Vanessa Grazziotin: Leilão do pré-sal é traição ao Brasil
O governo Temer realizará nesta sexta-feira (27) o leilão do Pré-Sal com bilhões de barris oferecidos às multinacionais petrolíferas a preço vil. Articulado a isso, lançou a medida provisória 795, que isenta do pagamento de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro a exploração de petróleo pelas empresas estrangeiras.
Por Vanessa Grazziotin*
Serão vendidos oito blocos localizados nas bacias de Campos e Santos.
Trata-se de uma traição ao Brasil, uma traição aos milhões de brasileiros que dedicaram suas vidas à pesquisa e ao desenvolvimento da tecnologia brasileira de extração de óleo em águas profundas, uma traição a todos que lutam pela nossa real independência.
A imensa quantidade de petróleo descoberto no pré-sal, a maior descoberta de petróleo e gás deste século, que desperta a cobiça de todas as multinacionais petroleiras, só foi possível em virtude do desenvolvimento da capacidade tecnológica e geológica da Petrobras. Para tanto, foram superados enormes obstáculos tecnológicos e financeiros até a Petrobras encontrar petróleo.
O pré-sal é a maior descoberta mundial dos últimos 50 anos da indústria de petróleo e gás natural, estimando-se, de forma conservadora, cerca de 100 bilhões de barris recuperáveis nos campos do pré-sal.
Nós lutamos muito para transformar a Petrobras em operadora única do pré-sal.
Nos igualamos com esta conquista a outras nações que decidiram nacionalizar as suas jazidas, revolucionando o mercado mundial de petróleo, que antes era inteiramente dominado pelas multinacionais dos países desenvolvidos, e que também constituíram grandes operadoras nacionais.
Sem uma grande operadora, não há efetivo acesso às informações cruciais sobre as suas jazidas, como as relacionadas aos custos efetivos de produção, às remunerações devidas, ao verdadeiro potencial das áreas prospectadas.
Ou seja, não se tem domínio estratégico do petróleo sem o domínio dessa informação. Ademais, sem operar é impossível desenvolver tecnologia própria. Também não se tem domínio estratégico do petróleo sem domínio mínimo de tecnologia. Não bastasse, sem operadora local é impossível se estimular cadeias nacionais de produção, gerando renda e emprego para população.
Hoje as maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais. São as chamadas national oil companies (NOCs). Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras.
Numa estimativa bem conservadora, feita em 2008, antes do pré-sal ser bem conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e respondiam por 61% da produção de óleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas.
Essa é a realidade do mercado mundial do petróleo. O governo do golpe colocou o Brasil na contramão dessa realidade.
Ao se retirar da Petrobras a condição de operadora única, se retira também essa garantia fundamental e se investe em sua fragilização e em sua possível privatização.
Mas a questão essencial aqui não é simplesmente proteger a Petrobras. É proteger os interesses do Brasil. A participação da Petrobras no pré-sal deveria ser assegurada e protegida porque isso é crucial para o desenvolvimento brasileiro.
A cadeia de petróleo e gás, comandada pela Petrobras, é a maior cadeia produtiva do país, responsável por cerca de 20% do PIB brasileiro e 15% dos empregos gerados.
Em 2000, a indústria naval e os estaleiros empregavam no Brasil somente 1.910 pessoas. Em 2014, mesmo com a crise, esse setor já empregava mais de 82.000 pessoas.
Sem a Petrobras como grande operadora não se sustentará também o desenvolvimento de tecnologia nacional nessa área estratégica. A tecnologia se desenvolve na operação e para a operação.
Um estudo da Fiesp demonstra que, com investimento de R$ 1 bilhão na exploração e produção de petróleo e gás, a produção interna de bens e serviços do setor, observadas as atuais regras de conteúdo local, gera R$ 551 milhões em contribuição para o PIB e 1.532 empregos. Contudo, se forem retiradas as atuais regras de conteúdo local, o mesmo valor de investimento resultaria em somente R$ 43 milhões para o PIB e 144 empregos. E a arrecadação gerada em tributos cairia dos atuais R$ 521,5 milhões para ridículos R$ 31 milhões. Já o total dos salários pagos desabaria de R$ 293,9 milhões para R$ 27,8 milhões. Os impactos foram medidos para o médio e longo prazos, considerando que a demanda de bens passaria a ser 100% atendida pelas importações.
Só há uma definição para estas ações: são um crime contra o Brasil.
E quem os comete e os apoia é igualmente criminoso.
Outra iniciativa na mesma direção foi a MP 795, que trata da dedução das despesas de exploração de produção de petróleo e gás natural no Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do regime especial de importação com suspensão de tributos federais.
Com isso, o governo procura sinalizar maior atratividade às petroleiras, liberando-as de pagar imposto de renda e CSLL por suas atividades, mesmo que as áreas sejam bastantes atrativas e de baixo risco. A perda poderá ser de R$ 1 trilhão para o país com os benefícios tributários ao longo de todo o período de concessão. Dependendo do preço do petróleo, petroleiras rentáveis poderão ter até prejuízo contábil, gerando crédito tributário.
A MP 795 concede benefícios tributários de R$ 31 bilhões para os próximos três anos. São R$ 16,5 bilhões apenas em 2018, ao mesmo tempo em que o PLOA cortou ou reduziu expressivamente diversos investimentos e programas sociais, retirando os pobres do orçamento.
O Brasil virará o paraíso das petroleiras. Além disso, a MP prevê suspensão de pagamento de tributos federais de bens cuja permanência no país seja definitiva e destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção do setor. O benefício será concedido mesmo que haja similar nacional, assim geraremos empregos em Cingapura, Holanda, China, EUA, Coreia do Sul, etc. Menos no Brasil.
Nós iremos fazer uma luta sem tréguas contra este crime de traição, e não tenho dúvidas que a história não só registrará a postura dos que se alinham ao governo, mas também registrará o momento em que o povo brasileiro irá revogar estes absurdos e destinará à atual base do governo o mesmo lugar reservado aos franceses que colaboraram com os nazistas no governo de Vichy.
*Vanessa Grazziotin é senadora (PCdoB-AM)