A Volkswagen anunciou na última segunda-feira (31) a suspensão da produção nas fábricas de São José dos Pinhais (PR) e Taubaté (SP) por falta de chips semicondutores, a partir de 7 de junho e irá durar 10 dias.

Segundo a multinacional alemã, o fornecimento do material continuará a ser limitado ao longo das próximas semanas. Neste ano, a norte-americana General Motors e a japonesa Nissan também anunciaram medidas semelhantes pela falta de insumos.

Diante de uma escassez global de semicondutores, que segundo especialistas do setor pode durar até 2023, o Brasil – dependente da importação deste componente – vê seu Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) em processo de privatização pelo governo Bolsonaro. A estatal Ceitec reúne a capacidade de desenvolvimento e produção no segmento de semicondutores.

Os chips semicondutores são usados desde eletrodomésticos até automóveis. Entre os que estão mais em falta no mercado estão os chips de tecnologia simples, que podem ser usados em uma gama maior de produtos, como automóveis. Os semicondutores são o quarto produto mais comercializado no mundo, na frente deles estão os automóveis, o petróleo refinado e o petróleo bruto.

A indústria mundial dos semicondutores também está mudando seus modelos para chips mais elaborados, que possam conversar com os novos aparatos de tecnologia 5G. Um telefone 5G, por exemplo, pode levar até oito chips de gerenciamento de energia.

Entre os motivos para a escassez global de chips semicondutores está a investida do governo dos EUA para tentar impedir a supremacia tecnológica chinesa neste setor. O bloqueio econômico e o fornecimento de insumos para indústria chinesa levou o país asiático a aumentar seus estoques. Além disso, outros países estão enfrentando problemas em sua produção. O maior volume de produção de chips vem da Ásia, principalmente de Taiwan, que luta contra uma forte seca que lhe atingiu e, diante disto, poderá reduzir sua produção já que o processo de fabricação dos semicondutores demanda por grandes quantidades de água. A produção de semicondutores japonesa também passa por problemas após um incêndio que atingiu um de seus maiores fabricantes de chips, Renesas, em março deste ano.

Desnacionalização

Como o processo de desindustrialização da indústria brasileira, que se aprofundou nos últimos anos, o Brasil hoje é praticamente dependente da produção de outros países. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), cerca de 90% dos semicondutores usados em nosso país são importados.

“O Brasil representa cerca de 2,5% do mercado mundial de US$ 470 bilhões. A grande parte desses produtos são importados, já que a Abisemi atende a 10% do mercado brasileiro. Portanto, 90% do mercado brasileiro é importado. A dependência é muito grande. Dessa forma, as empresas sofrem ainda mais para garantir o material ou os preços”, disse o presidente da Abisemi, Rogério Nunes, para a CNN. Ele destacou que a falta de chips impacta a competitividade do Brasil também. “Há uma falta desses produtos porque é uma indústria que demanda um longo tempo de produção, próximo a quatro meses. Então, a capacidade de reação frente a uma demanda repentina acaba gerando uma dificuldade de aquisição”, declarou.

Extinção da Ceitec: retrocesso tecnológico 

No final do ano passado, Bolsonaro deu início à privatização da estatal de semicondutores Ceitec, localizada na capital gaúcha, Porto Alegre. Vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), a Ceitec foi criada, em 2008, com objetivo estratégico de garantir o domínio tecnológico completo da fabricação de semicondutores no país.

Os chips produzidos pela estatal podem ser usados na identificação de pessoas, veículos, animais, medicamentos e documentos. Além disso, ela é a única empresa da América Latina a produzir sensores e circuitos integrados em silício.

O decreto assinado em dezembro por Jair Bolsonaro autorizou a liquidação do Ceitec e a absorção por organizações sociais (OS) “das atividades direcionadas à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no setor de microeletrônica, executadas pelo Ceitec”, diz o decreto Nº 10.578 de 15/12/ 2020.

Para o presidente da Associação dos Colaboradores do Ceitec, Silvio Luis Santos, o governo está levando os brasileiros para “um legítimo retrocesso tecnológico”.

“O Brasil agora se distancia, ainda mais, dos países desenvolvidos. Se seguir este caminho, restará apenas a exportação de matéria prima, grãos e gado vivo”, afirmou Luís Santos ao site “Reconta Aí”, explicando que o “Brasil perde a capacidade humana por ter uma evasão de cérebros, perde em infraestrutura por ser a única sala limpa com capacidade industrial operacional no País e por ter um sistema integrado funcional. É um modelo de poucas indústrias que têm competências de projeto ao chip testado e encapsulado. Isto acontece devido à imaturidade da indústria nacional no setor de semicondutores”.

“A justificativa do Governo Federal foi o custo que a indústria de semicondutores gera aos cofres públicos. Infelizmente, se o Governo Federal quisesse o bem-estar e desenvolvimento econômico e social do Brasil, olharia para o Ceitec como uma ferramenta transformadora da sociedade. Bem como investiria massivamente em políticas públicas, poder de compra e dinheiro como recentemente os governantes dos EUA, Comunidade Europeia e os Tigres Asiáticos fizeram: aportando bilhões de dólares e euros para modernizar a indústria e se manterem competitivos frente à crescente demanda e guerra tecnológica do 5 e 6G”, lembrou o presidente da Associação dos Colaboradores do Ceitec.