Falta de investimentos em manutenção é apontada como a causa do desastre | Foto: AFP

Um choque frontal entre um trem com 350 passageiros e outro de carga nesta quarta-feira (1) causou a morte de mais de 40 pessoas, a grande maioria jovens, e deixou outras 66 hospitalizadas, seis em estado grave, no “pior acidente da história das ferrovias gregas”, como declarou o governo.

A maior parte dos que perderam a vida eram estudantes que voltavam para casa das comemorações do Carnaval. Antes do amanhecer, equipes de resgate vasculhavam os destroços em busca de sobreviventes.

Conforme havia alertado a Federação Ferroviária Pan-helênica no dia 24 de fevereiro, a falta de investimentos em manutenção, de peças de reposição e a carência de pessoal a partir da privatização da antiga Trainose, apontavam o perigo e sinalizavam para a calamidade iminente. Desnacionalizada para a italiana Ferrovie, em 2017, a empresa vinha sendo alvo de inúmeras denúncias de “abandono” por parte dos trabalhadores.

Respondendo ao chamado das associações estudantis e de organizações populares, jovens e familiares foram às ruas de várias cidades, como na portuária Tessalônica, empunhando faixas e entoando palavras de ordem como “A tragédia não será esquecida”, e “Poderia ter sido qualquer um de nós”, enquanto formavam com velas a palavra “Crime”.

“REDUÇÃO DOS PADRÕES DE SEGURANÇA”

“A política de privatizações que foi desenhada e implementada com reverência por todos os governos e, principalmente, a partir do período de crise, colocou a ferrovia em uma situação pior do que antes”, denunciou a Federação. Expressando sua “forte discordância” com o governo, a entidade esclareceu que a manutenção da infraestrutura realizada com Parcerias Público-Privadas (PPPs) correspondia a “uma forma de privatização adicional que resultará na redução dos padrões de segurança ferroviária”.

“Na manutenção da infraestrutura vemos ao longo do tempo o desenho da obsolescência de todo o processo, meios e pessoal, de modo que hoje as PPPs aparecem como uma solução não adequada”, condenou a Federação, frisando que “por muitos anos não adquiriram uma única máquina de manutenção, sendo que as atuais têm pelo menos três décadas, para as quais não adquirem peças de reposição”.

Em todos os anos anteriores, apesar de terem sido anunciados e executados novos projetos, não foram disponibilizados fundos “para a manutenção das infraestruturas, levando as linhas férreas ao mau estado existente”, declarou a entidade, sublinhando que tais práticas foram o que deixaram a “segurança ferroviária comprometida”. Agora, feito o estrago, as empreiteiras receberão um valor muito mais do que satisfatório para colocar o trem nos trilhos novamente, protestaram.

MAIS PROVAS CONTRA O DESCASO

Em 31 de outubro de 2022, o Sindicato Pan-Helênico do Pessoal de Tração enviou uma carta extrajudicial endereçada à multinacional italiana, ao Ministério das Infraestruturas e Transportes, à Autoridade Reguladora Ferroviária e ao Trem Helénico em que recordava sobre o mau estado da rede ferroviária, a falta de manutenção, o não funcionamento dos semáforos, do telecomando e do sistema instalado – que deveria proteger os comboios de erros humanos.

Além disso, há referência ao fechamento de estações em cidades da região por falta de responsáveis; carência de proteção das linhas ferroviárias, resultando em frequentes baixas humanas; falta de limpeza de vegetação densa, resultando na redução da visibilidade dos maquinistas; e a não operação de sistemas de segurança dentro dos túneis suburbanos.

O resultado disso tudo, descreveram, foi a ocorrência recente de três descarrilhamentos: 1º de agosto, em Tithorea; 10 de outubro, em Lianokladi; e 21 de outubro, em Tithorea.

Em 7 de fevereiro de 2023, foi dado um novo alerta, sublinhando que a situação havia chegado a um impasse, diante do “irritante fenômeno quotidiano de não serem tomadas medidas emergenciais”. “Tal como os governos anteriores, o atual também tem outras prioridades que não é a circulação segura dos cidadãos. Eles avaliam a segurança como um custo. O Ministério encontra dinheiro para os vários contratos, mas não para concluir a infraestrutura ferroviária e os sistemas de tráfego seguro… Não vamos esperar pelo grande choque que está chegando para vê-los derramar lágrimas de crocodilo. Os Sindicatos dos Ferroviários não podem mais tolerar essa situação perigosa. O que mais eles estão esperando para intervir? O que mais precisa acontecer? As questões de segurança devem vir à tona”.

Os sucessivos alertas foram desconsiderados pelo governo do primeiro-ministro Kyriákos Mitsotákis, que procurou atribuir o “lamentável acidente” a um “erro humano” do chefe de estação de trens da cidade de Larissa, a quem mandou prender.

Beirando o cinismo, a vice-ministra de Saúde, Mina Gaga, disse ser “uma tragédia terrível difícil de compreender”.

Ao visitar o local do acidente, o ministro dos Transportes, Kostas Karamanlis, desmaiou diante dos cadáveres. Expressando “tristeza e dor” com as vítimas e suas famílias, Kostas reconheceu que as “imagens são chocantes” e pediu demissão.

Fonte: Papiro