Wadson Ribeiro: Para além do coronavírus
O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em rede nacional na última terça-feira, revela que a preocupação do governo, em sintonia com Donald Trump e com os interesses de parte dos empresários brasileiros, não necessariamente é o enfrentamento à pandemia que assola o mundo e o Brasil. Bolsonaro, assim como seu amigo do Norte, só pensa nas eleições e, para isso, não abre mão de um discurso e de uma prática que deixam a maioria dos brasileiros estarrecidos, mas que pode lhe garantir cadeira no segundo turno em 2022.
Mesmo que incorpore o personagem, Bolsonaro não é um maluco. Suas palavras expressam o sentimento ou o receio de uma parcela da população brasileira nesse momento de crise. Declarações como a do empresário Junior Durski, dono da rede de fast food Madero, que afirmou que o Brasil não pode parar por conta de “5 ou 7 mil pessoas que morrerão”, dão sustentação às atitudes premeditadas de Bolsonaro, além de ilustrar uma outra face de parcela de seus apoiadores empresários, que é a completa degenerescência moral, ao naturalizarem a morte de milhares de idosos em nome de seus lucros e objetivos individuais.
Bolsonaro tem lado nessa guerra contra o Coronavírus e seu lado é o dos grandes banqueiros e empresários. Enquanto o mundo capitalista desenvolvido abre seus cofres para proteger suas populações e empresas, Bolsonaro quer jogar nas costas dos trabalhadores a conta da crise. Ameaça empregos e salários, anuncia privatizações de empresas públicas, não apresenta uma proposta de renda para a população desempregada e autônoma em isolamento social e não anuncia um plano consistente de combate à crise sanitária. Ao contrário, num ato criminoso, como já fizera outras vezes, manipula informações e dados e confunde a população. Para Bolsonaro, dinheiro público é para os bancos e grandes empresas, não para atender o sofrimento dos que necessitam.
Pela primeira vez em seu governo Bolsonaro tem sentido o peso do início de uma mudança na correlação de forças. A batalha nas redes sociais tem se dado sob um terreno mais áspero que o de costume e, talvez, pela primeira vez o sentimento de oposição tenha furado a bolha das esquerdas e alcançado setores mais alargados. O Congresso Nacional e o STF continuam a ver com ressalvas os arroubos presidenciais, os governadores estão mais unidos e eficientes no combate ao vírus do que o executivo federal e as mesmas panelas que apoiavam Bolsonaro começam a bater contra seu governo nos bairros de classe média Brasil a fora.
Diante desse quadro, Bolsonaro parece dobrar a aposta na insensatez e o preço disso poderá ser a morte de milhares de brasileiros e o aprofundamento da crise econômica e política.
Para além do Coronavírus, Bolsonaro quer se manter no poder a qualquer custo. Não é por acaso que Carlucho e o chamado gabinete do ódio culpam a China e o comunismo pela disseminação do vírus, numa espécie de vacina para a disputa de uma narrativa futura de balanço do enfrentamento da crise no Brasil. Faz o mesmo em relação ao desemprego, quando se alinha a alguns de seus empresários apoiadores e algumas federações estaduais das indústrias que defendem abertamente a volta imediata ao trabalho e o fim do isolamento social. No futuro, dirão que o que quebrou o Brasil foram as orientações da OMC e a postura de alguns governadores e da imprensa, e não a inoperância de um governo incapaz.
Bolsonaro não tem amor à vida, pois se tivesse não disseminaria o ódio nem se ligaria às milícias. Ele acredita num mundo novamente bipolar, assim como ele parece ser, por isso apoia os EUA e ataca a China. Mas o que realmente quer, independente das mortes que o Corona trará, é se perpetuar no poder, seja em 2022 ou agora com um Estado de Sítio.
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