Trump Júnior, também sancionado, pleiteou ‘liberdade de expressão” para robôs e mentiras - Saul Loeb - AFP

A conta oficial de Donald Trump no Twitter foi carimbada na terça-feira com um comunicado de “removido” após o presidente reality show reproduzir vídeo em que uma médica assevera que “você não precisa de máscaras, há uma cura”. Trata-se, esclarece, da “hidroxicloroquina, zinco e zitromax”.
Na quarta-feira, os EUA atingiram o horrendo patamar de 150 mil mortos pelo coronavírus. Na véspera, o maior número de mortos em 24 horas desde maio, 1.600.
No comercial da cloroquina via Casa Branca só faltou aparecer uma ema. No caso, Papai Trump retuitara postagem do filho Donald Jr, já punida com exclusão por “compartilhar informações incorretas sobre o Covid-19”.
Mesma e salutar providência – a lata de lixo digital – foi tomada também pelo Facebook e pelo Youtube diante da recaída de Trump na cloroquina e no negacionismo do uso de máscaras faciais. Aliás, uma tremenda recaída, quase 12 tuitadas em uma noite.
A overdose de tuitadas tinha, entre outras motivações, a pesquisa do Gallup, de quinta-feira, em que 65% dos norte-americanos disseram que a situação da pandemia está ficando pior – em comparação com 48% uma semana antes.
Ao que parece, era para ser um aperitivo servido requentado aos seguidores do gênio laranja antes do prato principal: o retorno dele às coletivas de imprensa sobre a pandemia, suspensas por dois meses.
Tempo que, aliás, o vírus não desperdiçou e agora, ao invés de uma, há “três nova yorks” simultâneas de eclosão da Covid (Flórida, Texas e Califórnia).
A recaída na cloroquina e no menosprezo pelas máscaras faciais não é por falta de aviso. As qualidades terapêuticas da cloroquina no tratamento da Covid-19 têm sido refutadas desde a Organização Mundial de Saúde até a agência norte-americana de vigilância sanitária (FDA).
Melhor tomar comprimido de farinha, que pelo menos não se corre o risco de infartar. Quanto à máscara, Trump já havia se resignado a percorrer um hospital militar usando uma, negra, ao estilo Darth Vader, segundo os memes.
A conclusão da pesquisa de que dois terços dos norte-americanos estão percebendo que a pandemia está fora de controle traz, a menos de 100 dias da eleição, a pergunta: quem é o responsável pelo desastre.
Com toda a incompetência, obscurantismo e omissão que demonstrou, o candidato óbvio é Trump.
Para complicar, a pandemia paralisa a economia – e há décadas um presidente não se reelege nos EUA em situação de recessão. E, aos olhos do mundo, a capitulação diante do coronavírus expôs a decadência em curso dos Estados Unidos e seu “mundo unipolar”.
Na não tão triunfal volta às coletivas, Trump preferiu discorrer sobre as promessas de vacinas contra a Covid, até uma estraga-prazeres, a repórter da CNN, Kaitlan Collins, o inquirir sobre a retuitada.
“Sr. Presidente, uma mulher, que o senhor disse ser uma grande médica no vídeo retuitado ontem à noite, diz que máscaras não funcionam e que há uma cura para Covid-19, o que os especialistas em saúde dizem que não é verdade. Ela também fez vídeos dizendo que os médicos fazem tratamentos usando DNA de alienígena, e que estão tentando criar uma vacina para tornar as pessoas imunes a se tornarem religiosas”, disparou Collins à queima roupa. “É desinformação”, cravou.
Trump se safou como pôde, alegando não saber “de que país” ela vem, mas “disse que teve um tremendo sucesso com centenas de pacientes diferentes”. “E eu pensei que a voz dela era uma voz importante, mas eu não sei nada sobre ela”, remendou.

Quando Collins insistiu quanto às máscaras faciais, Trump abruptamente se retirou da coletiva. O que Trump queria mesmo da coletiva era dizer que a vacina “já estava na esquina” e ninguém precisava se preocupar.
Ao sul do Equador, os paranóicos de plantão arrumaram uma variante para as alucinações tipo “DNA alienígena”. Que a vacina – chinesa, com certeza – é feita com “células de fetos abortados”.
No mesmo dia, Trump já chorara as pitangas com outro jornalista, sobre o fracasso de sua fritura do principal infectologista dos EUA, o Dr. Anthony Fauci, cujo índice de aprovação nas pesquisas é o dobro daquele do presidente.
“Ele tem esse alto índice de aprovação. Então, por que não tenho um alto índice de aprovação – e o governo – em relação ao vírus?”. “Deveríamos estar muito alto”, afirmou. “Só pode ser minha personalidade, só isso”, encenou, buscando minimizar o repúdio.
Júnior, seu segundo filho em cinco, ao receber a reprimenda do Twitter por “disseminação de desinformação sobre a Covid-19”, reagiu através do porta-voz Andrew Surabian: “interferência eleitoral para sufocar vozes republicanas”. Provavelmente, mais robôs republicanos do que propriamente vozes.
Mais tarde, o porta-voz acrescentou que isso era mais uma prova de que Big Tech “tem a intenção de matar a liberdade de expressão online”.
Como se existisse o “direito” de induzir outras pessoas a porem em risco a própria vida – e, em razão do contágio, a de outros, ainda mais em um país recordista mundial em contágios e em mortos.
E isso, por interesse nitidamente eleitoreiro, em nova e macabra ‘modalidade’ de ‘boca de urna’. Uma fonte próxima à Casa Branca revelou ao Washington Post que Trump nem queria falar de pandemia na campanha – por achar que, com as mortes subindo, não importaria o que ele dissesse, não seria “uma boa história” para ele. Não tem mais como.