Trump tira EUA de tratado que por 20 anos fortaleceu a segurança mundial via sobrevoos mútuos de monitoramento

Antes de deixar a Casa Branca após a derrota nas urnas de novembro, o governo Trump, recordista incomparável quanto a rasgar tratados, confirmou no domingo (22) sua retirada do Tratado dos Céus Abertos, acordo multilateral que reúne os membros da Organização de Cooperação e Segurança da Europa (OSCE), entre eles a Rússia e os países da Otan, assinado em 1992 e em operação desde 2002.

Para Moscou, trata-se de “mais um passo de parte dos EUA no desmantelamento da arquitetura de segurança internacional”.

Ao lado do Tratado de proibição de armas intermediárias (INF), já abandonado por Trump no ano passado, o “Céus Abertos” era um esteio da segurança no Atlântico Norte, por permitir sobrevoos mútuos de monitoramento para observar os territórios dos signatários e verificar a movimentação de tropas e a aplicação de medidas de limitação de armas.

Em maio, quando o regime Trump anunciou sua saída do tratado, a decisão surpreendeu os principais países europeus, em especial França, Alemanha, Espanha e Bélgica.

O chefe da diplomacia alemã, Heiko Maas, classificou o Tratado de Céus Abertos de “elemento crucial do quadro de construção de confiança que foi criado nas últimas décadas com vista a aumentar a transparência e a segurança em toda a área euroatlântica” e prometeu que Berlim seguirá integrando o Tratado.

Com mais esse rompimento desencadeado pelo governo Trump, o único tratado de preservação da segurança internacional que resta é o Novo Start, de limitação das armas nucleares, que já tem data para expirar em fevereiro próximo, se não for renovado pelo governo que tomará posse no dia 20 de janeiro em Washington. O Tratado INF, que proibia aos EUA e à Rússia mísseis terrestres com alcance entre 500 km e 5000 km, foi essencial para evitar a guerra nuclear no teatro europeu.

Comunicado da diplomacia russa enfatizou que a Rússia se esforçará para cumprir suas obrigações com os outros países signatários, ao mesmo tempo em que buscará obter “garantias sólidas” quanto ao respeito ao Céus Abertos.

Como assinalou o documento, após sua retirada do Tratado “o lado americano espera, por um lado, que seus aliados impeçam voos de vigilância russos sobre instalações militares americanas na Europa” e, pelo outro, em violação do acordo, que compartilhem com Washington “seu material fotográfico do território russo”.

Procedimento claramente “inaceitável”, como advertiu Moscou. “Buscaremos obter garantias sólidas de cumprimento das obrigações dos Estados signatários que permanecem no Tratado de Céus Abertos. Em primeiro lugar, estas tratarão da possibilidade de vigilância de todo o seu território. Em segundo lugar, a não transferência de equipamentos de vigilância de vôo para terceiros países que não fazem parte do tratado”, sublinhou o Ministério russo das Relações Exteriores.

O comunicado incluiu uma advertência aos parceiros do Tratado. “Se nossos colegas realmente desejam que o tratado permaneça em vigor e que a Rússia continue sendo um Estado-membro do Tratado dos Céus Abertos, devem começar imediatamente a pensar sobre as medidas futuras a serem tomadas para dissipar as preocupações russas.”

Moscou conta com a “boa vontade” dos países europeus para a preservação do Tratado dos Céus Abertos, disse na segunda-feira Konstantin Gavrilov, chefe da delegação russa nas conversações de Viena sobre segurança militar e controle de armas.

Gavrilov também acusou Washington de jogar um jogo “desonesto” e “disfarçado”, ressaltando que os EUA estão exigindo de seus aliados europeus que assinem documentos para que possam transferir informações para Washington sobre os seus voos de vigilância sobre as instalações russas.

O que o diplomata russo descreveu como uma “violação grosseira” do tratado, advertindo que se os restantes Estados-membros se sujeitarem à pressão dos EUA, “nossa dura resposta não tardará a chegar”.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros reiterou que a Rússia se manterá atenta “se as ações dos outros membros do Tratado são coerentes com o que dizem” e que irá atuar “de acordo com os seus interesses de segurança e os dos seus aliados”.

As alegações usadas por Trump como pretexto para rasgar o Tratado dos Céus Abertos jamais foram acompanhadas por quaisquer provas e Washington também sabotou as tentativas de esclarecimento e superação.

Nos seus quatro anos de mandato, Trump rasgou, ainda, o Acordo do Clima de Paris, o Tratado INF e o Acordo Nuclear com o Irã, além de retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde em plena pandemia e da Unicef, e de ter paralisado o organismo de arbitragem da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Foi pelo Twitter que a Casa Branca fez a confirmação da saída do Tratado dos Céus Abertos. “Hoje faz seis meses que os Estados Unidos apresentaram a nossa notificação de retirada do Tratado dos Céus Abertos. Agora já não somos parte deste tratado que a Rússia violou de forma flagrante durante anos. O [Presidente Trump] nunca deixou de colocar a América em primeiro lugar ao retirar-nos de tratados e acordos ultrapassados que beneficiaram os nossos adversários em detrimento da nossa segurança nacional”, insistiu cinicamente o conselheiro de Segurança Nacional Robert O’Brien, em nome de Trump.