Ao abrir o Encontro Nacional sobre Questões Internacionais, realizado por videoconferência na última quinta-feira (8), o vice-presidente do partido e secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Walter Sorrentino, falou sobre o significado e as perspectivas do evento, destacando o panorama mundial na atualidade e onde se situa a luta dos comunistas brasileiros.

Neste sentido, abordou a relação entre a luta internacionalista e a de âmbito nacional que envolve a defesa urgente da vida e da democracia, o enfrentamento à extrema-direita e a Bolsonaro e a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento.

“Nós sabemos e estamos convictos de que a verdadeira independência nacional só pode ser assegurada pelo socialismo e que cada nação e povo deve partir, das lutas de classes, das condições de suas próprias formações econômico-sociais para vencer, interpretar a fundo os fios que atam os fundamentos civilizatórios de cada nação, do passado ao futuro”, apontou o dirigente.

Leia a íntegra de seu pronunciamento:

Quero neste momento dirigir algumas palavras iniciais  sobre o significado e perspectivas com que encaramos os debates deste Encontro, articulando seus temas no sentido de extrair consequências para nossas lutas políticas e a própria atividade internacionalista de nosso partido. 

Nós fazemos essas lutas em condições singularíssimas tanto externas como internas.

Hoje o Brasil vive os impasses de profundas crises que convergem para uma crise política de proporções poucas vezes vistas. O tema será analisado pela Mesa de Abertura, com nossa presidenta Luciana Santos. 

No país, temos hoje uma luta a travar, na verdade duas travessias: a de 21 e a de 22. A travessia de 2021 demanda, como veremos com a Conferência inicial de Luciana, como ação imediata fortalecer a ampla frente pela Vida – incluindo a VIA, e pela Democracia, luta que só será inteiramente consequente se logramos isolar, cercar e interditar o mandato do governo Bolsonaro. 

Mas tirar o país da crise exige empolgar o povo brasileiro por uma nova perspectiva, uma nova esperança, um novo patamar civilizatório. É a travessia de 22 e nisso temos como proposição um novo projeto nacional de desenvolvimento (NPND). Sem desenvolvimento soberano não se supera nenhuma das contradições estruturantes de nossa formação econômico-social, de classes, de gênero e cor, de todas as causas dos protestos civis e sociais.  É essa nossa luta estratégica e, programaticamente, esse, para nós, é o caminho brasileiro ao socialismo.

É aí que entra a necessidade de examinar o lugar e o papel do Brasil no mundo. O cenário internacional, apesar de sua autonomia relativa, não é uma moldura que circunda nossas lutas, apenas um palco para a ação internacionalista solidária. Na verdade, ele está imbricado com os desafios nacionais e fornece os elementos de correlação de forças menos ou mais desfavoráveis para descortinar os rumos de nossas lutas nacionais, que é o terreno por excelência do fazer estratégico revolucionário em nosso tempo. 

Neste Encontro estaremos desvendando as possibilidades e potencialidades do cenário internacional para abrirmos caminho ao nosso NPND. Esse imbricamento estratégico é o ponto nodal de nossos debates. Como se vê, não é tema apenas dos militantes internacionalistas.

O mundo, de certa forma, é o mesmo que conhecemos sob a ordem capitalista-imperialista, rentista e parasitária, de superexploração da mais-valia e opressão dos trabalhadores e de nações e povos inteiros, aprofundando as desigualdades sociais e concentrando renda e riqueza por meio de grandes corporações privadas. 

Nesse sentido, os fundamentos de nossas lutas seguem se organizando pelo caráter anti-imperialista, pela paz e solidariedade entre os povos, pelo desenvolvimento dos países dependentes, pelos direitos dos trabalhadores e pela defesa da perspectiva socialista, vigente para mais de 1,6 bilhão de pessoas no mundo. 

Prosseguiremos pelo internacionalismo da luta dos trabalhadores e relações fraternas com nossos irmãos centenários do MCI, feita em bases de respeito mútuo e benefício recíproco, sem ingerências nos assuntos próprios de cada partido. Seguiremos nos embates para forjar ao Brasil uma política externa independente e de solução negociada de conflitos no âmbito do multilateralismo.

Entretanto, este é um mundo em crise em várias ordens. Está em crise a política econômica neoliberal, a globalização imperialista, finou-se a fugaz “Pax Americana” nascida com o colapso do campo socialista. Está em crise o próprio liberalismo político, com a ascensão de forças de extrema-direita ao comando em vários países das Américas e Europa. 

É preciso analisar a realidade concreta, descortinar as contradições que se acumulam na ordem internacional num desenvolvimento dialético e contraditório, como elas agem e interagem com as contradições a superar em nosso país. 

Entender as profundas transições da ordem internacional que vivemos, numa análise interativa e dialética de todos os movimentos, de todas as classes e das relações entre as nações de todos os Continentes, em ação e reação entre si no plano internacional. Desvendar, enfim, como se comportam as  contradições fundamentais, aquelas principais e mais agudas,  e mesmo as contradições secundárias a cada situação, mas que podem se transformar em reservas estratégicas imprescindíveis à luta pelo socialismo. 

A pandemia da Covid-19 certamente paira como um espectro sobre toda a cena internacional. Suas consequências são já terríveis e seus efeitos sobre a realidade são ainda incomensuráveis. Ela acentuou todas as contradições em curso e deixa nelas muitas indagações sobre o tempo necessário para as coisas voltarem a algum tipo de normalidade, que jamais será o mesmo de anteriormente.

Sob esse espectro, daremos especial atenção nos debates às profundas e interessantes transições vividas por todas as gerações atuais. 

Uma, a da profunda e multifacética evolução das forças produtivas por meio de desenvolvimentos científicos e tecnológicos que, podendo impulsionar a emancipação dos que criam as riquezas, ao contrário, ferem a fundo os produtores de riqueza por meio do trabalho, promovem a superexploração e, poupadoras de mão de obra, condenam uma massa de centenas de milhões à condição não só de expropriados, como também não tendo direito nem sequer a ser explorado mediante um salário.

A outra, de amplo sentido histórico e concreto, a transição na ordem de poder internacional, sobretudo nos embates entre os EUA contra a China e pela contenção militar da Rússia e a aliança estratégica entre China e Rússia. Nenhum acontecimento no mundo fugirá a essa marca do tempo contemporâneo: a disputa, por todos os meios e formas, pelo domínio da ponta tecnológica, do poder da moeda e das armas para afirmar a supremacia hegemônica no mundo. É um palco de guerras híbridas que não conhece limites.

Tão importante quanto as anteriores, senão mais aguda, a terceira questão é o caráter principal que assume a luta entre o imperialismo e as nações em busca de projetos nacionais de desenvolvimento soberano, entre o imperialismo e os trabalhadores e povos. 

Hoje, a maior parte das nações e povos do mundo, os países em desenvolvimento, se batem contra o neocolonialismo, que arrasta à sua órbita até mesmo os Estados nacionais independentes, mas não soberanos, desses países. Esse é o sentido saliente das lutas anti-imperialistas contemporâneas. A luta pelo desenvolvimento soberano para superar sua condição de países da semiperiferia do sistema, ocorre hoje tanto em países capitalistas democráticos ou autocráticos, como em países socialistas. Falamos do Brasil e da América Latina, países da África como no Magreb ou Nigéria e África do Sul, da Ásia, desde Malásia e  Coreia do Sul até, particularmente, a Índia, entre outros. Falamos disso também no Oriente, com a Turquia, Irã e falamos disso até mesmo na Rússia. Falamos, em especial, dos países socialistas que demonstram superioridade para afirmar seus projetos nacionais — notadamente a China, mais Vietnã, Coreia Popular, Cuba… Isso se destaca como fato marcante nas relações internacionais hoje. 

No mesmo sentido, mas de outro caráter, este de conflitos inter-imperialistas. Suas contradições significam aquelas reservas estratégicas diretas ou indiretas que às vezes são muito expressivas. 

Ocorrem hoje dissensões entre as classes dominantes em países centrais do sistema sobre como manter as formas de dominação. Crescem tendências autoritárias de novo tipo, de índole fascista, e em muitos sentidos a ordem política do liberalismo está corroída. Também menciono as dissensões entre EUA e União Europeia, como são os interesses da Alemanha e UE com respeito ao gasoduto da Rússia Nord Stream II (e outro previsto para passar pela Turquia), ao qual se opõem os EUA em nome da contenção da Rússia, buscando fortalecer o alinhamento europeu à OTAN. Igualmente impressiona o quanto Biden explicita rapidamente os pilares de sua ação internacional: foi grosseiro com Putin, promoveu uma atitude arrogante com os chineses no recente encontro em Alaska, seu Comando Sul anuncia com condescendência torpe o que pretende com a América Latina, em recente visita do Comandante ao Uruguai, bombardeia Iraque e Afeganistão… nada que já não tenhamos visto.

Toda essa situação que mencionei conforma os espaços de manobra estratégica para perseguir os objetivos nacionais de nossa luta. Quer dizer, afeta o quadro da defensiva estratégica das nossas lutas de classes e coloca em cena a centralidade da luta nacional, contra a dependência e neocolonização, por meio de um novo projeto nacional, do desenvolvimento soberano e um Estado nacional soberano suficientemente forte para ser um agente indispensável e poderoso dessa luta. É por meio dessa centralidade que articulamos os eixos estratégicos das lutas contra a exploração, pela dominância da propriedade pública dos meios de produção e pelas liberdades e direitos para o povo, para abrir caminhos progressivamente às transições ao socialismo. 

Precisamos apoiar e nos beneficiar, a um só tempo, do fortalecimento da luta dos trabalhadores e dos povos, que são a força motriz e reserva direta de nossas lutas. Nós nos queremos mais engajados na luta de ideias que existe nesse tema, e na luta em solidariedade aos trabalhadores de todo o mundo, aos povos e nações que lutam por seu desenvolvimento soberano e anti-imperialista, pelas liberdades e direitos sociais. Nas lutas pela paz, contra todas as modalidades de agressão a nações, que hoje é uma realidade dominante e pode provocar grandes confrontos no mundo.  Na luta contra a exploração e opressão de todos os tipos, aos povos. Solidariedade na luta pela vida, pela democracia, hoje pela vacina em primeiro lugar. Enfim, todo o rol de batalhas apresentadas no encontro, e ouso dizer que, em particular, esse trabalho precisa ser ainda mais forte com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos. 

Nós sabemos e estamos convictos de que a verdadeira independência nacional só pode ser assegurada pelo socialismo e que cada nação e povo deve partir, das lutas de classes, das condições de suas próprias formações econômico-sociais para vencer, interpretar a fundo os fios que atam os fundamentos civilizatórios de cada nação, do passado ao futuro. 

Walter Sorrentino, vice-presidente e secretário de Relações Internacionais do PCdoB

 

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