Jair Bolsonaro e militares

Na semana em que o Brasil se consagrou como epicentro da pandemia em todo o mundo, colhendo recordes de mortes, o governo federal concentrou suas energias na briga política contra as Forças Armadas. As demissões dos comandantes gerais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, fizeram ressuscitar, às vésperas do aniversário de 57 anos do golpe militar, um ar apreensivo sobre as possibilidades de Bolsonaro levar a cabo uma aventura golpista. Mas para o bem da democracia, dessa vez, ao contrário da crise de 1977, o comandante do Exército estava do lado certo da história.

Por Wadson Ribeiro*

Refiro-me às divergências entre o então presidente da república em 1977, o general Ernesto Geisel e seu ministro do Exército Sylvio Frota, demitido por ser contrário à política de abertura “lenta, gradual e segura” implementada por Geisel. Esse episódio provocou uma tensão e a ameaça de um levante por parte de alguns oficiais apoiadores do ministro Sylvio Frota, algo que acabou não ocorrendo, mas provocou uma crise entre militares de enormes proporções, em um período delicado de transição da história brasileira. Nesse episódio, ficou evidente a divisão nas Forças Armadas entre aqueles que queriam a abertura democrática conduzida por Geisel e aqueles que representavam a linha dura e queriam a permanência infinita dos militares à frente do governo.

O episódio essa semana envolvendo Bolsonaro e a demissão dos comandantes das três Forças, fez lembrar a crise de 77 sim, contudo, a diferença está nos papéis que cada um assumiu. Desta vez, o presidente está errado e o ex-comandante do Exército Edson Pujol está certo. Não se pode tolerar tamanha tentativa de instrumentalização política das Forças Armadas. Os quarteis não são lugares para a política, mas sim de preservação da soberania do país, das nossas fronteiras, do nosso espaço aéreo, da nossa costa marítima, dentre tantas atribuições. Mas nenhuma delas é servir cegamente a nenhum presidente da República ou de outro poder à margem da Constituição do Brasil. O gesto dos três comandantes merece o aplauso da sociedade brasileira, num momento em que a população já acreditava que as Forças Armadas e esse governo significavam a mesma coisa.

Diferentemente de outros países que passaram por ditaduras militares, no Brasil, mesmo com a anistia ampla, geral e irrestrita, as feridas não foram cicatrizadas e a verdade reestabelecida. A ditadura no Brasil matou, torturou, perseguiu adversários e a imprensa, serviu aos interesses do imperialismo norte-americano, praticou corrupção livremente. Diferentemente do que está na Ordem do dia sobre o golpe de 64 assinada pelo ministro da Defesa Braga Netto, o país não tem nada a comemorar, ao contrário, precisa aprender com sua história para nunca mais flertar com o autoritarismo, com a censura e com a completa falta de liberdades individuais. Contudo, reviver esses fantasmas do passado nesse momento, interessa apenas a Bolsonaro e a uma minoria de fundamentalistas civis e militares que propagam o totalitarismo.

O que realmente interessa nesse momento é o direito à vida, à vacina para todos, à comida na mesa de cada brasileiro. O que interessa a todos nós nesse momento é que Brasil volte, o mais rápido possível, a ser um país democrático, tolerante, plural e próspero.

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Wadson Ribeiro* é presidente do PCdoB -MG, foi presidente da UNE, da UJS, deputado federal e secretário de Estado de Minas Gerais.

 

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