Foto: Ricardo Stuckert/PR

Um dos principais compromissos internacionais neste início de governo, a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China acontece em meio a uma série de perspectivas positivas de parcerias entre os dois países e de retomada das relações em patamar elevado, após quatro anos de baixeza e animosidades por parte de Jair Bolsonaro (PL).

Mesmo com o adiamento do embarque de Lula — que aconteceria neste sábado (25) e deverá ficar para o domingo (26) devido a uma pneumonia leve que acomete o presidente — por ora, estão mantidas agendas importantes tanto para o fortalecimento das relações diplomáticas quanto para as comerciais, além de projetos conjuntos de âmbito social. 

Se, com Bolsonaro, o Brasil acabou se alinhando às agendas moral e neoliberal da extrema-direita, se distanciando dos reais interesses do país e do povo, com Lula o foco no desenvolvimento e no social transcende as fronteiras brasileiras. 

Conforme informado pelo colunista Jamil Chade, do UOL, uma das principais parcerias, dentre os 20 acordos que deverão ser assinados, seria uma iniciativa conjunta para combater a fome e a pobreza extrema, a ser firmada por Lula e o presidente chinês Xi Jinping. O acordo, escreve Chade, “prevê uma cláusula para a colaboração multilateral, inclusive na construção de uma aliança contra a fome”, uma pauta que esteve presente em suas gestões anteriores e tem sido sinalizada por Lula como prioritária desde as eleições. 

Num país com as dimensões da China, com mais de 1,4 bilhão de pessoas, o combate à fome e à miséria é um desafio constante — ainda assim, o país, comandado pelo Partido Comunista, foi o primeiro a atingir as metas da ONU para reduzir pela metade o número de pessoas em extrema pobreza, com a retirada de milhões de chineses dessa situação.

Guardadas as proporções e particularidades brasileiras, o desafio do país, que desde pelo menos a redemocratização vive uma situação constante de avanços e retrocessos sociais, também é grande. Conforme dados do IBGE divulgados no final de 2022 com base no ano de 2021, ao menos 62,5 milhões de brasileiros (equivalente a 29,4% da população total) viviam abaixo da linha da pobreza, dos quais 17,9 milhões eram extremamente pobres (8,4% da população), números recordes no país. E oito anos após deixar o Mapa da Fome da ONU, em 2022 o Brasil passou a ter mais de 33 milhões de pessoas sem garantia do que comer, com 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome, de acordo com o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, da rede Penssan. 

“Cinturão e Rota”

Lula e o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao, no dia 3 de fevereiro. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Além desse tema urgente, os acordos também poderão estar ligados ao chamado “Cinturão e Rota” (ou “Belt & Road”), programa chinês global voltado a investimentos e infraestrutra. “A República Popular da China, com a Iniciativa Cinturão e Rota e a decisão firme de construir uma ‘comunidade de destino compartilhado’, oferece ao mundo uma outra globalização: inclusiva, tolerante, pacifista e que gere valor e riqueza material a todos os países envolvidos nos projetos do Cinturão e Rota”, explica Elias Jabbour, professor adjunto da Uerj e autor do livro “China, o socialismo do século 21”, em parceria com Alberto Gabriele. 

Segundo informa Maria Cristina Fernandes, do jornal Valor Econômico, “até aqui, 150 países aderiram (à iniciativa chinesa), mais de 3 mil projetos estão em andamento com custos na casa dos bilhões de dólares”. “Não tem razão para o Brasil não entrar”, diz Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, segundo a jornalista. 

Maria Cristina Fernandes diz ainda que “um eventual ingresso do Brasil na iniciativa chinesa, na visão do Itamaraty, não prejudicará o acordo do Mercosul com a União Europeia, visto que quase toda a América do Sul integra o ‘Belt & Road’, e três países do bloco europeu também o fazem”.

A visita tem ainda um importante significado simbólico: em 2023, completam-se 50 anos do início das relações comerciais entre os dois países, alavancadas a partir do primeiro governo Lula, em 2003. De acordo com o Palácio do Planalto, em 2022 a China importou mais de US$ 89,7 bilhões em produtos brasileiros, especialmente soja e minérios, e exportou quase US$ 60,7 bilhões para o mercado nacional. O volume comercializado, US$ 150,4 bilhões, cresceu 21 vezes desde a primeira visita de Lula ao país, em 2004.

Segundo informou à Agência Brasil o secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, embaixador Eduardo Paes Saboia, no último dia 17, “muitos acordos estão sendo negociados, temos 20 fechados, mas esse número pode aumentar”. Ele disse ainda que “temos protocolos sanitários, uma série de produtos agrícolas, acordos na área de educação, cultura, finanças, indústria, ciência e tecnologia”. 

Um desses projetos, segundo o governo, destina-se à construção do CBERS-6, o sexto de uma linha de satélites construídos em parceria entre Brasil e China. O diferencial do novo modelo é uma tecnologia que permite o monitoramento de biomas como a Floresta Amazônica mesmo com nuvens. “Nossa esperança é começar a construir o CBERS-6 nos próximos meses. Isso é essencial para fortalecer nossas agências de monitoramento da Amazônia e realizar estudos climáticos”, disse recentemente a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, que participará da viagem. 

Agenda

Nesta sexta-feira (24), quando foi informado o adiamento do embarque de Lula e sua comitiva, o governo informou que a viagem só será mantida se o presidente estiver em boas condições de saúde. Além do presidente e de ministros, o grupo que visitará China é formado por pelo menos 20 parlamentares e 240 empresários. 

Antes do anúncio, a agenda da comitiva previa — conforme divulgado pelo Palácio do Planalto — reuniões em Pequim, no dia 28, de Lula com o presidente da China, Xi Jinping, com o primeiro-ministro da China, Li Qiang, e com o presidente da Assembleia Popular Nacional, Zhao Leji. A pauta bilateral irá envolver comércio, investimentos, reindustrialização, transição energética, mudanças climáticas, acordos de cooperação e paz.

Para o dia 29 está marcado evento empresarial promovido pela Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível e pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, com a participação de mais de 240 empresários brasileiros. Também está previsto evento no dia 27, promovido pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), com cerca de 100 empresários.

No dia 30, a agenda indica que o presidente Lula irá a Xangai, onde visitará a sede do Novo Banco de Desenvolvimento, entidade criada pelos BRICS (grupo formado por Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul) para fomentar projetos em países em desenvolvimento.