BAIRROS, L. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, 1995.

DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo Editorial, 2016.

KOLLONTAI, A.A mulher trabalhadora na sociedade contemporânea. In: SCHNEIDER, G. (org.). A revolução das mulheres: emancipação feminina na Rússia Soviética. São Paulo: Boitempo, 2017.

VALADARES, L. As faces do feminismo. São Paulo: Anita Garibaldi, 2007.

*Assistente Social, Mestra em Politicas Sociais e Serviço Social pela UFRGS, atualmente chefe de gabinete da deputada Bruna Rodrigues PCdoB-RS. Secretária Estadual da Mulher do PCdoB-RS