Zelensky dá mostras de entender que a neutralidade da Ucrânia é "razoável"

Na mais explícita admissão até aqui de que a exigência de Moscou de uma Ucrânia neutra começa a ser levada em conta em Kiev, após 20 dias de operação russa para “desmilitarizar e desnazificar” o país, o presidente Volodymyr Zelensky afirmou que a Ucrânia “não se tornará” um país-membro da Otan.

“Entendemos que a Ucrânia não se tornará membro da Otan. Entendemos isso, somos pessoas razoáveis. É uma verdade e precisa ser reconhecida”, afirmou Zelensky em imagens transmitidas pela televisão.

Com o Batalhão neonazista Azov em boa medida dizimado em Mariupol, e o cerco se fechando sobre a principal força ucraniana ainda dentro do Donbass, o “razoável” Zelensky, que há poucos dias exigia o início da Terceira Guerra Mundial via decretação, pela Otan, de uma zona de exclusão aérea na Ucrânia, agora diz começar a perceber que a neutralidade não é tão ruim.

Aliás, uma condição que países como a Áustria, Suíça, Suécia e Finlândia compartilham, de serem países neutros, que não pertencem a nenhum bloco militar, o que inclusive lhes facilitou o caminho para o progresso e a estabilidade.

Zelensky acrescentou estar “contente” que “nosso povo comece a compreender isso” – o não ingresso na Otan – e possa “contar só com suas próprias forças”.

Talvez a mensagem vise sensibilizar banderistas e nazistas de carteirinha sobre qual é “a real”. Extremistas prometeram pouco depois de sua posse – ele fizera campanha pela paz – enforcá-lo na principal avenida de Kiev se cumprisse os Acordos de Minsk para convivência, dentro da Ucrânia, da população de ascendência russa do Donbass.

Segundo Zelensky, a Ucrânia precisa de “novos formatos para interagir com o Ocidente e garantias de segurança separadas”.

A “legião estrangeira” convocada por Zelensky sofreu um enorme baque na semana passada quando a Rússia disparou uma saraivada de mísseis contra uma base, próxima à fronteira com a Polônia, onde os mercenários estavam se agrupando.

Otan fora da constituição

Cinco anos depois do golpe CIA-nazis de 2014, a “meta” de ingresso na Otan simplesmente foi inscrita na constituição ucraniana, sem referendo, por votação num parlamento do qual os deputados comunistas haviam sido cassados e num quadro de perseguição generalizada aos oposicionistas, em busca de um Estado racialmente puro ucraniano.

Assim, tal excrescência – a meta de ser vassalo da Otan – terá de ser retirada da constituição, aonde foi indevidamente incrustada.

A “oferta” à Ucrânia e Geórgia – ex-repúblicas soviéticas – de que ingressassem na Otan fora feita em 2008 pelo governo de W. Bush, completando o cerco à Rússia. O que ocorreu um ano após o histórico discurso do presidente Vladimir Putin em Munique, em que considerou inaceitável a expansão até às fronteiras russas, bem como o “mundo unipolar”

Como Zelensky diz uma coisa em um dia e outra, no seguinte, e como na quarta-feira ele irá falar por videoconferência ao Congresso dos EUA, organismo em estado de catarse russofóbica, resta ver o que irá resultar daí.

Em paralelo, jornais dos EUA como o USA Today passaram a alegar que a Rússia iria “fazer um ataque com arma química na Ucrânia” – o que para muitos analistas é um indício de que haja, em Washington, quem aposte no quanto pior melhor mesmo quando se trata de duas superpotências nucleares.

Autoridades russas já haviam denunciado na semana passada que estaria em preparação uma “provocação com arma química” por parte de extremistas ucranianos, o que seria uma repetição do que foi visto na Síria.

Para o Kremlin, é muito cedo para fazer previsões sobre os possíveis resultados das negociações entre a Rússia e a Ucrânia.

As partes vêm negociando nos últimos dias quase continuamente por videoconferência. Na semana passada, na Turquia, houve o primeiro encontro entre o chanceler russo Sergei Lavrov e seu homólogo ucraniano, Dmitro Kuleba.

“Aguardamos resultados”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que acrescentou que “na situação atual, o próprio fato de eles continuarem [as conversa] é provavelmente positivo”.

No Conselho de Segurança da ONU, o embaixador russo, Vasily Nebenzya, apresentou para discussão um esboço de resolução para um cessar-fogo, para que as cidades possam ser evacuadas.

Além da neutralidade e não integração à Otan, a Rússia exige a desmilitarização da Ucrânia e manutenção do status de país sem armas nucleares. Também o reconhecimento das duas repúblicas gêmeas do Donbass e da reunificação da Crimeia à Rússia, decidida por sua população em referendo após o golpe em Kiev de 2014.