Pior produtividade em 21 anos mostra aceleração rumo ao fim da indústria nacional
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“Não dá pra brigar com os números, como faz Bolsonaro e Guedes”. Esta é o comentário do economista e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Paulo Kliass, sobre o estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), mostrando que a produtividade na indústria de transformação registrou, ao término de 2021, o menor patamar em 21 anos – e deve continuar a cair, se nada for feito para impulsionar essa atividade.
No levantamento, os especialistas Claudio Considera e Juliana Trece calculam que o valor da produtividade da indústria de transformação foi o menor desde 2000, quando teve início levantamento dos economistas. Considera ligou o alarme ao falar em extinção deste setor econômico no Brasil. “Estamos jogando fora nossa indústria de transformação há anos.”
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Kliass não se surpreende com os números que avançam para baixo, há 40 anos, desde os anos 1980. A fatia da indústria da transformação dentro do Produto Interno Bruto (PIB) cai vertiginosamente desde 1985, quando tinha 35,9% de participação na economia, caindo para 13,8% em 1998 e para 11,2% em 2020. Essas são as menores fatias desde 1947, ano em que se inicia a série histórica das contas nacionais do IBGE.
Além da produtividade em baixa, outro dado preocupante, para os especialistas que elaboraram o estudo, foi a perda de relevância na balança comercial, a longo prazo. Os produtos brasileiros da indústria de transformação perderam 27,5 pontos percentuais em participação nas exportações de 1997 e 2021, enquanto importações de produtos desse setor cresceram 7 pontos percentuais no período.
Motivos do fracasso
O economista explica que países europeus desenvolvidos se desindustrializaram para substituir a indústria de transformação pela indústria do conhecimento, enquanto no Brasil, voltamos ao setor primário de extração e exportação de commodities, como carnes, grãos e minerais. Com isso, voltamos a uma estrutura econômica do período colonial, com baixo valor agregado. “Nosso setor de serviços tem baixíssimo valor agregado, com trabalhadores de baixa qualificação e remuneração, como o telemarketing, entregadores de comidas, essas coisas”.
Thiago Moreira, consultor em planejamento estratégico e professor do Corecon/RJ, Ibmec/RJ e IE/UFRJ, revelou em 19 de setembro dados de trajetória de investimento que evidenciam alocação maior de recursos para bens de capital adquiridos pela construção civil, transportadoras, e setor agrícola, em detrimento da indústria da transformação. “Ou seja, os investimentos, nesses anos, têm ido para agricultura e construção”, disse Juliana Trece, enfatizando o processo de reprimarização da economia brasileira.
Kliass também observa este fenômeno histórico, mas discorda das explicações dos economistas da FGV para o avanço do processo de desindustrialização acelerada. Como o perfil desses economistas é conservador, neoliberal e ortodoxo, apontam para os motivos errados ao falar em economia fechada aos mercados internacionais e estrutura tributária caótica. “As motivações não são excesso de tributação e excesso de Estado. Muito pelo contrário. Também não foi a falta de concorrência internacional, mas ela que acabou com nossa indústria”, resumiu.
“Desde Collor, nos anos 1990, o Brasil foi aberto irresponsavelmente ao mercado internacional, sem qualquer proteção ao seu setor produtivo”, lembra ele. Ele menciona o fato da globalização dos países ricos estar permeada de protecionismo a sua indústria e agricultura. “Ninguém entra em setores estratégicos da economia americana. O caso da chinesa Huawei é um exemplo recente”, disse ele, sobre a empresa que desenvolveu o mais avançado 5G e sofre perseguição judicial fora da China. No Brasil, a privatização de setores estratégicos revela o rumo oposto do Brasil, nos governos neoliberais.
Kliass concorda com o argumento da alta taxa de juros reduzindo a capacidade de investimento da indústria. Os juros dificultam o crédito, favorecem a poupança, em vez do investimento, e encarecem o custo da produção, derrubando a competitividade. “Só quem vive de taxa de juros altos é, talvez, a Suíça”. Ele cita o caso de empresas como Sadia e Perdigão, campeãs nacionais do agronegócio, que se aventuraram no sistema financeiro e acabaram tendo problemas de produção.
Mas ele critica essa abordagem que o establishment econômico faz da carga tributária, como um fator de custo Brasil sobre as exportações. Para ele, o empresariado reclama da carga tributária, quando os principais prejudicados são os consumidores com a tributação indireta sobre produtos, enquanto industriais desfrutam de benefícios fiscais. Assim, se a carga tributária é caótica, é por onerar os mais pobres, em vez dos ricos. “O maior problema da carga tributária é que, ao longo desses 40 anos, o Brasil acabou se caracterizando pelo elevado custo financeiro da atividade econômica, de modo geral”.
Debate eleitoral
O economista lamenta como a polarização política, com extremos opostos discutindo temas básicos, democracia e fascismo, acaba silenciando o debate sobre a reindustrialização. Os assessores econômicos até abordam o assunto, mas não é um assunto que se dissemine na sociedade. O programa de governo de Lula trata do assunto de uma retomada do projeto nacional de desenvolvimento, mas não explicita mecanismos sobre o investimento em setores estratégicos.
“Mas a intenção de avançar 40 anos em 4 está posta, e isso é uma sinalização importante para avançar da indústria primária para a reindustrialização, sem deixar de investir na indústria do conhecimento, a indústria 4.0”, comenta ele.
Outro debate importante, que aparece nas diretrizes do programa de governo do candidato líder de intenções de voto, é a retomada do papel da Petrobras como empresa de energia, e como alavancadora de uma cadeia produtiva industrial. A inflação dos combustíveis acabou popularizando esse debate sobre o que tem acontecido com a empresa, desde o golpe de 2016, com a absurda Paridade de Preços Internacionais.
Agora, ele tem expectativa de que uma reversão de governo estanque as privatizações de refinarias, com o retorno de investimentos em ciência e tecnologia.
(por Cezar Xavier)