"Trump é a doença": eleição pode tornar-se um referendo sobre o desastre da Covid nos EUA | Foto: Tom Brenner/Reuters

No frenesi pós-volta à Casa Branca, uma das tuitadas do presidente Trump que chamou mais a atenção foi aquela em que se disse “abençoado por Deus” por ter contraído Covid. Aliás, na Casa Branca e até no Estado-Maior do Pentágono, tem um bocado de gente de quarentena, a conferir se também foi agraciado, cada qual, com tal bênção.

Se Trump está assim com os céus, como proclama, ou se é uma conversa mole, para consolar seus mínions, ainda está para ser visto, mas, nas pesquisas, ele não parece nada abençoado pelos números.

As más notícias não param de chegar a cada pesquisa, e com os dias que o separam da data final da eleição encurtando e encurtando, cada vez fica mais difícil uma reviravolta.

A contaminação em massa a partir de um evento na Casa Branca se tornou virtualmente, uma representação do que aconteceu no país inteiro por oito meses, com a sabotagem ao enfrentamento da pandemia encastelada exatamente lá, na Casa Branca.

Era da Casa Branca – das declarações públicas ou tuitadas de Trump – que partia a guerra à mascara facial e a manter distanciamento e evitar aglomerações. A mentira – ele sabia que era mentira – de que se tratava de outra ‘gripe’ que ‘desaparece com o calor’. A recusa a testar em massa e rastrear contágios. Os apelos à cloroquina e às injeções de água sanitária no pulmão dos doentes. E até a convocação a “libertar Michigan”.

Os democratas estão decididos a transformar a eleição em um referendo sobre o desastre de Trump no enfrentamento da pandemia, cujo resumo da ópera é o seguinte: com 4% da população mundial, tem 20% dos mortos no planeta e dos infectados.

Pelas reações de desespero de Trump, parece que estão conseguindo. Fugiu do hospital para a cena do tira a máscara na Casa Branca. Nos círculos de apoiadores deve parecer coisa de ‘macho man’. Parece mais um Mussolini laranja contaminado de coronavírus. Chamou o chefe republicano no Senado, Mitch Connell, para mandá-lo parar de encenar que vai ajudar as famílias e as pequenas empresas, e se concentrar no que interessa, botar na Suprema Corte uma juíza de ultradireita, para ver se conserta a coisa no tapetão.

O grande truque de Trump sempre foi dizer que a economia era maravilhosa, a melhor do mundo, porque apostava em que a população ia acreditar que, como a Bolsa de Wall Street estava na estratosfera, então estava tudo bem. O coronavírus, e a parada da economia que implicou, deixou a nu a escalada especulativa, enquanto que quase todos estavam no sufoco. Os economistas até já arrumaram um nome para a coisa: recuperação em K, as pequenas empresas e as famílias afundam, enquanto a Bolsa, vai bem obrigado, com as graças do Federal Reserve.

Crise sanitária em um país que não tem um sistema universal de saúde; precisou, tem de pagar. 30 milhões de desempregados. Milhões que não sabem como vão pagar o aluguel. Filas quilométricas nos ‘Foods Banks’, que distribuem comida de graça.

Reeleição com recessão não dá samba – ou rock. Biden, que estava na frente de Trump em média oito pontos percentuais nas intenções de voto, em uma semana obteve pesquisas dando vantagem de 14 e de 16 pontos percentuais.

Que Biden ia vencer na votação nacional, não chegava propriamente a ser uma novidade, até ‘Hillary Vigarista’ – o apelido foi pespegado por Trump – botou 3 milhões de votos na frente.

Só que em 2016, quando você plotava a votação condado por condado, o mapa ficava quase todo republicano, isto é, vermelho, com exceção dos grandes centros urbanos. A cor dos democratas é azul. A eleição nos EUA é no colégio eleitoral, como se fossem 50 eleições, e quem vencer, pela quantidade de votos que for, por mínimo que seja, leva todos os votos daquele Estado, sem divisão por proporcionalidade.

Como em determinados Estados o predomínio é acentuadamente de um partido ou de outro, o caminho para a vitória passa por ganhar nos Estados realmente em disputa, os chamados ‘Estados campo de batalha’ ou ‘Estados pêndulo’.

Em 2020, nos Estados campos de batalha quem está vencendo, de acordo com as pesquisas, é Biden.

WISCONSIN

A Associated Press fez uma cobertura interessante sobre a disputa em Wisconsin, um dos Estados campo de batalha, em que registra os esforços dos republicanos pela reeleição. “A vantagem antes confortável do presidente Donald Trump na região central de Wisconsin em torno dos centros operários de Green Bay diminuiu”, registra a AP. Nos subúrbios de Milwaukee, há muito uma área dominada pelos republicanos, também diminuiu.

Acrescenta a AP que os apoiadores do presidente bilionário “estão longe de estar confiantes de que ele poderá encontrar milhares de novos eleitores nas áreas rurais escassamente povoadas do Estado para compensar os contratempos”.

O caminho de Trump para a vitória em Wisconsin, um Estado que ele conquistou por pouco em 2016, tornou-se “cada vez mais complicado, assim como seu caminho para os 270 votos eleitorais necessários para sua reeleição”, enfatiza a matéria.

Um veterano pesquisador republicano, citado pela AP, Whit Ayers, reconhece que “há muito mais Estados em jogo em 2020 do que em 2016”. “E eles incluem Estados que Trump ganhou por uma margem significativa, como Arizona, Iowa, Ohio e Geórgia”, acrescentou.

Conforme a AP, poucos Estados são tão importantes para a reeleição quanto Wisconsin, que “ele conquistou por menos de 23.000 votos em quase 3 milhões em 2016 e que não votou em um republicano para presidente por mais de uma geração”.

Os republicanos admitem os “declínios” que sofreram. “Os republicanos e Trump podem compensar isso? Essa é a grande questão, e não tenho uma resposta forte”, disse Jim Miller, presidente republicano do 7º distrito congressional de Wisconsin, que cobre os 26 condados mais ao norte do estado.

PENSILVÂNIA

O mesmo está acontecendo em outros Estados do meio-oeste e na Pensilvânia. Trump teria que reconquistar “um terreno significativo nesses Estados nas últimas quatro semanas da campanha para replicar sua virada de 2016” e derrotar Biden.

A margem antes estreita de Trump naquela região desabou em uma pesquisa da Universidade Marquette publicada na quarta-feira

Trump chegou a planejar fazer campanha no sábado passado em Green Bay, mas seu teste de coronavírus positivo o forçou a cancelar. Como mostram os registros da votação de 2016, nessa região do Estado ele derrotou Clinton por 18 pontos percentuais.

Pesquisas feitas pelos próprios republicanos “estão gerando preocupações de que há pouco tempo para reconstruir as margens de que precisam para conquistar o Estado pela segunda vez”.

“Ele está ganhando o terreno de Green Bay, mas não o suficiente para ajudá-lo em todo o estado”, disse Scott Jensen, ex-presidente republicano da Assembleia de Wisconsin.

O obstáculo é semelhante ao de Trump em Ohio, onde venceu por 8 pontos percentuais há quatro anos, mas onde as pesquisas públicas mostram que a disputa está acirrada.

Conforme a campanha de Biden na terça-feira anunciava uma intensificação da propaganda em Ohio, Trump estava reduzindo sua publicidade no Estado, de acordo com a empresa de rastreamento de anúncios Kantar/CMAG. A tendência é semelhante em Wisconsin, onde Trump reduziu sua publicidade em 75% no mês passado e estava sendo inundado pelos gastos de Biden, passando de menos de US$ 173.000 na semana passada para US$ 2,3 milhões de acordo com Kantar/CMAG.

Trump também precisa melhorar muito nos subúrbios de Milwaukee, disse Jensen. Ainda assim, a ausência de Trump nos subúrbios ressaltou seu dilema de Wisconsin, que o assombra na Pensilvânia: fique longe dos centros populacionais do Estado ou apareça e arrisque alienar os eleitores suburbanos.

Isso gerou alguns conselhos improváveis de viagem de campanha para Trump, do deputado republicano John Nygren de Wisconsin. “Não quero ser desrespeitoso com ele, mas, para ele, pode ser melhor não ir para os subúrbios”, disse Nygren, de Marinette, no extremo nordeste de Wisconsin. “Porque se ele não está nas notícias, talvez não seja um lembrete das preocupações das pessoas.”

“É tudo uma questão de estilo. Essa base tradicional do Partido Republicano de profissionais com ensino superior não suporta o estilo do presidente”, disse Jensen, que conduziu grupos de discussão nos principais distritos eleitorais da área de Milwaukee.

É um cenário que também está acontecendo na Pensilvânia, onde Trump venceu por uma porcentagem menor do que em Wisconsin. E na Pensilvânia, Trump está enfrentando um declínio mais terrível nos subúrbios onde os republicanos dominaram até 2016, como o condado de Chester, e perderam terreno desde então, disse o ex-deputado republicano Ryan Costello, que representou o condado de Chester até o ano passado.

Trump teria que atrair vários milhares de eleitores pela primeira vez no norte rural escassamente povoado, onde em vários condados ele recebeu mais de 60% dos votos, para compensar o declínio em partes mais populosas do Estado.

Para dificultar, a pesquisa de setembro da Marquette mostra Biden, e não Trump, recebendo mais apoio de eleitores pela primeira vez. “Você pode conseguir votos suficientes para fazer a diferença?”, disse Jensen. “Provavelmente não.”

Enquanto essas são as notícias nas hostes de Trump, no lado de Biden o vento parece estar soprando a favor. A CNN anunciou que, utilizando o critério de Estados solidamente com democratas (ou republicanos) mais Estados cuja tendência é democrata (ou republicana), pela primeira vez Biden superou a marca dos 270 votos no colégio eleitoral, que decide a presidência. 17 Estados solidamente democratas somam 203 votos no colégio eleitoral, e oito Estados de tendência democrata, com mais 87 votos. Total: 290.

Pela reeleição, Trump conta com 125 votos de 20 Estados ‘solidamente republicanos’, a que se somam os 38 votos do Texas, ‘com tendência republicana’. Total pró-reeleição, segundo essa análise: 125 + 38 = 163.

O significado disso é que, como os Estados considerados campo de batalha (Flórida, Geórgia, Iowa, Maine, North Carolina e Ohio), somam 85 votos no colégio eleitoral, Trump teria que ganhar em todos os chamados Estados campos de batalha e ainda teria que virar 22 votos entre os Estados considerados ‘solidamente’ ou favoráveis aos democratas no momento, para chegar a 270 votos e ser reeleito.