Antes da crise atual da Covid-19 a economia brasileira já sofria com tendência à estagnação, alto desemprego, desigualdade em ascensão e baixa produtividade e competitividade. A pandemia agravou esse quadro, jogando a economia brasileira novamente em recessão, o que pode resultar em uma década perdida.

Por Walter Sorrentino*

A crise também escancarou as mazelas da desigualdade, atingindo profundamente as populações mais vulneráveis social e economicamente. A taxa de desocupação aumentou de 11,6% da força de trabalho para 14,1% entre os trimestres encerrado em fevereiro de 2020 e o terminado em novembro de 2020. Esta variação representa um aumento de aproximadamente 1,7 milhão de desempregados e atinge a cifra de 14 milhões de desempregados. No mesmo período, 8,1 milhões de trabalhadores perderam suas ocupações e pararam de procurar emprego por força da pandemia. Somado o aumento do número de desempregados com o êxodo de pessoas da força de trabalho, temos um contingente adicional de quase 10 milhões de brasileiros (as) retirados (as) do mercado de trabalho ao longo desse período.

O Auxílio Emergencial injetou centenas de bilhões de reais na economia brasileira, proporcionando renda para milhões de brasileiros que perderam sua atividade econômica por conta da pandemia. Esta medida, que foi protagonizada pelo Congresso Nacional, impediu uma elevação mais forte do desemprego e uma queda ainda mais brutal do poder de compra da população, evitando uma tragédia social e amortecendo a queda do nível de atividade econômica ao longo do ano.

O encerramento do auxílio emergencial em dezembro de 2020 certamente provoca efeitos maléficos sobre os indicadores sociais e econômicos. Primeiramente, os 10 milhões de brasileiros vulneráveis, atualmente fora do mercado de trabalho, não terão outra alternativa senão buscar retornar a este mercado, mesmo que em condições mais precárias, expondo-se ao risco de contaminação com uma cepa mais agressiva do vírus. Em segundo lugar, os efeitos macroeconômicos do encerramento do auxílio emergencial somente agravariam a crise, especialmente se acompanhado do retorno à gestão fiscal anterior ao início da pandemia, ancorada no “teto de gastos” e na “regra de ouro”. Neste caso, gerar-se-ia a maior contração fiscal da história do país, com um efeito devastador sobre a demanda agregada e, por conseguinte, sobre a geração de emprego e renda.

Além da crise de emprego e humanitária, o Brasil se depara no início de 2021 com uma segunda onda de contágios de SARS-COV-2. Dado o excessivamente lento ritmo de vacinação, é pouco provável que uma parcela significativa da população brasileira esteja imunizada até o final do primeiro semestre de 2021. Para agravar o quadro, a temporada de doenças respiratórias começa em abril/maio, o que deverá aumentar de forma significativa o número diário de mortes pela Covid-19.

Face a esse cenário, torna-se absolutamente necessária a renovação imediata e incondicional do auxílio emergencial. Do contrário, teremos um cenário macabro: o aumento exponencial do número de mortes combinado com aumento exponencial da miséria e da fome. Trata-se de um cenário de “terra arrasada”, compatível com o vivenciado pelos países europeus durante a segunda guerra mundial.

A crise é humanitária, o auxílio é emergencial

A renovação do auxílio emergencial é urgente e fundamental, e não deve ser atrelada a nenhuma condicionalidade. A renovação do auxílio emergencial, por tratar-se de uma resposta a uma crise humanitária sem precedentes, similar a uma situação de guerra ou catástrofe natural, não pode estar condicionado a quaisquer outras políticas ou debates. A crise é séria, e o auxílio é emergencial. Vidas estão em jogo.

A alegada preocupação com a situação fiscal não pode ser utilizada como justificativa. Sequer há motivos técnicos para justificar tais alegações no campo fiscal. De fato, em função da recessão e dos gastos com o auxílio e das demais medidas emergenciais, a dívida bruta do governo geral passou de 74,6% do PIB em janeiro de 2020 para 89,3% do PIB em dezembro do ano passado. Porém, este aumento não é um caso isolado e restrito ao Brasil: é um fenômeno mundial.

Neste momento, é muito mais importante pensarmos em salvar vidas que sanar imediatamente a dívida do setor público. Reiteramos que a situação fiscal brasileira é sustentável e existe “espaço fiscal” para um aumento do investimento público, mesmo porque a evidência empírica disponível mostra que não existe nenhum número mágico para a relação dívida pública/PIB a partir do qual o mercado se recusa a financiar o governo. Vários países, muitos dos quais sem moeda própria, como, por exemplo, a Itália e a Espanha, já ultrapassaram o patamar de 100% de relação dívida pública/PIB e continuam se financiando normalmente com taxas de juros reais muito baixas.

Nossa proposta

Como regra geral, sugerimos a extensão IMEDIATA E INCONDICIONAL do auxílio emergencial com valor compatível com a subsistência das famílias e até a significativa melhoria dos indicadores relativos ao controle da pandemia e à evolução da vacinação.

Valor: Propomos um valor inicial de R$ 600 (seiscentos reais), por ser esta quantia compatível com o da cesta básica e, portanto, o minimamente necessário à subsistência das famílias.

Prazo: No que concerne o prazo, propomos que este auxílio valha até o final do ano fiscal, ou seja, 31 de dezembro de 2020, podendo ser renovado caso o índice de transmissão (RT) permaneça acima de 0.9, quando a população trabalhadora, especialmente a mais vulnerável, poderá retornar ao mercado de trabalho com um risco de contaminação significativamente menor. Caso o auxílio venha a ser renovado do prazo ao final deste primeiro período, será fundamental se considerar um valor reajustado que garanta seu objetivo fundamental de permitir a sobrevivência das famílias que o recebem.

Regra de transição: Recomendamos que, uma vez extinto o auxílio, haja uma regra de transição para os meses seguintes. Sugerimos que, nesta transição, o valor do auxílio seja reduzido em R$ 50 por mês subsequente sempre que o índice RT continue em queda.

Financiamento: Preferimos que o auxílio emergencial não seja financiado através da venda de títulos públicos ao mercado, para evitar o aumento da dívida pública mantida por agentes privados. Na maioria dos países, o mecanismo utilizado tem sido a venda de títulos pelo Tesouro ao Banco Central. Se for uma solução politicamente complicada, por requerer mudança constitucional, há alternativas, como a contabilização especificada contribuição dessa despesa para o aumento da dívida pública. Mas reiteramos que a primeira alternativa de financiamento, se passível de ser negociada e votada, seria melhor.

A renovação do auxílio emergencial é urgente, e salvará vidas. Mas, como descrevemos em documento anterior (Direito Já: Sugestão de Agenda Econômica Mínima), é insuficiente para tirar a economia brasileira do quadro de estagnação vivenciado ao longo da década passada: o Brasil necessita urgentemente de uma agenda alternativa de recuperação econômica.

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Walter Sorrentino* é vice-presidente nacional e secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

 

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