Um governo Biden abre brechas importantes para a esquerda brasileira
O brasilianista James Green acredita que uma vitória de Biden será boa para o Brasil, não apenas por isolar Bolsonaro, como também para um debate mais favorável aos movimentos sociais brasileiros.
O especialista em história do Brasil e estudos latino-americanos na Universidade Brown, James Naylor Green, explicou, em entrevista, o que muda nos EUA, no Brasil e no mundo, com a eventual vitória de Joe Biden e derrota de Donald Trump às eleições presidenciais americanas.
Ele pontua os motivos para seu otimismo em relação à derrota de Trump. A polarização desgastou as relações entre o povo americano, assim como a pandemia revelou os aspectos mais nefastos do ideário dos políticos republicanos. Green diz que Trump vem perdendo setores tradicionais de seu eleitorado devido ao modo como conduziu a pandemia.
James N. Green é professor na Universidade Brown na cátedra Carlos Manuel de Céspedes de História Moderna da América Latina. É também professor do Departamento de História e do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da iniciativa Brown-Brasil.
Seus livros são premiados e estão entre as leituras obrigatórias para a compreensão da ditadura militar brasileira e, particularmente, do moderno movimento LGBT em seus primórdios no Brasil. É o caso de Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX (Ed. UNESP); Apesar de Vocês: a oposição e a ditadura militar brasileira nos EUA (Companhia das Letras) e Revolucionário e gay: a vida extraordinária de Herbert Daniel – pioneiro na luta pela democracia, diversidade e inclusão (Ed. Civilização Brasileira)
James começou sua militância em 1967 aos 16 anos, lutando contra a Guerra do Vietnã e chegou em 1976 ao Brasil, com 25 anos, quando muitos jovens desapareciam, se exilavam ou entravam para a luta armada. O que trouxe o jovem gay na flor da idade ao Brasil num momento tão perigoso foi justamente a luta de resistência à ditadura, que culminou na fundação do Grupo Somos de emancipação homossexual, primeira organização brasileira desse tipo, no final dos anos 1970.
Faltando duas semanas para a eleição dos membros do Colégio Eleitoral que definirá o próximo presidente dos Estados Unidos, ele concedeu essa entrevista, de sua residência em Providence. No dia 14 de dezembro, o colégio eleitoral escolhe entre o republicano Donald Trump, que disputa a reeleição contra o vice de Barack Obama, o democrata Joe Biden.
Conheça as expectativas do brasilianista sobre a tumultuada eleição presidencial americana:
Você está otimista, apostando na vitória de Joe Biden. Na sua opinião, porque Trump vai perder a eleição?
São vários motivos. Nunca se sabe. Fiquei chocado com a eleição de Trump em 2016. Ninguém esperava, de tão improvável que Trump parecia de ser eleito presidente. Mas ele foi eleito com uma diferença de poucos votos. 70 mil votos em três estados. Foi uma eleição muito apertada. Hillary Clinton teve 2 milhões e 800 mil votos a mais, mas o sistema eleitoral americano é totalmente antidemocrático. Uma herança do século 18. Infelizmente ele ganhou e os últimos quatro anos têm sido um pesadelo, aqui, como os últimos dois anos no Brasil, com Jair Bolsonaro.
Estou otimista basicamente pelas pesquisas, que podem errar de novo, como erraram em 1916. Mas eu não acho, pois todos os índices mostram isso. Posso pontuar vários fatores para isso. Primeiro, que as pessoas estão literalmente de “saco cheio” de Donald Trump, para usar uma expressão brasileira. A maioria, 52%, não aguenta mais ele. Ele tem sido um dos piores presidentes americanos. E o grande problema é que ele não respondeu à Covid-19, e as pessoas estão conscientes de que ele tem sido totalmente ineficaz. Não a base dele, que são 42% do público americano. Acho que isso vai ser determinante.
O discurso dele tem sido de que a pandemia acabou, de que o vírus está diminuindo, justamente quando acontece o contrário. Tem 224 mil pessoas mortas e mais de 8 milhões contaminados que sabem que a polícia do governo tem sido um desastre.
Tudo depende de dois fatores: a mobilização das pessoas que vão votar contra ele e a favor de Biden e a capacidade do Partido Republicano de criar obstáculos que impeçam as pessoas de votar, suprimir votos, dando uma vantagem para os republicanos. E não se sabe até que ponto as cédulas enviadas pelo correio serão validadas. Então, depois do dia três vem essa disputa pelos resultados.
Aqui no Brasil é muito indefinido o sentimento público sobre a pandemia, também, pelo modo como Bolsonaro desinforma a população. Como o americano sente o comportamento de Trump em relação à pandemia, depois dele ter contraído o vírus, por exemplo?
Como no Brasil, ele conseguiu dividir o país em tornar questões sanitárias em questões políticas. O uso da máscara é politizado, com pessoas de direita recusando o uso dela, assim como o potencial letal do vírus. Em Nova York, vi as pessoas tomando todos os cuidados num museu, mas por outro lado, tem essas pessoas que acham que tudo é mentira, uma conspiração, com o país muito polarizado.
Trump incentiva esse discurso, mas está desesperado depois de sua infecção, porque quer terminar sua campanha como da última vez, fazendo comícios em lugares públicos, como aqueles que faz quando sai do avião e reúne muita gente aglomerada sem máscara, com um potencial enorme de contaminação. Assim como ele deve ter se contaminado e também contaminado muita gente num evento na Casa Branca, quando anunciou a candidata para a Suprema Corte.
Com isso, ele perde muito apoio de um público que sempre votou em republicanos, que são as pessoas idosas. Mais vulneráveis na pandemia, elas sentem que a contaminação é praticamente uma condenação à morte para quem tem vulnerabilidades físicas. É um setor em que ele ganhava em 2016 e está perdendo agora.
Outro segmento são as mulheres brancas de classe média. Ele tentou reforçar esse voto incitando o racismo e a crítica ao movimento Vidas Negras Importam, e não funcionou. Ele dizia que Biden, por ser comunista, ia deixar pessoas perigosas – que é um código para pessoas negras e latinas – invadir os bairros. Essas mulheres com qualificação educacional estão rejeitando ele, o que é uma tendência grande.
Um terceiro segmento são os membros das forças armadas, que, em geral, são muito conservadores e votam em republicanos. Há uma indicação de que milhões dessas pessoas votarão contra ele, porque Trump rejeita e fala mal, em privado, dos soldados e das Forças Armadas. Outro indício de que Biden seja vitorioso.
Não entendi porque ele fala mal em privado dos soldados…
Vou partir para uma análise psicológica, mas parece que isto está muito comprovado. Trump foi criado por um pai especulador imobiliário que ficou muito rico, que o criou sob muitos abusos. A sobrinha dele escreveu um livro sobre isso e fica muito evidente que, sem ego, ele tem uma necessidade, o tempo todo, de reafirmar suas inseguranças. Ele deve ter sofrido bullying quando estava na escola militar. Ele é neurótico sobre esta questão, uma necessidade enorme de falar sobre si. Ele vem de uma família de privilégio. Na história oficial dele, diz que o pai deu um milhão de dólares pra ele fazer sua fortuna, mas na verdade o pai deu 350 milhões de dólares para ele fazer especulação imobiliária. E ele fez suas companhias entrarem em bancarrota cinco vezes. Mas ele vive da elite, com pessoas ricas e famosas e tem uma rejeição total à base dele. Isso que é mais irônico. Mas como ele é um charlatão, um ator muito bom e sabe se vender, ele conseguiu vender uma ligação com os setores populares aos quais ele tem desdém.
Durante a guerra do Vietnã, ele era um estudante e falsificou documentos para dizer que tinha um problema físico e não foi recrutado. Ele sempre achou que aquelas pessoas da geração dele eram idiotas. “Se vai morrer, para que ir?” Ele tem esse desdém pelos militares. E pelas classes trabalhadores que apoiam ele, o que é mais irônico e trágico.
E a fidelidade que essas pessoas têm por ele é enorme. E vai ser muito difícil romper com essa imagem. Mesmo quando ele for preso por corrupção e fraude, essa base dele não vai abandoná-lo. Vão pensar que tudo foi uma conspiração contra ele.
Por meio dessa guerra fria com a China, principalmente, Trump discursa e parece agir pela reindustrialização do país. Ele cumpre essa promessa para o trabalhador americano?
É só discurso. Ele cumpriu o seguinte: fez uma reforma tributária em que os mais ricos ganharam bilhões de dólares, e um setor da classe média ganhou uma certa diferença de cerca de mil dólares por ano em pagar menos impostos. Mas em outras questões eles perderam essa diferença. Disse que ia melhorar a situação tributária de todo mundo, o que é uma mentira. Fez uma desregulamentação do meio ambiente, das proteções da saúde do trabalhador e outras desregulações de proteções legais e também cumpriu a promessa de indicar juízes conservadores para a Suprema Corte, que são importantes em muitas apelações. Essa última indicação de uma mulher super-reacionária vai dar maioria conservadora à Suprema Corte, o que vai permitir derrubar muitas legislações que os democratas venham a propor se ganharem a Presidência, e a maioria da Câmara e do Senado.
Ele cumpriu essas medidas, com isso tem uma boa base republicana. Eu acho medidas repugnantes, mas ele cumpriu. O muro que ele disse que ia construir e o México ia pagar, ele não cumpriu, nem o México pagou nada. Toda essa guerra tributária com a China causou enormes danos para pequenos fazendeiros e pequenas fábricas, não fez nada de recuperação industrial durante o mandato dele antes da Covid-19. Ele prometeu recuperar a indústria do carvão que está em crise total. Hillary perdeu muitos votos desse setor porque declarou que precisávamos superar isso e buscar novas formas de energia. Mas ele não fez nada por esse setor.
Mas tem um motivo pelo qual essas pessoas ainda votam nele. Um racismo embutido na cultura americana desses brancos marginalizados e derrotados. Eles acreditam que a única coisa que têm a seu favor é uma suposta superioridade em relação aos negros e latinos. E Trump trabalha muito esse racismo, esse medo do outro, essa frustração. Ele os defendeu nessa decadência dos EUA em termos internacionais. Então, ele mantém essa base, não dá pra negar, são 37% a 42% do eleitorado, uma minoria, mas uma minoria grande.
O que você pensou da desistência do Bernie Sanders? Ficou desapontado ou já esperava?
Eu tenho uma trajetória de identificação com a esquerda, brasileira e americana. Quando voltei do Brasil, participei de um partido legal na Califórnia, que é um produto de 1968, fui candidato com um programa socialista, tirei 5% da votação na primeira vez e isso não quer dizer nada aqui, porque você tem que ter a maioria de um distrito para ser eleito. Portanto, eu tenho um olhar à esquerda sobre o Partido Democrata.
Bernie Sanders seria a ala moderada do PT, talvez, a Articulação Sindical, em outros momentos, é um social-democrata liberal. Tem críticas ao imperialismo, mas não tanto. Ele levanta questões importantíssimas, por isso eu achava válida a candidatura dele. mas eu era da opinião que era necessária uma Frente Democrática Ampla para derrotar Trump. Biden foi a pessoa escolhida pelos setores que dominam o Partido Democrata para fazer essa Frente Única.
Trump diz que Biden é um comunista, mas todo mundo sabe que não é nada disso. Bernie, sim, é um socialista. Se ele fosse o candidato, aí, sim, esse anticomunismo embutido na cultura americana, esse antissocialismo ia se tornar uma desvantagem contra ele. E ele tem a capacidade de mobilizar setores dos trabalhadores com seus discursos mais radicais, porem, ele teve muita dificuldade nas primárias do Partido Democrata de mobilizar negros e latinos, que é uma base fundamental do Partido. Ele não tem essa tradição por vir de um estado branco, a Nova Inglaterra, que tem muito poucos negros. Ele não tem essa ligação, por isso não conseguiu mobiliar maioria naquela disputa.
Mas eu fiquei muito impressionado dele não ter ido até as últimas consequências na sua campanha e disputar um programa nas convenções. Não, ele considerou que, o mais importante era defender a democracia nos EUA, por isso decidiu apoiar Biden. Disse que tinha críticas e diferenças, mas que era fundamental derrotar Trump e depois seguir lutando.
Acho interessante que [Franklin] Roosevelt não era um socialista, mas foi quem aprovou importantes proteções sociais para os trabalhadores que eram bandeiras do Partido Comunista. [Lyndon] Johnson não defendia seriamente os direitos civis, mas foi quem aprovou os mais importantes direitos civis para os negros dos EUA. Ou seja, são pessoas pro-capitalistas, pró-imperialistas, mas quando são presidentes há um campo e um espaço para os setores à esquerda poderem atuar e isso é muito importante para mim.
Existe uma série de questões em conflito nesse governo Trump, que talvez não estivessem num governo democrata, tais como os problemas com a Organização Mundial da Saúde, as questões climáticas, as sancões à Cuba, as intervenções na Venezuela, essa guerra fria com a China ou mesmo as relações com o Governo Bolsonaro. Você acredita que se Biden ganhar pode haver uma guinada em relação a esses temas?
Vejo intelectuais brasileiros que querem que Biden vença, mas não acreditam que vá fazer diferença para o Brasil. Eu não acredito nisso. Além de professor de História do Brasil, sou coordenador de uma rede que organizamos quando Bolsonaro foi eleito, que se chama Rede nos EUA pela Democracia no Brasil, que são cerca de 1200 acadêmicos brasileiros afiliados a nossa rede, em 45 estados e 200 universidades, tentando fazer algo em solidariedade ao Brasil.
Temos focado nosso trabalho em Washington, no Congresso, e conseguimos ter uma influência importante. Por exemplo, com ativistas do meio ambiente e dos direitos indígenas, conseguimos anular qualquer acordo de livre comércio entre Brasil e EUA. Qualquer declaração em contrário de Bolsonaro não passa de propaganda sem efeito prático. Com nosso lobby e advocacy, conseguimos ganhar a simpatia de deputados progressistas, comprometidos com as lutas populares e dos trabalhadores. O Congresso se mantendo democrata, o Senado tornando-se democrata e Biden na Casa Branca, é possível vetar outras medidas que favoreçam o governo de Bolsonaro.
Definitivamente, um novo governo de Biden vai ter uma relação muito mais fria com Bolsonaro e não vai ter aquele abraço que Trump deu. E isso vai ajudar o Brasil, assim como aqui nos EUA, para que outras forças pressionem por uma política alternativa. Agora mesmo, estamos nos mobilizando para que tenha ajuda militar americana ao governo brasileiro em Alcântara [área militar no Maranhão], onde há conflitos com os quilombolas daquela região. Acredito que Bolsonaro vai ficar muito isolado, porque não tem aliados internacionais. Só Trump, que vai ter muitos problemas legais nos próximos dois três anos em termos de fraude e corrupção e não vai poder articular nada por Bolsonaro internacionalmente. Para mim, isso é bom para o Brasil.
Como o público americano reage a essas denúncias de fraude no imposto de renda de Trump em plena campanha eleitoral?
As pessoas já sabem. Isso tem impacto relativo. Tradicionalmente, tem um número alto de indecisos que são movidos por esse tipo de denúncia. Mas nessa eleição, são muito poucos os indecisos. Ou as pessoas votam Biden, ou Trump ou vão ficar em casa sem votar. Nesse debate, Trump vai lançar denúncias de corrupção contra o filho de Biden, mas isso não pega. As pessoas já sabem e 20% já votaram e outro tanto passa seis horas numa fila pra votar o quanto antes. Eles não aguentam mais e querem votar.
Essa denúncia só reforça as pessoas que odeiam Trump e se revoltam com o fato dele só ter pago US$ 750 em 2016 e 2017, porque disse que perdeu tantos milhões de dólares que não tem que pagar impostos. Quem gosta dele admira sua esperteza em não pagar impostos, porque ninguém gosta de pagar impostos. Agora ele pegou Covid-19 e nossos impostos pagaram o tratamento milionário dele, porque ele só contribuiu com US$ 750. Mas ele vai ter problemas com isso, pois há uma investigação de fraude. Como Nixon, que diante do impeachment, renunciou e deixou seu vice para anistia-lo de quaisquer acusações criminais, Trump pode tentar um autoperdão e conseguir na Suprema Corte, onde tem maioria. O mais provável é que ele perca e acuse fraude eleitoral, performando uma renúncia, para que seu vice assuma nesses últimos dois meses e o anistie. Isso para o caso de crimes federais, mas ele não pode se autoperdoar de violação de leis estaduais. O procurador-geral do estado de Nova York já está investigando várias fraudes de quando ele morava aqui. Ele vai sofrer varias investigações e espero que ele passe cinco, seis anos na prisão, que ele merece mais que isso.
Você acredita que essa guerra fria com a China será uma política estratégica permanente ou arrefece com o fim do governo Trump?
Eu acho que vai haver muitas extensões, porque a potência mundial em ascensão é a China. Os EUA são um império em declínio. Com toda a riqueza, o talento e fatores que favoreciam os EUA em termos de sua dominação depois da segunda guerra mundial, ele aumentou esse declínio do país. E a China com um poder centralizado, autoritário, com uma economia mista de controle do estado com um certo incentivo à livre iniciativa, está muito dinâmica, e acho que será um país cada vez mais forte. Só um governo com uma política muito inteligente de recuperar a economia americana e reestabelecer certa estabilidade de emprego e industrialização, que pode reduzir o declínio americano.
Então, acho que esses conflitos vão prosseguir e Biden vai ter relações complicadas, porque há uma certa tensão entre os dois países por interesses em conflito. Mas também, nós aqui, como toda a América Latina, dependemos muito da mão de obra muito barata da China para fornecer o consumo de produtos muito baratos. As pessoas vivem de uma certa riqueza de poder de consumo, porque as companhias americanas produzem esses produtos de consumo na China, onde não tem sindicatos fortes, não tem proteção laboral ou controle do meio ambiente.
Duvido que isso vá se reverter, porque os EUA vão passar por um processo de declínio de décadas. Muitos latino-americanos vão achar isso ótimo, porque sabemos como os EUA têm feito suas intervenções apoiando golpes, assim como acordos econômicos que privilegiam os EUA e desfavorecem o Brasil. Então, acho que esses conflitos devem se manter, com a Rússia tentando se inserir nesse processo de disputa. Mas a Rússia tem problemas muito graves que dificultam a restauração da grande potência mundial que ela foi no passado.
Não foi uma campanha eleitoral corriqueira, com acusações de fraude, o questionamento dos votos pelo correio, a pandemia, o movimento Vidas Negras Importam… Como você compara com eleições anteriores?
2020 foi um ano pesadelo! Entre eles, quebrei minha perna. Mas isso pode revelar para as pessoas que os planos de saúde e o sistema sanitário americano é muito precário. As pessoas começam a valorizar o papel do estado em resolver problemas de bem-estar, de ser um socorro para as pessoas que estão desempregadas. É um debate muito forte. Foi desmascarado os aspectos mais nefastos dos republicanos em sua política contra os direitos democráticos e civis, sua política econômica e sobre meio ambiente. Foi um ano que revelou muito sobre a política americana.
Mas por outro lado, como no Brasil, as pessoas ficam muito cansadas de ficar em casa, muitas desempregadas. Há uma crise econômica profunda e uma crise sanitária que se agrava. Estamos entrando no inverno, quando está aumentando a infecção. E uma crise política, porque um setor da direita neofascista se consolidou e se legitimou com o presidente que endossa esses setores racistas radicais. Há uma polarização do país que dificilmente será resolvida em seguida. E Biden vai ser um presidente fraco. É uma crise muito profunda que não será resolvida com a derrota de Trump.
Pensando na sua trajetória, gostaria de saber o sentimento da população LGBT em relação a esse governo. Houve perdas e danos?
Ele eliminou o decreto que representava um avanço grande de aceitação de pessoas trans nas Forças Armadas. Um decreto que os generais já aceitavam, uma coisa impressionante! Era uma coisa simbólica, mas muito importante.
Ele tem indicado centenas de juízes federais que vão determinar a interpretação das leis. É teoricamente possível que o casamento entre pessoas do mesmo sexo, que foi aprovada na Suprema Corte, seja retirado com a nova interpretação da lei. Essa nona juíza da Suprema Corte deve se aliar a uma maioria de cinco ou seis juízes conservadores para reverter uma série de conquistas democráticas que foram obtidas ao longo dos últimos 60 anos, como o direito ao aborto, o direito a um plano nacional de saúde minimamente adequado, os direitos democráticos LGBT. Tudo isso está sendo ameaçado agora com essa guinada à direita do sistema judiciário. Só se fosse a morte de três ou quatro desses juízes para reverter essa situação nos próximos anos. E uma situação muito séria em que um setor do governo americano, o judiciário, vai ser muito reacionário e vai ser um obstáculo muito grande de qualquer reforma que a esquerda queira implementar por meio do governo democrata.