Muitos são os vídeos e mensagens que recebo, todos retratando a triste realidade de Manaus diante do avanço do coronavírus. Em todo Brasil nossa gente vive um momento difícil, mas em Manaus, particularmente, a situação é dramática, desesperadora. Não por acaso a cidade tem sido manchete de jornais no País e mundo afora.

Por Vanessa Grazziotin*

Os vídeos não são somente dos hospitais com macas nos corredores, onde se misturam doentes e mortos; dos cemitérios com valas coletivas ou das filas de carros funerários e de contêineres para receber corpos sem vida.

São vídeos e mensagens de mães, pais, filhos, netos e de amigos que, desesperados, pedem ajuda, clamam pelo elementar: atendimento médico adequado aos seus entes queridos para que eles tenham a oportunidade de lutar pela vida. Hoje, infelizmente, as pessoas estão morrendo em casa ou em UPAs por não terem acesso a internação hospitalar, UTI e a respiradores mecânicos.

São vídeos que chegam de todos os grupos, de todos os cantos, do Amazonas e de todo país, mas as cenas, todas elas, são de Manaus. Alguns chegam quase que em tempo real. E não é alarmismo o que dizem sobre Manaus. A taxa de mortalidade do coronavírus subiu de 1,5 para 8,5% do início do mês até o presente.

É uma situação tão dolorida que me paralisa, que me dilacera, que me faz sofrer. Não tenho tido coragem de replicá-los, pois esse simples ato parece aumentar ainda mais uma dor que já é insuportável.

Uma dor por vidas que se vão, mas também por vidas partidas que ficam, apesar de saber que a dor não é algo que se possa apagar, como se apagam imagens ou mensagens. No máximo podemos esconder nossa dor do mundo, mas jamais de nós mesmos. E a dor maior ainda é porque essas cenas bárbaras ocorrem na minha cidade.

A dor é, também, por constatar que não se fez o que deveria e poderia ser feito. Nem o mínimo se fez. O que se fez no meu estado foi menos ainda do pouco que se fez no Brasil.

Minha dor é a dor de uma filha de Manaus, mas também uma dor de quem representou, no parlamento, essa gente querida do Amazonas por 30 anos.

Em Manaus, fui vereadora por 10 anos. A Câmara, para mim, não era só o espaço dos debates e de votação de leis, era a própria cidade, por onde andava todos os dias.

Em Brasília, no Congresso Nacional, como Deputada e Senadora por 20 anos, tinha muito claro o tamanho da minha responsabilidade. Lá trabalhava pela democracia, por mulheres e homens, trabalhadores, jovens, idosos, trabalhava pelo Brasil que, para mim, começava por Manaus, pelo gigante Amazonas, a terra que me acolheu como nenhuma outra certamente acolheria, porque só no Amazonas as pessoas tem um coração do tamanho da gigante floresta.

Ali lutei muito por mudanças, por esperança. Naturalmente, nem sempre fui compreendida, até mesmo porque, hoje, as fake News, disseminadas por quem tem poder e dinheiro, acabam mascarado, invertendo a verdade e a realidade.

Lá, em Brasília, lutei por uma saúde pública de qualidade, para que os princípios do SUS – equidade, integralidade e universalidade – fossem uma realidade no Brasil e no Amazonas. Lutei para que tivéssemos cadeias de produção de fármacos na Amazônia, de onde saem tantos princípios ativos patenteados pelas indústrias mundo a fora. Lutei para que tivéssemos um hospital Sarah; pelos hospitais e pelas unidades básicas de saúde de Manaus e do interior. Lutei e votei, com o coração orgulhoso, a favor do “Mais Médicos” – cuja justeza se evidencia diante dessa tragédia – que ampliou a formação e levou pela primeira vez esses profissionais às periferias, ao interior, aos indígenas e aos ribeirinhos. Lutei para que nosso interior tivesse uma faculdade de Medicina – e esse sonho eu vivi.

Sempre apoiei, com emendas, a Universidade Federal a manter o internato no interior com os formandos médicos, o que me leva ao saudoso Levino, médico, sanitarista e professor da UFAM, um companheiro que se foi muito jovem mas que nos ensinou muito sobre as necessidades da saúde, principalmente no interior da Amazônia.

Nosso mandato foi uma trincheira em defesa dessas e outras bandeiras, como a defesa da democracia e da liberdade de expressão, combate rigoroso à corrupção e a agiotagem financeira, estado forte e indutor da economia, ampla rede de proteção social, habitação popular, educação, saúde, geração de emprego, defesa dos trabalhadores, dos índios, meio ambiente e da Zona Franca de Manaus – como instrumento de superação das assimetrias regionais – dentre tantas outras.

Para além dos avanços – que foram muitos – também, como é natural, ocorreram erros e limitações.

Bandeiras caras ao povo e com as quais à esquerda sempre teve rigoroso compromisso foram manipuladas pela direita com um único objetivo: tomar o governo de assalto, cujo início se deu com o golpe de 2016 e se completou em 2018, com a vitória da extrema direita.

Quando me levantei, portanto, contra o golpe de 2016 não era apenas para defender a democracia e o legítimo direito de quem fora eleito. Eu me levantava em defesa dessas conquistas listadas, cuja importância está mais do que nunca evidenciada diante dessa tragédia, cujo alcance seria ainda mais dramático se não existisse o SUS, por exemplo, e se o Congresso não tivesse aprovado uma série de medidas para mitigar a tragédia anunciada.

Mas, em 2016 e 2018, nós perdemos essa batalha. Vi, com tristeza, desmoronar tudo aquilo por que sempre lutei. Vi, também, e principalmente, vivi, com muita dor, tentarem destruir reputações, distorcer biografias de gente digna e ética.

Perdemos essa grande batalha, mas a guerra continuou. E desde Temer até Bolsonaro eles já retiraram, e tentam retirar ainda mais importantes conquistas populares. Vieram as privatizações, o desmonte do Minha Casa Minha, do Mais Médicos. Aprovaram a Reforma Trabalhista, prometendo empregos que nunca vieram; a Reforma Previdenciária, que não acabou com privilégios e só retirou direitos dos pobres; e a EC 95, que só da saúde tirou mais de R$ 22 bilhões em 2 anos.

E, em 2018, elegeram-se, majoritariamente, exatamente os candidatos que defenderam essas propostas anti-povo, embalados na onda bolsonarista de negação da política e até do estado forte.

E agora, ah?!

Agora estamos aqui, enfrentando uma pandemia nunca imaginada, vivendo uma crise sanitária e econômica de raros precedentes. E é exatamente agora, em meio a essa pandemia, entre tantas tristezas e desesperos, que a importância das políticas públicas, da saúde pública e de um Estado forte, que sirva às pessoas e não ao capital, ficam mais claras.

A pandemia constata a inequívoca necessidade que as pessoas têm do Estado e dos serviços públicos. E esse Estado, que ampara as pessoas, é o oposto do estado neoliberal defendido por Bolsonaro/Guedes, e que já havia fracassado com Collor, FHC e Temer. Torço e trabalho para que as pessoas vejam e entendam as mazelas que o neoliberalismo traz para nosso país e para nossa gente. E que possamos retomar o caminho do desenvolvimento, da distribuição de renda e do combate às desigualdades regionais.

Voltemos agora à Manaus e ao Amazonas.

No Amazonas, que, além de sofrer com as políticas federais equivocadas, há o agravante das crises políticas sistemáticas – em 18 meses convivemos com três governadores; do desmonte da área de saúde, através de um longo e disfarçado processo de privatização, das graves denúncias de corrupção e das gestões incompetentes e desastrosas.

E o governador do Amazonas? Hã, este também foi eleito na onda bolsonarista. Como apresentador de TV e Rádio – programas tipo “mundo cão” – combatia os políticos e vendia a ilusão de que bastaria a eleição de alguém da anti-política para que tudo se resolvesse.

Foi reprovado no 1º teste.

Mas, sigamos em frente, resistindo e lutando. Manaus resistirá… e VENCERÁ!

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