Walter Sorrentino: Aviso aos navegantes
Surpreendeu, no Estadão do domingo (27/6/21), saber que o PCdoB vive um clima de velório, às voltas com o “fantasma da extinção”. Como é frequente na mídia brasileira, matérias fazem juízo de valor antes de informar fatos multilaterais aos leitores, num forçado reducionismo.
Por Walter Sorrentino*
A quem interessar possa, como diria Mark Twain, são muito exageradas as “notícias” da extinção do PCdoB. Sim, suas fileiras estão em velório, mas em luto pelas 511 mil mortes pela Covid-19, o progressivo desmonte do Estado e da economia nacionais, a crescente pobreza. Bolsonaro preside um governo que desmoraliza a nação e não honra os brasileiros.
Notoriamente os comunistas são os mais atingidos nessa situação, como comprova a história do país – organizados há um século, o Partido Comunista do Brasil só pode ter atuação legal por 2/3 desse período. A pregação antissistema, vitoriosa na eleição de 2018, fez recrudescer o anticomunismo mais primário e obscurantista, ao atacar “os comunistas”, o “marxismo cultural” e qualquer sentimento progressista, numa mensagem de ódio contra o PCdoB, Lula e toda a esquerda brasileira.
Está em curso uma escalada golpista contra a democracia que abala os fundamentos da nação. Contra isso o partido volta todas as armas e esforços, propugnando uma ampla frente de todas as forças democráticas contra Bolsonaro. A convicção dos comunistas é de que a saída para a profunda e multifacetada crise do país é tirar Bolsonaro do poder. Com isso, derrota-se a ofensiva da extrema-direita e reconquista-se o pacto democrático. O PCdoB cresce na democracia.
É fato que o PCdoB e várias legendas vivem o dilema de como assegurar sua plena presença institucional nesse contexto. São crescentes e antidemocráticas as barreiras à representação partidária do eleitorado brasileiro. O mais recente entulho na legislação eleitoral feriu a autonomia partidária inscrita na Constituição Federal, proibindo alianças eleitorais em eleições proporcionais. Antes disso, havia sido instalada a cláusula de desempenho, progressiva até 2030; ademais, sempre foi vigente a exigência de quociente eleitoral para eleger representantes.
O PCdoB se opõe a essas barreiras não apenas para manter sua sobrevivência institucional própria, mas porque considera que o Brasil precisa de mais democracia, não menos, requer o pluripartidarismo democrático para expressar a pluralidade do povo brasileiro, elevar a representação dos trabalhadores, das mulheres brasileiras e da população negra. Um número restrito de legendas, imposto por guilhotina, elitiza ainda mais o sistema político-partidário do país, restringe a representação política.
O fato é que a legislação restritiva só compreende alianças eleitorais entre legendas para eleições proporcionais na forma de fusão partidária, cancelando os registros eleitorais das legendas envolvidas, ou incorporação de uma legenda a outra, no caso cancelando o registro da que é incorporada.
O eixo principal da proposta dos comunistas neste momento é a proposição de Federação eleitoral partidária, figura nova no ordenamento legal, mas já votada no Senado Federal e que agora vai à Câmara dos Deputados. Houve ampla interlocução com todas as forças do Congresso Nacional sobre o tema.
A Federação permite que duas ou mais agremiações, se o quiserem, com base na autonomia partidária, estabeleçam aliança eleitoral nacional e duradoura, onde se preserva a existência independente das legendas integrantes. A aliança é feita para concorrer às eleições como se um partido fosse, com os direitos e deveres vigentes na lei, com Estatuto e Programa básico que expressam o consenso entre elas. A proposta pode diminuir a dispersão de legendas, mas por uma via democrática e levando-as a convergências programáticas.
Se não vier a ser aprovada a Federação partidária, é consenso consagrado no PCdoB ser vedada a hipótese de incorporação a outra legenda, por suprimir a legenda centenária, nos termos da legislação atual. O dilema, nesse caso, será enfrentado com alternativas políticas e legislativas de frentes políticas nas quais possa assegurar sua plena atuação institucional no país, tendo como pressuposto a preservação da continuidade histórica, identidade e autonomia do Partido Comunista do Brasil.
Voltemos então ao triste vaticínio sobre o PCdoB feito em matéria do Estadão. Nela se faz alusão a que a ameaça à existência do partido seria um processo comparável aos problemas do PCB de 1978-9. Não é cabível aqui toda essa discussão; apenas dizer que o raciocínio é descontextualizado e reincide no reducionismo. É muito mais complexa a história no PCB naquele momento e dizia respeito a diferentes análises e perspectivas sobre a conjuntura brasileira. O que existe no PCdoB, de forma amplamente majoritária e comprovável, é a orientação unitária em torno de sua linha política básica.
Por outro lado, a outra assertiva da matéria, ainda mencionando o PCB, refere o fatal processo de institucionalização que acabaria com a presença do PCdoB no cenário político. Não existe essa demarcação contra a luta institucional no PCdoB. A expressão política institucional de um partido é um decisivo terreno de luta, ao lado das lutas sociais e culturais. A luta “institucional” é, em última instância, síntese resultante em votos de todo o fazer político partidário, em todas as áreas, sobretudo na da ação política de massas. É terreno irrecusável de disputa, decisivo para favorecer a correlação de forças políticas das forças populares, nas condições presentes do Brasil.
Não faltam exemplos, nessa jornada centenária, dos que se desligam do partido, adotam rumos próprios, não se dispõem mais ao debate para encontrar saídas em comum, sob decisões coletivas, põe interesses eleitorais acima do papel estratégico da luta partidária. Foram bons companheiros nessa viagem, com eles alcançamos vitórias para o povo, e nem sempre se desligam em confronto com a orientação política, nem necessariamente com o ideário do partido. Mas a imensa maioria dos militantes segue em frente, com um propósito com norte estratégico, o Programa Socialista do PCdoB. Igualmente não faltam exemplos de ciclos eleitorais que se revertem no curso político. É o que vem acontecendo na América Latina e tudo indica estar em curso no Brasil hoje; os comunistas se beneficiarão disso, em 2022 ou depois.
O debate que se realiza hoje, inclusive por meio de Congresso já convocado, é o de fazer jus a esse rico patrimônio e honrar o rico legado de realizações, dedicação e coerência de todas as gerações comunistas antecedentes. O PCdoB é resistente, não vai deixar “cair a peteca”. Ao contrário, os desafios presentes motivam a resistência para persistir em sua existência institucional como organização política autônoma com seu Programa e Estatuto e identidade própria, a que preço for.
Não se pode considerar o PCdoB legenda “nanica”. As barreiras eleitorais desconsideram a sua atuação numa das principais centrais sindicais do país. Tem um dos maiores patrimônios na luta das mulheres, da juventude e dos negros. Tem uma Fundação e Escola Nacional em atividade permanente e regular. Tem a Revista política mais perene das últimas décadas. Tem 450 mil filiados e dezenas de milhares militam em suas bases, organizadamente. Tem numerosos quadros políticos de expressão nacional, sempre citados entre os mais influentes do Brasil. Com isso, o PCdoB valoriza o sistema pluripartidário brasileiro.
Ser comunista no Brasil é um estado de espírito politicamente organizado, motivado por um ideário e programa, contra as injustiças sociais. São elas que nos desafiam a persistir e lutar, enquanto existirem. Navegaremos por muito tempo mais, como bons navegantes no acidentado percurso da construção da nação e da democracia, com determinação e sabedoria política.
*É vice-presidente nacional do PCdoB e secretário nacional de Política e Relações Internacionais do PCdoB.