O ex-presidente Donald Trump faz sua entrada em um evento de campanha em Indianola, Iowa, no domingo.

Na primeira disputa pela nomeação republicana para a Casa Branca em Iowa, Donald Trump emergiu como vencedor indiscutível, deixando para trás seus concorrentes e fortalecendo sua perspectiva de um confronto com Joe Biden nas eleições de novembro.

Com mais de 95% dos votos contados, Trump obteve uma impressionante margem de 51% de apoio, superando qualquer percentual anterior alcançado em disputas do partido, incluindo o recorde anterior de 41% de George W. Bush em 2000. A vantagem sobre o segundo colocado, Ron DeSantis, foi de quase 30 pontos percentuais, um número sem precedentes.

O historiador James Green, da Universidade Brown (Providence), compartilhou suas análises em entrevista sobre o estágio atual da candidatura de Donald Trump e os desafios que ele e outros candidatos republicanos enfrentam. A análise dele destaca a dinâmica política atual nos Estados Unidos, delineando a consolidação de Trump no Partido Republicano e apontando desafios para outros candidatos na busca pela nomeação e nas eleições presidenciais vindouras.

O resultado frustrou as expectativas de analistas que consideravam possíveis surpresas, como uma votação menor para Trump, uma vantagem mais estreita para o segundo colocado, ou a ex-embaixadora na ONU, Nikki Haley, liderando a corrida. DeSantis conquistou o segundo lugar com 21,2% dos votos, enquanto Haley ficou com 19,1%. A vitória de Trump restringe ainda mais a possibilidade de um nome alternativo alcançar a nomeação republicana.

Green afirma que Trump já consolidou sua posição como o candidato do Partido Republicano para as eleições. Ele destaca que as candidaturas de Ron DeSantis e Nikki Haley carecem de sentido, pois não diferenciam claramente suas propostas do legado de Trump. O brasilianista argumenta que essas candidaturas visam mais a ganhar visibilidade nacional do que a desafiar efetivamente Trump.

“Essas primárias com pessoas questionando a hegemonia dele, como DeSantis e Nikki Haley, são candidaturas sem muito sentido, porque nenhum dos dois critica Trump para diferenciar-se dele, porque eles têm muito medo de perder a base. E nenhum dos dois está interessado em enfrentar Trump, porque eles querem ser candidatos daqui a quatro anos”, explica ele. Em sua opinião, os eleitores não votam com convicção nessas alternativas porque são apenas clones de Trump.

Quando questionado sobre como distinguir Trump de DeSantis e Nikki Haley, Green aponta que esses dois candidatos evitam críticas diretas a Trump, temendo perder a base de apoio. Ele sugere que suas candidaturas, focadas em ganhar visibilidade, não terão impacto duradouro na política nacional.

“No caso de Nick Haley, ela podia diferenciar-se dele, mas ela não faz isso, não critica ele claramente, somente diz que é necessário uma nova geração. Então, esquece eles, ignora eles, daqui a um mês não vão existir mais na política nacional”, diz Green, enfático.

O confronto é com Joe Biden

Ao abordar as chances de Trump em face de controvérsias passadas, Green enfatiza que o ex-presidente já possui uma influência significativa no partido, com a maioria dos republicanos apoiando-o mesmo diante de acusações e decisões jurídicas de todos os tipos. “Ele já consolidou seu lugar no partido, tem uma influência total; a maioria das pessoas do partido acredita que ele foi eleito em 2020, portanto, não reconhece os resultados eleitorais; ou seja, compraram a mentira. Além disso, a maioria dos eleitores dele, republicanos, disse que mesmo se fosse condenado por crimes cometidos, vão apoiá-lo e votar nele”, completa.

Green ressalta que a questão central é enfrentar Biden nas eleições. Sobre a perspectiva de uma confirmação de Trump para a disputa com os democratas, Green destaca que Biden enfrenta desafios, incluindo críticas à sua idade, questões econômicas e perda de apoio em setores diversos. Todos estes temas são artificiais, causados mais pela polarização do que por fatos concretos.

“Biden está enfraquecido por vários fatores. Já há uma campanha contra ele pela idade, embora a diferença entre ele e Trump é de dois anos e meio”, cita. Embora se espalhe que Biden não resolveu os problemas econômicos, a economia americana avança, com alguma inflação e o desemprego de 3,6%. “Nunca houve tanto emprego nos Estados Unidos”, afirma Green. Por outro lado, Biden tem perdido um certo apoio entre os setores da juventude, setores negros e árabes questão do seu apoio a Israel na guerra. “Isso vai debilitando-o”, acrescenta.

No entanto, Green acredita que, à medida que a campanha avançar, a partir de junho, setores do Partido Republicano e independentes podem se distanciar de Trump, especialmente se ele for condenado em um processo em Washington.

Candidatos de terceira via com algum prestígio, como Robert Kennedy Jr, podem prejudicar uma das campanhas conforme o andar da carruagem. Jill Stein, do Partido Verde, tem uma pequena votação que ajuda nos chamados “swing states”, onde a votação é mais acirrada. Há ainda um candidato intelectual negro, Cornell West, que deve ter dificuldades para legalizar sua candidatura.

Quanto ao perfil das propostas de Trump para um eventual segundo governo, Green não entrou em detalhes específicos durante a entrevista. “Se Trump for reeleito, é como se fosse reeleito Bolsonaro. Vai ser horrível, ele vai fazer alianças com a direita ou ultradireita brasileira. Enfim, isso vai ser muito ruim para o Brasil, para a América Latina, para o mundo, se ele for reeleito presidente”, concluiu.

Num surpreendente discurso conciliatório, o Trump gerador de controvérsias e polarizações, elogiou os adversários e falou em “união”, reiterando as prioridades de seu novo mandato. Entre elas, mencionou a perfuração de petróleo, o reforço da segurança na fronteira, a luta contra o crime, a recuperação econômica e o enfrentamento da dívida pública.

O ex-presidente também abordou questões internacionais, declarando que, se estivesse no cargo, a Rússia não teria atacado a Ucrânia, e Israel não teria sido alvo do Hamas. Ele enfatizou sua boa relação com o presidente russo, Vladimir Putin, considerando-a positiva para o país. Para não perder o costume, o ex-presidente também criticou a possibilidade de votação por correio, uma das questões que geraram controvérsias em 2020, prometendo acabar com esse modelo.

Vitória inédita

A vitória em Iowa representa a primeira conquista de Trump em uma corrida disputada no estado. Em 2016, ele perdeu para Ted Cruz, e em 2020, como incumbente, sua nomeação estava praticamente assegurada. Mesmo perdendo em 2016, Trump afirmou falsamente ter vencido duas vezes em Iowa.

A vitória nesta noite reafirma o apoio de Trump entre o eleitorado conservador e evangélico, que, oito anos atrás, desconfiava dele. Iowa tem um peso relativamente pequeno nas primárias republicanas, com apenas 40 dos mais de 2.000 delegados que definirão o candidato do partido na Convenção Nacional. No entanto, o estado possui um peso simbólico significativo para impulsionar ou derrubar candidaturas.

Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul, que aparecia em segundo lugar em pesquisas, manteve o terceiro lugar, uma oportunidade perdida para impulsionar sua candidatura em New Hampshire, onde está mais próxima de Trump nas intenções de voto. Com o resultado em Iowa, Trump sai na frente com 20 delegados, seguido por DeSantis com 8 e Haley com 7. Vivek Ramaswamy obteve 2, mas retirou-se da corrida.

(por Cezar Xavier)