Foto: Ricardo Stuckert

A quase cem dias das eleições presidenciais de 2022, a chapa Lula-Geraldo Alckmin já tem uma plataforma eleitoral para chamar de sua. Com 121 pontos, as Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil foram lançadas nesta terça-feira (22), em São Paulo.

O texto-base, elaborado pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, contou com contribuições dos demais partidos que integram o movimento Vamos Juntos pelo Brasil (PCdoB, PSB, PSOL, PV, Rede e Solidariedade). Uma plataforma na internet (https://www.programajuntospelobrasil.com.br) vai receber novas propostas, que podem ser incorporadas ao programa definitivo da chapa.

“Estamos em um processo de reconstrução do País. Qualquer construção começa com um bom alicerce”, afirmou o ex-presidente e pré-candidato ao Planalto Luiz Inácio Lula da Silva, no lançamento das Diretrizes. “Esse plano que apresentamos hoje (ontem) é um alicerce, mas nosso programa vamos construir ouvindo as pessoas.”

O texto não cita o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), mas esta é uma referência. Quando fala em “reconstrução”, o documento parte não apenas do Brasil sob a gestão bolsonarista – mas também do governo Michel Temer. São mais de seis anos de ultraliberalismo, crise econômica e retrocessos sociais – tudo agravado pela pandemia de Covid-19 e o governo de destruição de Bolsonaro.

“Mais do que nunca, o Brasil precisa resgatar a esperança na reconstrução e na transformação de um país devastado por um processo de destruição que nos trouxe de volta a fome, o desemprego, a inflação, o endividamento e o desalento das famílias”, diz o documento. A era Bolsonaro, em especial, “coloca em xeque a democracia e a soberania nacional, destrói o investimento público e das empresas, e dilapida o patrimônio natural, aprofundando as desigualdades e condenando o país ao atraso e ao isolamento internacional”.

Assim, o documento é dividido em três eixos programáticos: “Desenvolvimento social e garantia de direitos”, “Desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental e climática” e “Defesa da democracia e reconstrução do Estado e da soberania”. Do ponto de vista das propostas, há cinco pontos em destaque. Confira:

 

1) Combate à pobreza e à fome

“Pai” dos programas Fome Zero e Bolsa Família, Lula promete novas políticas públicas de distribuição de renda e promoção à alimentação adequada e saudável. “É estratégica a retomada da centralidade e da urgência no enfrentamento da fome e da pobreza, assim como a garantia dos direitos à segurança alimentar e nutricional e à assistência social”, indica o texto, que estipula a meta de “três refeições de qualidade por dia” para os brasileiros. Embora haja destaque para Educação e Saúde, a área social em evidência, nesse ponto, é a Assistência. O programa fala em “reconstrução e fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas)”. A volta do Bolsa Família, “renovado e ampliado”, é outra proposta. Há acenos, ainda, à luta emancipatória, associada à questão social. “Devemos enfrentar a realidade que faz a pobreza ter o ‘rosto das mulheres’, principalmente ‘das negras’, lhes assegurando a autonomia.”

 

2) Crescimento com investimento

Há oito anos, a economia brasileira se alterna entre a recessão e a estagnação. As taxas de investimento despencaram, as obras públicas pararam, e o desemprego está desde 2015 acima de 10%. Para sair desse fundo de poço, o programa pressupõe um “Estado forte”, que estimule a “retomada do investimento, público e privado”, alavancando o crescimento econômico e a geração de empregos. “Vamos adotar uma estratégia nacional de desenvolvimento justo, solidário, sustentável, soberano e criativo, buscando superar o modelo neoliberal que levou o País ao atraso”, diz o programa. A indústria nacional está no centro do projeto: “Vamos reverter o processo de desindustrialização e promover a reindustrialização de amplos e novos setores”. Contrariando a “banca”, o documento deixa claro que o governo Lula-Alckmin quer revogar o nefasto teto de gastos para áreas sociais. Outro retrocesso “marcado para morrer” é o “atual regime fiscal brasileiro”. O documento se compromete com “uma reforma tributária solidária, justa e sustentável, que simplifique tributos e em que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais”.

 

3) Combate à inflação

A alta generalizada de preços virou um dos maiores entraves para Bolsonaro. Nos últimos 12 meses, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, considerado a “inflação oficial” do Brasil) acumula alta de 11,73%. O movimento Vamos Juntos pelo Brasil deu a precisa dimensão ao problema: “É tarefa prioritária coordenar a política econômica para combater a inflação e enfrentar a carestia, em particular a dos alimentos e a dos combustíveis e eletricidade”. Sim, o Estado vai intervir. Haverá mudanças na política de preços da Petrobras (para “abrasileirar o preço dos combustíveis”), investimentos em refino e distribuição, além de “políticas setoriais indutoras do aumento da produção de bens críticos”. Para debelar a carestia, a chapa propõe “uma política nacional de abastecimento, que inclui a retomada dos estoques reguladores e a ampliação das políticas de financiamento e de apoio à produção de alimentos, aos pequenos agricultores e à agricultura orgânica”.

 

4) Nova política ambiental

A ofensiva predatória do governo Bolsonaro – que, ao lado do negacionismo, transformou o Brasil em “pária internacional” – elevou a importância da pauta do meio ambiente e da sustentabilidade nestas eleições. O programa de Lula-Alckmin evoca “missões socioambientais” para o futuro governo. Como síntese, o documento elenca “defesa da Amazônia, combate ao desmatamento, respeito às leis ambientais e proteção dos povos indígenas, aliado ao enfrentamento das mudanças climáticas”. O projeto da chapa se dispõe a “harmonizar a proteção dos ecossistemas em risco” com a “promoção do desenvolvimento sustentável”. A ordem é enfrentar e superar “o modelo predatório de exploração e produção, atualmente, agravado pela completa omissão do governo”. Por fim, em tempos de comoção internacional pela execução do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, as Diretrizes mandam um recado: “Combateremos o crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica que aja ao arrepio da lei. Nosso compromisso é com o combate implacável ao desmatamento ilegal e promoção do desmatamento líquido zero, ou seja, com recomposição de áreas degradadas e reflorestamento dos biomas”.

 

5) Fortalecimento do Brasil como Nação

Reverter a decadência do Brasil como Nação, após a ofensiva ultraliberal e entreguista dos governos Temer e Bolsonaro, é um dos pilares do programa de Lula e Alckmin. Não faltam propostas nesse sentido. Mais do que mencionar o compromisso com a soberania alimentar e energética do País, o texto acena ao nacional-desenvolvimentismo: “Será necessário proteger o patrimônio do País e recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais”. A chapa se opõe às diversas privatizações no radar do governo Bolsonaro (Petrobras, Eletrobras, Correios e bancos públicos). Valoriza o “caráter estratégico e central” da Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) para o Brasil “se transformar em um país efetivamente desenvolvido e soberano”. Garante a retomada da “política externa ativa e altiva” para “defender nossa soberania”, com a integração regional e o fortalecimento do Mercosul, da Unasul, da Celac e dos Brics. E renova a aposta no Estado Democrático de Direito como condição imprescindível para a estabilidade nacional. “É necessário superar o autoritarismo e as ameaças antidemocráticas”, com “normalidade e respeito institucional”, além da “observância integral à Constituição Federal”. Assim, conclui o documento, “no ano em que o Brasil celebra 200 anos de luta pela independência nacional, golpes e ditaduras nunca mais, democracia sempre”.