As Substâncias Psicoativas estão presentes no ambiente natural em uma imensa variedade de plantas e fungos, e, sem dúvida, exerceram uma importante influência na formação cultural dos povos originários latinocaribenhos. Seja, por, inevitavelmente, terem se deparado com elas em suas buscas por alimentos; seja – a partir desse primeiro encontro -, pelo despertar da percepção da possibilidade de uma expansão de suas consciências através de novos estados induzidos por alterações psíquicas; ou ainda, por lhes terem sido apresentadas por divindades com quem tiveram contato em seus transes em rituais religiosos ou através de sonhos e/ou mirações.

Assim, sendo reconhecidas como Plantas Sagradas, Plantas Maestras – detentoras de poder/saber -, passaram a compor um intrincado receituário, ao qual os seus descendentes hoje denominam de Medicinas da Floresta e lutam por mantê-lo vivo como patrimônio dessas populações, e do qual fazem parte, por exemplo: o Cactos de San Pedro; a Hoja de Coca; algumas variedades de Cogumelos; o Tabaco; a Chacrona e o Jagube – bases para o preparo da Ayahuasca e do Santo Daime -; a Cannabis; e, até mesmo, a Macaxeira (Mandioca, Aipim) – que serve de base para o preparo da Caiçuma, bebida fermentada, utilizada pelos povos Yawanawá em seus rituais.

Dessa forma, durante milhares de anos e em todas as sociedades e culturas conhecidas, essas substâncias foram demandadas, produzidas, comercializadas e consumidas sem graves problemas.

Só a partir do século XVI, com a expansão colonial europeia propiciada pelo domínio dos mares – e, por consequência, pela invasão de territórios, o extermínio de populações nativas, a expropriação de riquezas naturais, a exponenciação do regime escravocrata, e, por fim, o acúmulo do capital primário que viabilizou a revolução industrial inglesa – é que, em decorrência dos interesses geopolíticos dessa globalização econômica embrionária, o que antes era reconhecido apenas como especiarias, remédios e/ou moeda de troca por diversos mercados, passou a ser resignificado etnopoliticamente como drogas socialmente nocivas, tendo, todas as atividades relacionadas às suas cadeias produtivas, pronta e simplesmente, criminalizadas.

Com o surgimento desse novo parâmetro de exclusão, o pensamento político liberal hegemônico tem promovido, não só, a nível regional/local, a rotulação, discriminação, perseguição, combate, encarceramento e extermínio de populações socioeconomicamente vulnerabilizadas, mas também, a nível global, legitimado, principalmente, pelos ritos e instrumentos das Diplomacias e das Relações Internacionais do século XX – acordos multilaterais de cooperação, convenções e tratados internacionais, entre outros -, vem estruturando uma das mais poderosas estratégias de vigilância e opressão dos povos que já esteve sob o controle do estado burguês imperialista: a campanha de “Guerra às Drogas”.

Para a ativista do movimento negro estadunidense, Deborah Small, formada em Direito e Políticas Públicas pela Universidade de Harvard, que esteve recentemente no Brasil “a ‘Guerra às Drogas’ é uma ferramenta da qual a sociedade contemporânea depende para manter negros e pobres oprimidos e marginalizados”.

Orientadas por uma visão de moral e ética burguesas, as políticas proibicionistas pautam-se em noções eurocentristas neocoloniais como as expressas pelas polaridades: Centro vs Periferia | Desenvolvidos vs Subdesenvolvidos; e, no caso específicos das drogas, Países Produtores vs Países Consumidores, com base na qual, a título de promover a cooperação governamental para o combate ao tráfico internacional de drogas, o imperialismo estadunidense tem se camuflado e agido livremente em defesa de seus interesses comerciais e políticos, promovendo desde a espionagem industrial e de Estado, até as mais inadmissíveis ingerências sobre a liberdade e a autodeterminação dos povos latinocaribenhos.

As questões relacionadas à produção e ao consumo de drogas ilícitas encontram-se violentamente enraizadas no dia-a-dia do campo e das cidades. Para além de uma questão de comprovada ineficácia – no que diz respeito apenas à saúde e a segurança pública – e dos altos custos sociais e econômicos gerados para os Governos, as Políticas Proibicionistas tem sido as principais responsáveis pelo encarceramento em massa de mulheres e jovens no auge de sua capacidade produtiva – em sua esmagadora maioria, negros e moradores das periferias -, debilitando o capital humano nacional e comprometendo nossa soberania.

No marco de seu 14º Congresso o partido precisa promover um sério debate que lhe possibilite avançar também na compreensão desse fenômeno que perpassa todas as esferas da realidade social contemporânea.

No auge de seus 95 anos, o PCdoB é hoje um organismo partidário maduro, capaz de compreender e superar suas próprias contradições, porque, é nessa dialética, que constrói a síntese de si mesmo e evolui a sua práxis política. Com o acúmulo de cada batalha diária forjamos na luta quadros capazes de enfrentar com clareza e astúcia os desafios que se apresentam nesta época de transformações sociais profundas. Nunca o PCdoB foi tão grandioso e esteve tão bem preparado! E, neste sentido, é inadmissível pensar um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento para o país que desconsidere por completo a construção de uma também nova Política Pública para as Drogas. Omitir-se de debater e formular a esse respeito no momento atual é uma escolha política que pode custar muito caro para nós comunistas, por comprometer diretamente a qualidade da nossa formação política.

Problematizar essas questões não é tarefa fácil, é por demais desafiadora sob qualquer aspecto, mas é absolutamente imprescindível que assumamos a responsabilidade de encontrar soluções políticas – e pacíficas! – que garantam ao Brasil uma posição de destaque nesse tema. E, por tanto, é fundamental que o projeto de Resolução que compõe as teses do 14º Congresso oriente qual a nossa posição e aponte claramente o caminho que os Comunistas do Brasil seguirão rumo ao seu centenário.

*Jimmy Carter é membro da Comissão Política do Comitê Municipal do PCdoB em Foz do Iguaçu/PR e concluinte do curso de Bacharelado em Antropologia – Diversidade Cultural Latino-Americana -, pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).