A realização da 1ª Conferência de Combate ao Racismo do PCdoB, em um momento ímpar da história do país, reafirma a necessidade de o Partido formular mais e melhor sobre a questão. As Teses apresentadas para debate devem ser objeto de estudo pelo conjunto dos quadros e aprimoradas pela inteligência coletiva. Assim como a realização da plenária final da Conferência, nos dias 5, 6 e 12 de agosto de 2023, não deve ser compreendida como o “ponto de chegada”, como a finalização das discussões, mas justamente o oposto: o legado histórico desse fórum deve ser a incorporação definitiva da luta contra o racismo – em suas múltiplas facetas – na agenda cotidiana da militância comunista.

Isso passa por buscar encontrar respostas, no campo teórico, para as questões novas que o Brasil e o mundo atual oferecem. Nem a ortodoxia, que engessa a teoria revolucionária, e tampouco o ecletismo que a tudo absorve acriticamente – inclusive parte da ideologia dominante liberal – têm condições de oferecer bons caminhos. O esforço combinado dos quadros do PCdoB deve ser no sentido de desenvolver o marxismo, no sentido da luta estratégica pelo Socialismo e, consequentemente, pelo fim do racismo.

Uma das lições legadas pelo primeiro ciclo de experiências socialistas, no século XX, foi a de que não existe modelo único de revolução e de socialismo. É preciso, portanto, encontrar o caminho brasileiro. Como descreve o Manifesto da UJS: “O nosso Socialismo será verde e amarelo, tocará viola, fará hip-hop, dançará samba e rock. Fará carnaval e jogará futebol. Será construído a partir de nossa realidade e caminhos que nós descortinaremos”.

Construir o Socialismo brasileiro passa por aliar as colunas teóricas do marxismo ao conhecimento profundo da realidade do Brasil e de seu povo. A Nação que temos hoje não é fruto do acaso. Suas virtudes e limites são produto de um processo histórico, que precisa ser bem compreendido, conforme esforço empreendido pelo Programa Socialista do PCdoB. É absolutamente impossível compreender o Brasil de hoje sem avaliar os impactos, ainda presentes, de mais de três séculos de escravidão. A luta de classes, em nosso país, carrega um componente racial que não pode ser ignorado.

Não ocorreu, em nossa história, nenhum processo efetivamente revolucionário que desse conta de romper com esse atraso. Mesmo a Abolição, em 1888, resultado da luta dos escravizados e abolicionistas, não foi acompanhada de medidas de compensação. O resultado foi um ciclo vicioso em que o filho do escravizado, mesmo liberto, permanecia sob condições de vida degradantes, por vezes análogas à própria escravidão. Assim como o neto do escravizado, seu bisneto, seu tataraneto e assim sucessivamente, por gerações. Apenas nas últimas décadas algumas políticas de ações afirmativas começaram a romper com esse ciclo vicioso e criar um ciclo virtuoso, em que o descendente do escravizado passou a ter alguma chance de uma vida melhor. Evidente que tais medidas ainda estão longe de atacar a raiz do problema – apenas o Socialismo será capaz de fazê-lo.

Que as pessoas negras possuem condições de vida piores, em média, que as pessoas não negras é fato inquestionável. Ao mesmo tempo, dessa constatação não pode derivar, sob nenhuma hipótese, a falsa ideia de que a parcela branca da classe trabalhadora vive, em sua maioria, em condições ao menos razoáveis. As Teses não apontam nessa direção, mas poderiam ter sido mais nítidas, sobretudo quando afirmam que: “A parcela branca da classe trabalhadora teve, na sua maior parte, acesso mais cedo à escolarização básica, às universidades, ao mercado de trabalho livre e formal, aos postos públicos e ocupações especializadas etc.”. Ora, a maior parte dos filhos e filhas da classe trabalhadora, incluindo os não negros, tem negado o acesso à escolarização básica, às universidades, ao mercado de trabalho livre e formal etc. Aqui, por óbvio, estamos tratando do acesso adequado a tais direitos. O trecho citado não está conceitualmente errado, mas pode levar, inadvertidamente, a uma conclusão equivocada.

Além disso, é indispensável combater qualquer perspectiva que fragmente e acentue divisões internas no seio da classe oprimida. O inimigo da parcela negra da classe trabalhadora não é a parcela branca dessa classe trabalhadora, apenas por esta se encontrar em condição “menos pior”. Evidente que é preciso reconhecer que a classe trabalhadora não é um bloco monolítico, homogêneo. Há diferenças em sua composição, relacionadas sobretudo ao gênero e cor, que devem ser consideradas. No seio da classe e mesmo do Partido do proletariado, é preciso travar a luta de ideias no sentido de combater os preconceitos e estimular a diversidade e representatividade. O que não pode ocorrer é deixar de lado a compreensão de que todos integram a mesma luta pelo Socialismo e que o inimigo se encontra no seio das classes dominantes, não dentre os explorados.

Assim como não contribui certa perspectiva dogmática – e mesmo antimarxista – que subestima a luta antirracista, sob o argumento de que “a luta de classes é a que importa”, como se estas não fossem complementares, parte intrínseca uma da outra, articuladas dialeticamente.

Certo é que apenas o Socialismo poderá assegurar a plena emancipação do proletariado e do conjunto das massas exploradas, criando as condições para o fim de todo tipo de opressão de classe, raça e gênero.

*Economista, membro do Comitê Central e secretário de formação e propaganda do PCdoB-BA.