Acumularam-se fatores nas últimas semanas para uma inflexão no quadro político. Não é o caso de elencar todos, mas estão à vista. O certo é que os desfechos seguem incertos, ironia à parte. Entretanto, mudou correlativamente o jogo das forças em presença.

Por Walter Sorrentino*

Nas próximas três semanas haverá a conclusão da CPI, será o prazo final para saber se Bolsonaro terá ou não terá um partido para se filiar se quiser comparecer às eleições, se tiver esse direito; e pode se instituir uma nova dinâmica na oposição em frente ampla com uma grande manifestação cívica de todos os setores contra Bolsonaro.

A questão será a nova relação dinâmica em ação e reação entre todas essas forças. Os times vão mudando a sua escalação e tática de jogo.

A extrema-direita bolsonariana tem sua força instituída, mas o governo Bolsonaro se isola crescentemente e não consegue impor seu jogo nem uma ruptura institucional, vem perdendo o comando de todas as narrativas perante a maioria da sociedade. O fato, entretanto, é que o golpismo do presidente segue em processo, erodindo a democracia, afundando a economia e arruinando a vida dos brasileiros.

Mesmo com o 7 de setembro – e até por consequência dele – Bolsonaro desceu do andar que ocupava. Vai tentar, sem credibilidade, manobras diversionistas para um cessar-fogo temporário, para retomar a catilinária em seguida. O núcleo do problema é que a crise é o governo, o governo é a própria crise, em função da estratégia política geral de Bolsonaro e isso não vai mudar.

O momento da economia faz um rombo na vida do povo e, consequentemente, na do governo, que sofreu desembarques destacados de segmentos hegemônicos. Soaram os clarinetes desses setores por uma “terceira via” para derrotar Bolsonaro e Lula.

Esta terceira via é o outro polo que manobra. É forte, visa às eleições presidenciais contra Lula, mas há tanto uma pulverização de nomes quanto carência de nova agenda para os brasileiros. Os nomes podem convergir a tempo, com certeza; a agenda, a ver. A gestão da crise segundo seus interesses subiu para o andar de cima, com Temer, Gilmar, Sarney, Kassab e setores hegemônicos da “Faria Lima”, por exemplo, à guisa de contenções e pacificações de Bolsonaro. Coisa de profissionais e de grande peso institucional. Qualquer recuo de Bolsonaro, sempre camaleônico, os leva a propor pacificações.

Mas o comportamento do bloco ainda não cristalizou para fazer predominar o emparedamento do governo, a somar-se a amplo movimento pelo impeachment. A terceira via terá garantias de ir ao segundo turno se Bolsonaro se mantiver resiliente nas pesquisas até as eleições? O Impeachment pode entrar no centro da tela do radar deles, caso contrário? Ainda buscam ganhar tempo para resolver esse dilema, até porque em caso de impeachment precisariam pactuar com o vice presidente Mourão os interesses que representam. Também é coisa a ver.

A esquerda política e social progressista tem força e está em ascenso. Leva vantagem por ter um nome comprovado em popularidade e uma nova agenda para o país. Mas Lula, a principal liderança, vai ter que adaptar o jogo com os desdobramentos da crise do governo e o destino de Bolsonaro, mais a irrupção da terceira via. Se não puder ocupar maior espaço ao centro político, neutralizando parte dele para um segundo turno, certamente todos os demais postulantes se unirão contra Lula. O fato é que ele administra bem o rumo, com forte discurso social e amplitude para se somar ao movimento geral anti-Bolsonaro. Uma concepção de esquerda, nesta hora, do nós contra eles, faria o jogo de Bolsonaro.

Em síntese, a estratégia politica de Bolsonaro não foi ainda derrotada e não está fora do jogo de 2022; a terceira via tem suas dificuldades, mas representa setores hegemônicos poderosos na sociedade, também não está fora do jogo; e Lula não é imbatível nas eleições.

Por via das dúvidas e também das certezas, o melhor agora ainda são duas coisas. A primeira é a travessia de 2021, não pôr os carros à frente dos bois. Nisso, se trata de apertar o torniquete do impeachment. É preciso desligar o oxigênio de Bolsonaro, derrotar sua estratégia política ainda viva e dotada com a máquina de governo (nunca derrotada nas reeleições havidas no país).

O custo do impeachment pode ser alto, mas é menor que manter o país nesse estado exasperante, com a economia desacreditada pela crise política e institucional persistente. Serão mais valiosos os benefícios à vida dos brasileiros. Serão ainda mais 14 meses até as eleições e outros dois para a posse de um novo presidente, nesse estado de deterioração. Para quê?

Isso exige mais força e unidade, o que depende de os gatos de todas as cores que cacem ratos se unirem contra Bolsonaro num movimento tipo Diretas Já: pôr em cena uma grande manifestação democrática unitária como fator político. A grande maioria social ainda se mantém em expectativa, não ganhou a confiança necessária nas saída de Bolsonaro antes das eleições; se virem todos juntos, esse quadro muda.

O outro trilho da mesma jornada é atender à tônica da sociedade, hoje de volta aos problemas da economia em estagflação, carestia galopante, queda da renda, falta de empregos e falta até de vacinas. Não há tática justa sem forte conexão com o povo e, por isso, é preciso insistir nos problemas candentes que tiram a perspectiva de melhoria da vida do povo. A oposição progressista e popular precisa pautar um conjunto sistemático de ações contra a carestia, subsídio às tarifas e aluguéis, o Auxílio emergência, frentes de trabalho, ou seja, medidas imediatas direcionadas às carências sociais e medidas emergenciais que podem-devem ser tomadas desde já.

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*Vice-presidente e secretário nacional de Política e de Relações Internacionais do PCdoB.