Xi e Putin discutem “parceria e interação estratégica russo-chinesa”
Presidentes da Rússia e da China, Vladimir Putin e Xi Jinping,reiteram que as duas nações “se apoiam mutuamente como pedras angulares da justiça, igualdade e multilateralismo” no mundo e concordaram que as relações Pequim-Moscou estão em um patamar “sem precedentes”.
“Considero essas relações um verdadeiro paradigma das relações internacionais no século 21”, afirmou Putin, que no início da cúpula virtual, na quarta-feira (15) por videoconferência, marcada pela cordialidade, acenou com a mão em um gesto de boas-vindas e se referiu a Xi Jinping como seu “querido amigo”. O líder chinês respondeu com o mesmo gesto e um largo sorriso.
“A estreita coordenação entre a Rússia e a China no cenário global tornou-se um fator significativo de estabilidade nas relações internacionais”, destacou o presidente russo, acrescentando que o encontro virtual permitia “discutir exaustivamente o desenvolvimento das relações russo-chinesas de parceria abrangente e interação estratégica”.
Por sua vez, Xi saudou o 20º aniversário da assinatura do Tratado de Boa Vizinhança e Cooperação China-Rússia e a decisão mútua de prorrogá-lo por mais cinco anos. “As relações sino-russas, depois de resistir a todos os tipos de testes, adquiriram um novo fôlego”, acrescentou.
“Você e eu, à frente das relações sino-russas, mantivemos contatos estreitos de várias formas nas principais agendas”, assinalou. “China e Rússia apóiam-se fortemente em questões relacionadas aos interesses vitais do outro país, defendendo sua dignidade nacional e interesses comuns”.
China e Rússia – disse Xi – “mostram um sentido de responsabilidade como grandes potências, promovem uma agenda unificadora na cooperação internacional para combater a pandemia, defendem a verdadeira essência da democracia e dos direitos humanos, e assim se tornam um verdadeiro baluarte para a realização do verdadeiro multilateralismo, protegendo a justiça internacional e a igualdade”.
“Estamos trabalhando ativamente juntos na plataforma do Conselho de Segurança da ONU, na Organização de Cooperação de Xangai, nos BRICS. Contribuímos para a formação de uma ordem mundial justa baseada no direito internacional”, salientou o presidente chinês.
Xi também agradeceu a Putin por seu empenho em não permitir que prosperem manobras tentadas por países ocidentais para enfiar uma cunha entre a Rússia e a China.
Os dois líderes concordaram em fortalecer a cooperação bilateral na resposta ao Covid-19. Foi a segunda vez este ano que Putin e Xi realizaram uma cúpula virtual, e a 37ª vez desde 2013.
Em março, em outro marco do avanço das relações, China e Rússia assinaram um memorando de entendimento para a criação conjunta de uma estação internacional de pesquisa científica na Lua, aberta aos demais países.
Em agosto, pelo telefone, os dois haviam discutido o colapso da ocupação norte-americana no Afeganistão e a necessidade de evitar o caos e a fome no país.
Cooperação
“Um novo modelo de cooperação se formou entre nossos países, baseado em princípios como a não ingerência nos assuntos internos e o respeito pelos interesses mútuos, a determinação de fazer da fronteira comum um ‘cinturão’ de paz eterna e boa vizinhança”, afirmou Putin.
O presidente Xi se manifestou em repúdio à mentalidade de Guerra Fria e às pretensões de substituir a Carta da ONU por certa “ordem global das regras”, rechaçando também a interferência nos assuntos internos da China e da Rússia usando como pretexto “democracia” e “direitos humanos”.
Xi reiterou que a democracia “é um valor humano compartilhado”, e que só o povo de cada país, apenas o povo, e nenhum outro país, pode julgar se é democrático ou não – numa condenação implícita à recente ‘cúpula pela democracia’ montada pela Casa Branca, com regimes e personalidades de sua preferência.
Sobre o aprofundamento das relações econômicas bilaterais, o presidente Xi apontou que “a escala de pagamentos em moedas nacionais está se expandindo, a estrutura de cooperação de investimento está sendo otimizada, a conjugação da construção do [“Cinturão Econômico da Rota da Seda”] e da União Econômica Euroasiática está progredindo com sucesso”.
O comércio bilateral China-Rússia cresceu 24% em 11 meses e já suplantou os números recordes pré-pandemia, chegando a US$ 123 bilhões – rumo à ambicionada meta de US$ 200 bilhões a médio prazo. Há 11 anos a China ultrapassou a Alemanha como principal parceiro comercial de Moscou.
Como Putin destacou, vários projetos conjuntos Rússia-China de grande escala estão sendo realizados – no setor de energia, incluindo a energia nuclear, na indústria aeroespacial e nas altas tecnologias. A vacina russa Sputnik será produzida em unidades fabris chinesas (150 milhões de doses anuais). Está em discussão o fornecimento à China de grãos – a Rússia se tornou o maior exportador de trigo do mundo.
Desde 2019, está operando o imenso gasoduto Poder da Sibéria, de 8 mil quilômetros, que é parte de um contrato russo-chinês de fornecimento de gás natural por 30 anos, de US$ 400 bilhões e que até 2025 estará entregando 38 bilhões de metros cúbicos por ano e ajudando a China a avançar no enfrentamento da questão ambiental e da transição energética em relação ao carvão.Os entendimentos deverão levar ainda à construção dos gasodutos Poder da Sibéria 2 e 3.
Em maio, por teleconferência, Xi e Putin, deram partida à construção conjunta de quatro novas unidades de geração nuclear de energia, as unidades 7 e 8 da usina nuclear de Tianwan e as unidades 3 e da usina nuclear de Xudapu.
Uma empresa chinesa pela primeira vez participou da expansão do Metrô de Moscou, tendo construído uma linha de 5,4 km, um “novo marco para amizade sino-russa”, segundo a estatal. A estação Michurinsky Prospekt foi inaugurada no início do mês.
Estatais da construção aeronáutica russa e chinesa, a UAC e a Comac, também estão desenvolvendo uma aeronave de corpo largo para a aviação comercial, voltada a concorrer com a Boeing e a Airbus, com o primeiro voo comercial previsto para antes de 2030. Também a Huawei buscou atrair a cooperação de pesquisadores russos, em busca de romper o bloqueio tecnológico de parte dos EUA.
Sistema de pagamento compartilhamento
Após a cúpula, o Kremlin anunciou que Rússia e a China desenvolverão estruturas financeiras compartilhadas que lhes permitam aprofundar os laços econômicos de forma que países estrangeiros – leia-se os EUA – não possam interferir. Na semana passada, autoridades dos EUA andaram ameaçando explicitamente a Rússia de “desligamento do sistema de pagamentos global SWIFT”, em meio ao impasse na Ucrânia.
Tanto a Rússia quanto a China já desenvolveram sistemas próprios de pagamento digitais e acredita-se que estejam trabalhando nos acordos e protocolos técnicos para operacionalizar essa operação conjunta.
Segundo Yuri Ushakov, assessor de política externa de Putin, “foi dada atenção especial à necessidade de formar uma infraestrutura financeira independente para atender às operações comerciais entre a Rússia e a China”. “Queremos dizer criar uma infraestrutura que não possa ser influenciada por terceiros países”, acrescentou.
No início deste ano, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, afirmara que Pequim e Washington “precisam abandonar o uso de sistemas de pagamentos internacionais controlados pelo Ocidente”. O que ele ligou à intervenção dos EUA buscando “limitar o desenvolvimento tecnológico tanto da Federação Russa quanto da República Popular da China”.
Putin e Xi também debateram assuntos espinhosos, como as provocações na região do Mar Negro, no Mar do Sul da China e no Estreito de Taiwan, bem como o chamado ‘boicote diplomático’ aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim do próximo ano.
Xi manifestou seu apoio à decisão da Rússia de cobrar dos EUA e da Otan garantias jurídicas formais de que a aliança atlântica não se expandirá ainda mais até às fronteiras russas, nem que serão instaladas armas ofensivas nos países vizinhos – “as linhas vermelhas”, como tem chamado Putin.
Segundo Ushakov, também houve concordância na avaliação negativa sobre a criação de novas alianças como o Quad no Indo-Pacífico e a Aukus americano-anglo-australiana – cujo alvo óbvio, diga-se, é a China.
Xi também ouviu de Putin um relato sobre o teor da cúpula do presidente russo com o homólogo norte-americano, no início do mês.
As forças que tentam conter a evolução até um mundo multipolar e mais equânime, praticamente acusam a Rússia e a China da mesma coisa: desejar invadir, respectivamente, a ‘Ucrânia’ e ‘Taiwan’, invertendo assim o problema real, que é a tentativa ocidental de criar um atoleiro para sangrar as duas grandes nações e atrasar seu desenvolvimento.
E tanto a Rússia e a China já demarcaram suas “linhas vermelhas”.
A China só agirá militarmente se for violado o princípio de ‘Uma Só China’. Ou seja, se separatistas, atiçados desde fora, ousarem declarar a província ainda não reunificada – o último elo do ‘século de humilhações’ – em uma cabeça de ponte anti-China.
A Rússia, por sua vez, só se o regime CIA-neonazi se anexar à Otan com a consequência de se tornar ameaça direta a Moscou em cinco minutos de voo de míssil nuclear e uma espécie de ‘anti-Rússia’. Ou se os herdeiros dos colaboracionistas de Hitler acharem que podem cometer impunemente uma limpeza étnica de falantes de russo no leste do país.
Fora disso, ninguém quer saber de invadir nada. A China, pela conhecida paciência tipicamente chinesa e visão de longo prazo. A Rússia tem perseverado há sete anos em chamar Kiev a cumprir o que assinou e resolver o problema negociando diretamente com o Donbass rebelado a anistia, autonomia, garantias e eleições. E a parar de sabotar a pacificação, inclusive com novas leis fascistas, prisão de opositores e a colocação de metade de seu exército na linha de demarcação no Donbass e de drones de ataque, em violação aos acordos de Minsk e às garantias dos países do Formato Normandia.
Outro momento que reflete bem essa interação China-Rússia foi agradecimento de Putin pelo convite para participar em pessoa na abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno 2022, e se dizendo ansioso por “finalmente nos encontrarmos pessoalmente em Pequim”. Os dois presidentes já combinaram uma cúpula em paralelo ao evento.
A importância da aceitação por Putin do convite é de que deu o chute inicial no esvaziamento do assim chamado “boicote diplomático”, capitaneado por Washington.
Boicote proclamado – de parte de um país que em 20 anos massacrou centenas de milhares de muçulmanos, do Iraque ao Afeganistão – sob a alegação de que é a China que estaria cometendo ‘genocídio em Xinjiang’. Um cinismo inominável.
Putin disse que sempre nos apoiamos mutuamente “quando se trata de cooperação esportiva internacional, incluindo nossa posição contra as tentativas de politizar os esportes e o Movimento Olímpico”. Ele se declarou confiante no sucesso dos Jogos de Pequim 2022.
Ao mesmo tempo, a presença de Putin é também um ato de gratidão. Em 2014, foi Xi que compareceu à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, na Rússia, quando os regimes ocidentais organizaram um boicote depois que a Crimeia reagiu ao golpe CIA-neonazis-oligarcas em Kiev, aprovando por larguíssima margem a reunificação com a Rússia – como fora por trezentos anos – e a população do Donbass se levantou contra o arbítrio.
Coordenação estratégica pela paz
Em outros terrenos, como a defesa e segurança, Rússia e China também têm desenvolvido uma cooperação decisiva, em um momento em que alguns desvairados em Washington e Bruxelas acham que vão manter seu mundinho unipolar no grito.
Este ano, China e Rússia realizaram sua primeira patrulha naval conjunta. As duas forças aéreas já estão na terceira patrulha aérea estratégica conjunta.
Os dois exércitos também fortaleceram a coordenação no exercício de contraterrorismo “Missão de Paz 2021” da Organização de Cooperação de Xangai e nos Jogos Internacionais do Exército de 2021.
A Rússia também rechaçou a pretensão dos EUA de incluir a China nas discussões sobre limites de armas nucleares estratégicas, tendo em vista que a força de dissuasão nuclear chinesa é na atualidade cerca de 10% da norte-americana.
A China já conta com o avançado sistema russo antiaéreo S-400. Por caminhos próprios, os dois países vêm alcançando o desenvolvimento dos sistemas hipersônicos.
Mas como países que mais perdas em vidas humanas sofreram na II Guerra Mundial – 27 milhões de soviéticos, 20 milhões de chineses – não há dois povos mais comprometidos com a paz e em impedir a repetição da insanidade.