Trumpistas invadem Congresso para impedir certificação de Biden
Na tentativa de impedir o reconhecimento oficial da vitória de Joe Biden, seguidores de Trump invadiram o Congresso dos EUA, depois de frustradas todas as manobras do chefe para fraudar a eleição.
Pouco antes do início da sessão conjunta do Congresso dos EUA, nesta quarta-feira (6), em discurso a uma multidão de adeptos, reunida no que mais propriamente pode ser visto como o comício da derrota, Donald Trump asseverou que “nunca vai desistir, nunca vai admitir” e voltou a se dizer vítima de “eleição roubada”.
A invasão ocorreu após confrontos e vandalismos, quando Câmara e Senado debatiam uma objeção aos resultados do Arizona — tradicional reduto republicano vencido por Biden na eleição de novembro. Antes, o vice Mike Pence havia anunciado que não iria alterar o resultado do Colégio Eleitoral.
Senadores e deputados foram levados pelo corpo de segurança para locais seguros dentro do prédio do Congresso, de acordo com a mídia dos EUA. Pence, que preside a sessão conjunta do Congresso, foi retirado do prédio, segundo a rede de televisão NBC.
A prefeita de Washington, Muriel Bowser, declarou toque de recolher na cidade a partir das 18h (locais, 20h de Brasília), que ficará em vigor por 12 horas.
A invasão complementou o esperneio no próprio Congresso de parte de deputados e senadores republicanos contra o resultado, embora já certificado pelos 50 estados, com a vitória de Biden por 306 votos a 232 no Colégio Eleitoral.
A manobra prometida pelos parlamentares mais fiéis a Trump, no entanto, ocorre já enfraquecida pelo vazamento do telefonema de Trump ao chefe do processo eleitoral na Geórgia, pedindo para roubar milhares de votos em favor dele para fraudar a eleição; pela vitória democrata no segundo turno do Senado na Geórgia; pelas decisões em tribunais no país inteiro, descartando os questionamentos do perdedor ao resultado das urnas; e pela recente carta de advertência dos últimos 10 ex-secretários do Pentágono, de governos republicanos e democratas – inclusive os dois últimos de Trump, Jim Mattis e Mark Esper.
Isso, sem falar nos seis milhões de votos a mais de Biden e vitórias históricas, como na Geórgia, um dos berços dos confederados e da escravidão.
Trump voltou a apelar abertamente ao vice-presidente Mike Pence, que preside o ato no Congresso, para que fraude a eleição, deixando de declarar Biden vencedor e devolvendo aos Estados os resultados.
“Espero que Mike [Pence] faça a coisa certa. Se ele fizer, venceremos a eleição”, disse Trump. Porém, Pence recusou-se a esse lastimável papel.
Enquanto isso, oradores como o advogado “pau-pra-toda-obra” de Trump, Rudy Giuliani, ou seu próprio filho, Eric Trump, insuflaram a turba contra o Congresso.
“Há alguém aqui que realmente pensa que Joe Biden ganhou esta eleição?”, indagou Eric à aglomeração de supremacistas brancos, negacionistas da Covid e delirantes do QAnon. “Não importa”, acrescentou. “Eles podem mentir; eles podem trapacear; eles podem roubar. Meu pai iniciou um movimento e este movimento nunca, jamais morrerá.”
O que quer dizer, exatamente, o contrário: no momento, Trump é um cadáver político. Apenas continua, com seus asseclas, um mentiroso e falsário.
Ao manter a cruzada contra o resultado eleitoral, Trump vem unindo o esgarçamento da democracia e a apologia ao fascismo ao recolhimento de centenas de milhões de dólares apurados, a pretexto de custear a “campanha contra o roubo”.
Na véspera, verificaram-se alguns confrontos menores com policiais, enquanto os trumpistas berravam “fuck antifa” e “parem o roubo”. Nem todos puderem vir trazer uma palavra de conforto a Trump.
O chefão dos Proud Boys – aquela gangue de garotões brancos racistas -, depois de detido para esclarecimentos na véspera, foi proibido de ir ao bota-fora. No comício, Trump insistiu em se dizer o vencedor, e “por muito”, “a margem [de diferença] sequer foi pequena”, disse ele.
Noves fora, Biden foi declarado em dezembro vencedor pelo Colégio Eleitoral, reunido em cada estado, e irá tomar posse em 20 de janeiro. O passo de hoje é a sagração da decisão pelo Congresso.
É um rito instituído por lei desde 1887, em que o vice-presidente do país, que também preside o Senado, pede que sejam lidos os votos dos delegados do Colégio Eleitoral para cada Estado. Cabe a ele somar todos os votos e, ao final, oficializar o resultado final.
Seriam 100 deputados e 12 senadores republicanos os que se dispuseram ao papelão de rasgar a tradição e a própria lei da eleição, segundo a mídia. Normalmente, a aprovação é anunciada sem objeções. Caso um senador e um representante obstem o resultado, a sessão conjunta é suspensa, e os respectivos plenários têm até duas horas para ouvir os argumentos contra a oficialização, e é votada por maioria simples a aprovação ou descarte do resultado.
Nos últimos 60 anos, em três ocasiões o então vice-presidente precisou lidar com contestações no momento da oficialização dos votos do Colégio Eleitoral no Congresso. Richard Nixon em 1961, Al Gore em 2000 e o próprio Biden, há quatro anos, deram as contestações por encerradas e proclamaram o resultado do Colégio Eleitoral.
Tanto no caso de Nixon, quanto no de Al Gore, os dois eram os próprios derrotados na disputa e o rito foi cumprido conforme a tradição. Em 2017, o então vice-presidente Joe Biden desconsiderou objeções dentro de seu próprio partido e oficializou a vitória de Trump, que vencera Hillary Clinton no Colégio Eleitoral – embora houvesse perdido no voto popular.