Violência do narcotráfico revela instabilidade política no Equador
Ministério do Interior do Equador
Nos últimos dois dias, o Equador tem sido palco de uma série de eventos violentos, incluindo sequestros de policiais, fugas de traficantes de alta periculosidade e tumultos em presídios. O presidente equatoriano, Daniel Noboa, enfrenta sua primeira crise desde que assumiu o cargo em novembro, com a escalada de violência relacionada ao tráfico de drogas, incluindo a invasão de um canal de TV com transmissão ao vivo.
Com isso, para além do decreto de estado de emergência, Noboa decidiu adicionar nesta terça-feira (9) a existência de um “conflito armado interno” no país, também conhecido como “guerra civil”. Com este contexto adicional, as Forças Armadas são acionadas para retomar o controle das ruas.
A situação atingiu um ponto crítico com a fuga de Adolfo Macías, conhecido como “Fito”, líder da gangue criminosa Los Choneros, uma das organizações mais perigosas do país. Há muita infiltração de criminosos na polícia, que contribuíram para a fuga. A fuga de Fito desencadeou uma série de eventos, incluindo a fuga de outro líder do tráfico, Fabricio Colón Pico, ligado a Los Lobos e preso por sua suposta participação em um plano para assassinar a procuradora-geral.
Em entrevista, a cientista política e secretária de Relações Internacionais do PCdoB, Ana Prestes, analisa a gravidade da violência no Equador, como ela influenciou as recentes eleições, além de discutir a resposta do novo presidente, Daniel Noboa, à escalada de violência.
Ela lembra que o Equador tem enfrentado uma escalada significativa de violência nos últimos anos, tornando-se um fator preponderante nas últimas eleições. A convocação de eleições extemporâneas, devido ao fim do mandato do presidente anterior, gerou instabilidade política e social. Com o presidente Guilherme Lasso usando o dispositivo constitucional de “morte súbita”, provocou a perda de mandato de congressistas e, consequentemente, do próprio presidente. Assim, ocorreram as eleições de meio de mandato, resultando na vitória de Daniel Noboa, filho de um dos homens mais ricos do país, que já havia disputado várias vezes sem sucesso.
Contudo, a violência permeou o processo eleitoral, com destaque para o assassinato de um dos candidatos, Fernando Villavicencio. Ana destaca a instabilidade que marcou a corrida presidencial, inicialmente liderada nas pesquisas pela candidata do correísmo, Luísa González, ligada ao ex-presidente Rafael Corrêa. Apesar disso, Noboa emergiu como o vencedor, consolidando sua posição em meio a um ambiente tenso.
Nas últimas semanas, a violência atingiu um novo patamar, levando o presidente Noboa a decretar estado de exceção. Em resposta, ocorreram invasões na Universidade de Guayaquil, que suspendeu suas aulas presenciais por tempo indeterminado, e em um canal de TV, com reféns sendo feitos em protesto contra as medidas do governo. Criminosos tomaram o canal TC de Guayaquil, rendendo jornalistas com transmissão ao vivo. Horas depois, a polícia afirmou ter retomado o controle do canal e ter prendido os invasores. Ana explica que as medidas do governo visam conter o narcotráfico e a violência associada a ele.
Segundo a polícia equatoriana, várias notícias falsas sobre supostos ataques estão sendo divulgadas, como a de que teria ocorrido um tiroteio ao lado do Palácio do Governo ou a de que pessoas em uma estação do metrô em Quito teriam sido sequestradas.
Estado de Exceção
Como resposta à escalada da violência, o jovem presidente de 36 anos decretou estado de exceção em todo o país, incluindo o sistema penitenciário, com um toque de recolher das 23h às 5h, horário local, por 60 dias. A medida também autoriza as Forças Armadas a apoiarem a polícia no patrulhamento das ruas.
Com o decreto, as forças de segurança equatorianas estão autorizadas a realizar buscas em residências em todo o território nacional e em automóveis a um raio de 1 km de presídios. Dentro dos centros de detenção, estão suspensos os direitos de inviolabilidade de correspondências e de reunião. Ao evocar a situação de conflito armado interno, o governo equatoriano fica atrelado a normas do direito internacional que tratam especificamente desse tipo de conflito, como o Protocolo Adicional II de 1977 às Convenções de Genebra de 1949 e o artigo 3º das Convenções de Genebra, que proíbe a tortura, os maus tratos, e tratamentos desumanos e degradantes contra pessoas capturadas.
Em um vídeo não verificado divulgado nas redes sociais, agentes policiais foram mostrados sendo coagidos a ler uma mensagem de ameaça ao presidente, declarando guerra contra policiais, civis e militares. “Declarou a guerra e guerra terá (…) Declarou estado de exceção; nós declaramos guerra a policiais, civis e militares. Qualquer pessoa que estiver nas ruas a partir das onze da noite será executada”.
Em Quito, um veículo explodiu e um dispositivo foi detonado perto de uma ponte de pedestres. Seu prefeito, Pabel Muñoz, pediu ao Executivo a “militarização” de instalações estratégicas ante a “crise de segurança sem precedentes”.
Um “combatente” que esteja portando arma de fogo, que pertença a um dos grupos armados que estão contidos no decreto, é considerado um alvo legítimo. Segundo as normas internacionais, civis devem ser poupados do conflito, mas os direitos de uma forma mais ampla são afetados, como liberdade de expressão, liberdade de associação, liberdade de manifestação, porque deve ocorrer decretação de toque de recolher e lei marcial.
Quando questionada sobre a justificativa para o estado de exceção, Ana Prestes acredita que é necessário diante da gravidade da situação, para que o governo equatoriano tome medidas mais duras contra facções rebeldes. “Eu creio que, sim, se justifica que a Presidência do Equador tome medidas mais duras, como tanto, eles instalaram o chamado estado de exceção, que se aproxima do estado de sítio; agora eles instalaram o estado de conflito armado”, diz ela. Até mesmo setores da oposição, incluindo correístas como Luísa González e o próprio ex-presidente Rafael Correa, têm respaldado as medidas, buscando uma unidade nacional contra as facções que desafiam as instituições do país.
No entanto, a principal organização indígena do Equador, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), culpa as políticas neoliberais adotadas no país como a raiz da atual crise de segurança e alerta o governo para eventual recrudescimento de legislações antipopulares. A confederação, fundada em 1986, reúne 53 organizações de base indígena, que somam 18 povos de 15 nacionalidades originárias do Equador.
Em nota, a organização diz que a crise é resultado de um problema estrutural, “originado pela radicalização de políticas neoliberais que têm destruído o Estado e suas instituições, deixando-as sem capacidade de resposta”. “Além disso, exortamos o governo e a Assembleia Nacional a não usar a crise como desculpa para aprovar leis ou políticas antipopulares, que afetem a maioria da população, já que isso só agravará a situação e provocará uma reação popular em defesa dos direitos, em uma conjuntura que não foi provocada pelos povos, mas pelos governos falidos”, finaliza o comunicado oficial.
Quanto à abordagem de Noboa em relação ao narcotráfico, Ana destaca que ele se espelha no exemplo de El Salvador, governado por Nayib Bukele. Noboa anunciou a construção de dois presídios de segurança máxima nas províncias de Pastaza e Santa Elena, seguindo o modelo adotado pelo presidente salvadorenho em sua luta contra gangues. Contudo, ela expressa preocupação com a eficácia dessas medidas extremamente duras e autoritárias, alertando para o risco de concentração de poder nas mãos do presidente, algo observado em El Salvador.
“As medidas tomadas pelo Bukele são extremamente duras e autoritárias e que acabaram sendo misturadas e utilizadas para perseguição da esquerda e de opositores. Hoje, calcula-se que há cerca de 80 mil pessoas presas em El Salvador, em grandes presídios, num novo formato, inclusive, de encarceramento em massa, e que acabou levando El Salvador para uma situação de quase permanente estado de exceção. Não acho que seja por aí”, critica ela, expressando ceticismo quanto à eficácia desse tipo de abordagem.
“Essas medidas acabam resvalando para uma concentração de poder na mão do presidente, no caso do presidente Bukele, e um esfacelamento de outros poderes, como o próprio Congresso, os parlamentares, a sociedade civil de uma forma geral, e, principalmente, os partidos de oposição que ele acaba incluindo nas suas perseguições”, acrescenta.
Governos anteriores do Equador também declararam estado de emergência visando resolver a crise do sistema penitenciário, mas sem sucesso. Em agosto de 2023, o então presidente Guillermo Lasso ordenou a transferência de Macías para o Centro Penitenciário La Roca, medida que foi revertida algumas semanas depois por um juiz. Desde 2021, mais de 400 mortes foram registradas nas prisões do Equador devido a confrontos entre facções rivais.
Cooperação internacional
No âmbito das instituições de integração continental, Ana Prestes enfatiza que uma maior integração sul-americana, com a revitalização da Unasur, seria benéfica. Essa integração proporcionaria troca de informações e uma abordagem mais coordenada para lidar com questões fronteiriças, onde grupos narcotraficantes e milícias armadas operam.
“Com certeza, se houvesse uma maior integração sul-americana com instrumentos mais potentes, com a revitalização da Unasul, isso seria muito proveitoso para todos os países, porque incluiria troca de informações, maior sintonia também nas áreas fronteiriças, que são áreas em que também se concentram esses grupos narcotraficantes, grupos de milícias armadas, paramilitares”, pondera.
No entanto, ela lamenta a interrupção desse processo de integração, destacando como estaríamos melhor preparados para enfrentar crises como a atual no Equador se a integração tivesse continuado a se fortalecer. A cientista política ressalta que a interrupção no aprofundamento da integração sul-americana prejudicou a região, e uma retomada desse processo seria benéfica para lidar com crises como a que o Equador enfrenta atualmente.
“Com certeza, se nós não tivéssemos tido esse interregno, essa interrupção no processo de aprofundamento da integração sul-americana em suas instituições, hoje estaríamos numa situação melhor para lidar com crises como a crise que o Equador está vivendo”, lamenta.
A crise no Equador representa um desafio significativo para o presidente Daniel Noboa, que busca conter a violência associada ao tráfico de drogas e restaurar a ordem no país, que recentemente testemunhou recordes alarmantes de homicídios e apreensões de drogas. O ano de 2023 terminou com mais de 7,8 mil homicídios e 220 toneladas de drogas apreendidas, novos recordes no país de 17 milhões de habitantes. Desde 2021, os confrontos entre presos deixaram mais de 460 mortos. Além disso, os homicídios nas ruas entre 2018 e 2023 cresceram quase 800%, passando de 6 para 46 por 100 mil habitantes.
(por Cezar Xavier)