A União Europeia reafirmou que a Organização Mundial de Saúde “deve continuar em posição de liderar a resposta internacional às pandemias atuais e futuras”, em comunicado em que conclamou os EUA a “reconsiderarem” o rompimento com a OMS anunciado pelo governo Trump na sexta-feira (29).

“Rompimento de laços” cometido em meio a uma pandemia que já matou mais de 370 mil pessoas no planeta, com quase 6 milhões de casos em 196 países, e na qual os EUA são recordistas mundiais tanto em número de infectados quanto de óbitos.

“A cooperação global e a solidariedade por meio de esforços multilaterais são os únicos meios eficazes e viáveis de vencer esta batalha mundial”, disse a presidente da Comissão Europeia (o órgão executivo da UE), Ursula von der Leyen.

A UE reiterou que “continua apoiando a OMS e já forneceu fundos suplementares”.

“Louca e aterrorizante”: assim se manifestou o editor-chefe da prestigiada revista médica britânica The Lancet, Richard Horton, sobre a decisão de Trump.

Quando há um mês Trump cortou o financiamento para a OMS, o mundo inteiro se uniu contra o desatino, como manifestaram o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, Rússia, China, Alemanha, França e Inglaterra, e mais dezenas de países, em defesa da OMS e da cooperação mundial para deter a pandemia.

Uma conferência de emergência, encabeçada pelos europeus, logo em seguida, captou mais de 7 bilhões de euros para o combate à Covid-19 e a busca de vacinas e tratamentos.

Nesse choque inicial com Trump, as principais lideranças mundiais também ressaltaram o insubstituível papel de assistência da OMS aos países mais pobres e de sistemas de saúde mais frágeis, potenciais vítimas em larga escala da pandemia.

A OMS foi formada em 1948, como parte do esforço pós-guerra ao nazifascismo de construção de estruturas internacionais capazes de coordenar avanços na segurança e nos direitos. Desde então, tem cumprido esse papel, erradicando moléstias como a varíola e a paralisia infantil, instaurando padrões sanitários e de vacinação, no esforço mundial contra tuberculose, hepatite e Aids, e nos anos recentes contra o Ebola.

O rompimento com a OMS foi anunciado por Trump na semana em que os EUA completaram a triste marca de 100 mil mortos de covid-19, o que são mais mortos do que os norte-americanos que tombaram nas guerras da Coreia, do Vietnã e do Iraque somados.

O que ocorre a poucos meses da eleição de novembro e com a questão da resposta absurdamente inepta de seu governo à pandemia indo a julgamento nas urnas.

O que faz Trump precisar desesperadamente de arranjar um bode expiatório, depois de ter chegado a dizer em comícios que era “uma gripe comum” e, mais na frente, até sugerido como cura injetar água sanitária no pulmão dos infectados – além da cloroquina e da pressão para reabrir de qualquer jeito.

Também foi Trump quem, no mês seguinte à decretação pela OMS de emergência mundial de saúde pública por causa do novo coronavírus, mandou proposta de orçamento ao Congresso cortando pesado a verba do controle de epidemias e também da saúde. Além de ter dois anos antes acabado com a equipe de vigilância de pandemias do Conselho de Segurança nacional dos EUA.

Amesh Adalja, cientista da Universidade Johns Hopkins, instituição que mantém um centro de referência sobre a Covid-19, considerou que a decisão do governo Trump “parece [querer] desviar a responsabilidade daquilo que nós vimos os EUA falhar em fazer, e jogar a culpa sobre a OMS”.

Ele acrescentou que de um ponto de vista simbólico ou moral “é o tipo errado de ação a ser tomada em meio a uma pandemia”.

A diretora-executiva da ong Médicos pelos Direitos Humanos, Dona McKay, afirmou que “sair desta instituição crítica no meio de uma pandemia histórica irá machucar gente tanto nos EUA quanto no resto do mundo”.

“A OMS é o sistema mundial de alerta sobre doenças infecciosas”, disse a deputada federal democrata Nita Lowey, que preside o Comitê da Câmara de Meios. “Agora, durante uma pandemia global que custou mais de 100 mil vidas de americanos, não é hora de pôr o país ainda mais em risco”.

Trump, que já retirou os EUA do Tratado do Clima de Paris, do Tratado de Proibição de Armas Nucleares Intermediárias (INF), da Unicef (organização da ONU para a cultura), do Acordo Nuclear com o Irã e do Tratado de Céus Abertos e ameaça não renovar o único tratado de prevenção da guerra nuclear que ainda existe, agora diz que a culpa por ele romper com a OMS é da OMS e da China.

O rompimento de Trump com a OMS – apesar de servir para manter a credulidade de certa parte de seu eleitorado – só faz tornar mais evidente seu isolamento internacional, o fracasso de seu governo em deter um vírus e proteger sua população e a decadência do país mais rico e mais armado do planeta.

A “difamação da OMS” em que Trump insiste foi motivo de recente artigo do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, após defender a centralidade das agências das Nações Unidas como “principal mecanismo de coordenação para a cooperação multilateral”.

“A maioria dos países concordam que a OMS tem estado combatendo na linha de frente desde a irrupção da Covid-19. Sem dúvida, como todas as outras instituições multilaterais, a OMS deve melhorar seu trabalho e se adaptar às situações novas. Mas, para atingir isto, a OMS não deve ser minada”, enfatizou Lavrov.

Ele acrescentou que todos os estados membros da OMS devem “manter um diálogo construtivo uns com os outros de forma a conjuntamente formular soluções para lidar com os novos desafios”.

Como fecho, Lavrov acrescentou que a pandemia “desmascarou o mito há muito mantido no Ocidente sobre o ‘fim da história’, um modelo de desenvolvimento hiperliberal todo-poderoso, baseado nos princípios do individualismo e na firme crença na habilidade de resolver todos os problemas através apenas do mercado”.