Ministro Bento Albuquerque recebe miniatura de cavalo do saudita Abdulaziz bin Salman Al Saud, em outubro de 2021 Reprodução/MME

Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) avaliam pedir que o estojo de joias que Jair Bolsonaro conseguiu pegar para si, seja devolvido para o Estado. Os objetos valiosos dados pelo governo saudita, em tese, a partir de recursos dos cofres públicos, é entendido como presentes para o governo brasileiro, não para a pessoa de Bolsonaro ou familiares.

Nesta quarta, o próprio Bolsonaro confirmou à CNN que incorporou ao seu acervo privado o conjunto com caneta, um anel, um relógio, um par de abotoaduras e uma espécie de rosário. A tese da defesa do ex-presidente de que os itens configuram um presente de “caráter personalíssimo”, como afirmaram o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o advogado Frederico Wassef, que representa o ex-presidente, é considerada frágil pelo contexto suspeito envolvido.

No entanto, o TCU considera que presentes de alto valor ofendem a moralidade pública e devem ser devolvidos ou incorporados ao patrimônio da União. A ordem para que Bolsonaro devolva o conjunto pode acontecer antes mesmo do fim do processo no TCU, considerando que já há outros inquéritos em andamento para entender inclusive qual teria sido a troca de favores entre os agentes do governo.

O relator do caso, agora, é o ministro Augusto Nardes, visto como aliado de Bolsonaro. Caso os fatos sejam confirmados, o subprocurador-geral junto ao TCU pede a responsabilização de toda a cadeia de envolvidos.

Inshalá!

Os itens foram trazidos para o Brasil em outubro de 2021 pelo ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque. Na época se discutia a venda de ativos da Petrobras para os árabes, que foram privatizados por preços muito abaixo do mercado, conforme avaliações de agências à época.

Na ocasião, um pacote com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões que seriam destinadas à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também entrou no país com a comitiva da pasta, mas, acabou apreendido por fiscais da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, onde permanece até hoje.

Tanto os presentes para Bolsonaro quanto os que seriam dados a Michelle são da empresa suíça Chopard, uma das marcas mais famosas (e caras) do ramo de joias no mundo. A própria Chopard é investigada na Europa por burlar controles de alfândega e evitar tributação.

Na terça-feira, o advogado Frederico Wassef divulgou uma nota alegando que Bolsonaro agiu dentro da lei, declarando “os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas”. Além da manifestação do TCU, especialistas também divergem da tese:

Os presentes institucionais dados ao presidente da República devem pertencer ao acervo do governo. O valor das joias é muito considerável e não poderia entrar nessa categoria, conforme o código de ética do funcionalismo público”. A norma limita o recebimento de itens considerados “brindes”, com valor até R$ 100. O TCU considera que pedras preciosas dadas a chefes de Estado não são presentes pessoais, e sim patrimônio da União.

Versão ministerial

A Polícia Federal (PF) aceitou adiar para a terça-feira (14) a tomada do depoimento do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e do ex-assessor ministerial Marcos André dos Santos Soeiro, previsto para hoje. Os dois representantes do governo brasileiro estiveram na viagem de negócios feita à Arábia Saudita em 2021, em caráter oficial. O depoimento foi adiado a pedido dos advogados do ex-ministro.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ter anunciado, em sua conta pessoal no Twitter, que os fatos tornados públicos “podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos”.

Pelo que foi informado até o momento, entre 20 e 26 de outubro de 2021, Albuquerque viajou à Arábia Saudita na companhia de dois assessores, o então chefe da Assessoria Especial de Relações Internacionais do Ministério de Minas e Energia, Christian Vargas, e o então chefe do escritório de Representações da pasta no Rio de Janeiro, Marcos André Soeiro.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, “na qualidade de enviado especial do [então] presidente da República, Jair Bolsonaro, Bento Albuquerque participará do lançamento oficial da Iniciativa Verde Saudita (Saudi Green Initiative) e da Cúpula da Iniciativa Verde do Oriente Médio (Middle East Green Initiative Summit), realizadas em Riade”.

Durante a estada no país árabe, a comitiva brasileira se reuniu com autoridades locais como o príncipe regente, Mohammed bin Salman. Segundo Albuquerque, perto do fim da viagem, como de costume, seus interlocutores o presentearam com duas caixas que nem ele, nem os dois assessores abriram para conferir o conteúdo.

Ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, Albuquerque e Soeiro informaram à Receita Federal que não tinham nenhum objeto de valor a declarar. Soeiro, contudo, foi selecionado, aleatoriamente, para ter a bagagem inspecionada. Foi então que o agente da Receita encontrou uma das duas caixas contendo joias femininas (um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes) avaliados em cerca de 3 milhões de euros (aproximadamente R$ 16,5 milhões).

As câmeras de segurança instaladas no Aeroporto de Guarulhos registraram a inspeção da bagagem de Soeiro, bem como o momento em que Albuquerque, alertado de que o assessor tinha sido parado, retorna à área da alfândega. Exibido pela TV Globo, o vídeo inclui fala do próprio Albuquerque explicando aos servidores da Receita que as joias eram um presente que seria entregue à primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Como Soeiro e Albuquerque tinham informado que não tinham nada a declarar, os agentes da aduana seguiram a lei e apreenderam o conjunto de joias femininas. De acordo com a Receita, todo viajante que chega ao Brasil deve declarar bens pessoais cujo valor ultrapasse US$ 1 mil. Já os agentes públicos devem declarar bens que não sejam de uso pessoal como pertencentes ao Estado brasileiro – o que Albuquerque e Soeiro não fizeram.

Joias masculinas

JOIAS MICHELLE - Segunda remessa de joias enviado por sauditas a Bolsonaro em 2021 inclui relógio, caneta, abotoaduras. Foto: Twitter/Reprodução
Joias masculinas que teriam sido presenteadas pela Arábia Saudita ao governo brasileiro 2m 2021 – Twitter/Reprodução

Após vir a público a notícia da apreensão do conjunto de joias femininas, o próprio ex-ministro confirmou que, na mesma ocasião, sua comitiva ingressou no Brasil com outra caixa contendo joias masculinas cujo valor não foi informado. A Polícia Federal e a própria Receita estão apurando quem passou pela alfândega com o segundo kit, que continha um relógio de pulso; um par de abotoaduras; uma caneta; um anel e uma espécie de colar (masbaha).

Documentos que o ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) Fábio Wajngarten divulgou em sua conta pessoal no Twitter, nos últimos dias, revelam que o Ministério de Minas e Energia demorou mais de um ano para entregar as joias masculinas ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, órgão da Presidência da República responsável pela análise dos presentes recebidos por autoridades brasileiras e por dizer se tratar de objeto de uso pessoal ou destinado ao Estado brasileiro em função do valor histórico, cultural e financeiro.

Um dos documentos que Wajngarten compartilhou é uma cópia do Ofício nº 986, do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência. Nele, o então chefe do gabinete, Marcelo da Silva Vieira, explica à equipe do ministério que, “considerando a legislação vigente […], os presentes recebidos pelo senhor ministro de Minas e Energia [Bento Albuquerque], na qualidade de representante do presidente da República [Jair Bolsonaro], durante visita oficial ao Reino Unido da Arábia Saudita enquadram-se na condição de encaminhamento a este gabinete, para análise quanto à incorporação ao acervo privado do presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”.

Embora o ofício tenha sido entregue ao Ministério de Minas e Energia em 3 de novembro de 2021, a orientação só foi acatada em 29 de novembro de 2022, quando a caixa enfim foi entregue ao gabinete adjunto. Ainda não se sabe ao certo o que foi feito das joias durante este ano. A Agência Brasil perguntou aos atuais gestores do Ministério de Minas e Energia a razão da demora na entrega das joias ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, mas a pasta limitou-se a informar que “a questão está sendo investigada pelos órgãos responsáveis – Polícia Federal, Ministério Público Federal e Receita Federal”.

Pelas normas aduaneiras, como a comitiva brasileira não declarou as joias ao chegar ao país, caso Bolsonaro queira reivindicá-las para uso pessoal, terá que pagar metade do valor delas e multa de 50%. Caso contrário, os objetos serão incorporadas ao patrimônio público ou leiloados – caso em que ao menos 40% da quantia arrecadada será destinada ao Tesouro Nacional e a políticas de seguridade social.

(Cezar Xavier com informações da Agência Brasil)