“Ucrânia é 2º ato do ataque da Otan à Iugoslávia”, afirma cineasta
O atual conflito sobre a Ucrânia é basicamente a sequência do bombardeio da Otan na Iugoslávia em 1999, disse o célebre cineasta sérvio Emir Kusturica à RT na terça-feira (22), apontando a continuidade da russofobia e o desdém do Ocidente pelo direito internacional.
Em 24 de março de 1999, a Otan lançou sua guerra aérea contra a então República Federativa da Iugoslávia. O bombardeio continuou por 78 dias e terminou com um armistício negociado e o ingresso de forças da Otan na província de Kosovo.
Como a Rússia era fraca e governada pela “oligarquia ocidental” que apoiava o presidente Boris Yeltsin, a Sérvia estava “absolutamente sozinha” na luta por sua liberdade, fronteiras e sobrevivência, disse Kusturica.
Foi “quando a lei internacional foi alterada para o que chamo de lei ‘humanitária’”, disse o cineasta, aludindo ao pretexto oficial da Otan dizendo que tentava ‘impedir um desastre humanitário em Kosovo’, e usando a subsequente doutrina de ‘responsabilidade de proteger’ criada para justificar a agressão e o esquartejamento da Iugoslávia.
“Esta guerra não surgiu do nada. Esta é uma continuação de algo semeado muito antes”, disse o diretor, referindo-se ao atual conflito sobre a Ucrânia. Kusturica vê como continuidade também a russofobia no Ocidente, que rejeitou a oferta de parceria da Rússia após a Guerra Fria.
A Otan afirmou que o bombardeio trouxe paz, mas a única coisa que conseguiu foi criar espaço para a revolução colorida de outubro de 2000, e derrubada do presidente Slobodan Milosevic, observou Kusturica. O que se tornaria um modelo para dois desses golpes na Ucrânia, primeiro em 2004 e depois em 2014.
O bombardeio da Sérvia foi apenas o primeiro ato, agora estamos testemunhando o segundo ato da mesma história.
Os sérvios não são pró-guerra, eles apenas se lembram de 1999 e entendem as causas do atual conflito na Ucrânia, disse Kusturica à RT.
“Em um mundo unipolar, ninguém está pagando um preço por [seus] movimentos”, ressaltou. “Agora estamos enfrentando a desconstrução do poder em todo o mundo, e o que importa no final é que tipo de armas você tem.”
Em 1999, a Sérvia não tinha as armas mais modernas – Yeltsin bloqueou a entrega de sistemas de defesa aérea que poderiam ter feito diferença, disse Kusturica. Mesmo assim, os sérvios conseguiram abater um bombardeiro “stealth” dos EUA. Eles se lembram das bombas “humanitárias” da Otan até hoje, acrescentou.
“Eles nunca chegaram a pisar no chão, porque sabem como o povo sérvio luta”, destacou Kusturica.
A Iugoslávia terminou em 2006, quando Montenegro declarou a independência. O governo provisório de etnia albanesa no Kosovo, instalado pela Otan – o fez em 2008, embora sem o reconhecimento de Belgrado.
A Sérvia é agora uma “ilha” em um mar de estados da Otan por quase todos os lados. No entanto, ainda é um lugar onde nem todos os meios de comunicação estão sob controle ocidental e onde ainda se pode levantar a voz contra a injustiça e a censura, disse Kusturica.
Ele condenou o que descreveu como uma “versão quase incrivelmente satânica da cultura do cancelamento” que agora proíbe maestros, compositores e autores russos, parando pouco antes de queimar livros nas praças da cidade, como os nazistas costumavam fazer.
Autores russos como “Tchekhov, Pushkin, Dostoiévski, Tolstoi são inseparáveis do que chamamos de cultura europeia”, disse Kusturica, argumentando que o Ocidente agora está tentando cortá-los, mas que o mundo “eventualmente verá essas peças se juntando”.
Nascido no que é hoje a Bósnia-Herzegovina, Kusturica fez seu primeiro longa-metragem em 1981, passando a dirigir uma série de filmes premiados e a tentar atuar, música e escrever também. Ele reside em uma vila com tema étnico em Mecavnik, no oeste da Sérvia, originalmente construída como cenário para seu filme de 2003 ‘Life is a Miracle’ [A Vida é um Milagre].