Trump não pagou IR durante dez anos, revela New York Times
Em uma matéria bombástica um mês antes da eleição presidencial de novembro e às vésperas do primeiro debate de presidenciáveis na tevê, o jornal The New York Times revelou que o presidente e bilionário Donald Trump não pagou um centavo sequer de imposto de renda federal em 10 dos últimos 15 anos e apenas US$ 750 – isso mesmo, setecentos e cinquenta dólares – em 2016 e 2017.
Denúncia que fez a deputada democrata novaiorquina Alexandria Ocasio-Cortez, mais conhecida pelas iniciais AOC, chamar Trump de “fraude ambulante”, por pagar menos imposto do que “garçonetes e imigrantes”.
Para ela mesma, destacou, havia “milhares de dólares” em imposto de renda em 2016 e 2017 quando trabalhava de bartender.
O Times também registrou que, enquanto Trump só pagava US$ 750 em IR nos EUA em 2017, ele ou suas empresas pagaram mais de imposto em outros países, incluindo US$ 145.400 na Índia, US$ 156.824 nas Filipinas e US$ 15.598 no Panamá.
A reação de Trump foi repetir que é tudo “fake news” e que paga “muito imposto”. Segundo o relato, o NYT teve acesso a quase todas as declarações de impostos pessoais e empresariais de Trump nas últimas duas décadas, com exceção de suas declarações de impostos pessoais de 2018 e 2019.
Na eleição de 2016, Trump se recusou a liberar suas declarações de impostos, como fizeram nos EUA, nos últimos 50 anos, todos os candidatos a presidente ou à reeleição. Ao longo do primeiro mandato, Trump travou uma renhida batalha legal para impedir que esses registros se tornassem públicos.
A jornalista especializada da revista The Nation sobre questões fiscais, Elie Mystal, em entrevista ao programa Democracy Now, comandado por Amy Goodman, relembrou o depoimento perante o Congresso do ex-advogado e ajeita-tudo de Trump, Michael Cohen.
O JOGO
“Ele nos contou qual é o jogo. Ele disse que Trump aumenta seus ativos quando isso ajuda – por exemplo, para entrar na lista das pessoas mais ricas do mundo da Forbes – e ele esvazia seus ativos quando isso o ajuda – por exemplo, para esconder sua renda em suas declarações de impostos”.
O presidente do Comitê de Formas e Recursos da Câmara, o democrata Richard Neal, cujo painel vem lutando há anos para obter as declarações de IR do presidente, disse em um comunicado que Trump “manipulou o código tributário a seu favor e usou ações legais para atrasar ou evitar pagar o que ele deve.”
A matéria do Times entrou nos meandros desse ‘gerenciamento fiscal’ de Trump. O lucro líquido de Trump com o reality show “O Aprendiz” totalizou US $ 427,4 milhões até 2018. Outros US $ 176,5 milhões foram provenientes de dois edifícios de escritórios de grande sucesso.
Mesmo à módica taxa efetiva de imposto paga pelo 1% dos americanos mais ricos, isso teria feito com que Trump pagasse mais de US $ 100 milhões de IR no período.
O que foi evitado graças às perdas consistentes declaradas de Trump em outros empreendimentos que ele possui, como campos de golfe (perda de mais de US$ 300 milhões) e torres de luxo (perda de US$ 55 milhões).
É como assinalou Mystal: há todo tipo de truque para que pessoas ricas evitem pagar impostos e é para isso que existem advogados tributários “tão inteligentes e bem pagos”. Pode-se – enfatizou – discutir se esses truques “deveriam ou não” ser legais, mas atualmente são legais
“É comum diminuir sua receita tributável com perdas de um lado do livro-razão para compensar grandes ganhos do outro lado do livro-razão. Funciona – você só tem que ser muito ruim em alguma coisa”, registrou a jornalista.
“Acontece que Trump é muito ruim nos negócios, de acordo com esses documentos, e é assim que ele é capaz de desperdiçar algo próximo aos US $ 434 milhões que ganhou com O Aprendiz e acordos de licenciamento”.
Se o que Trump está dizendo nos documentos for absolutamente verdade, “isso seria legal”. Mas – advertiu Mystal – há “a possibilidade” de que os documentos fiscais sejam “fraudulentos”.
Na divisa entre essa “legalidade” e a imoralidade estão artifícios como piorar o desempenho dos próprios empreendimentos, pagando taxas indevidas de consultoria, de seis a oito dígitos, a si próprio, isto é, aos filhos, embora eles próprios já fossem executivos empregados pela Organização Trump (com salários de seis a oito dígitos).
A pendência com o IR que Trump tem usado como pretexto para esconder seu imposto, se refere à interpretação feita pela Organização Trump de uma cláusula pouco notada de uma lei de Obama, que era parte do esforço de recuperação da Grande Recessão (o crash de 2008).
A cláusula permitia, conforme o NYT que os proprietários de negócios pudessem “solicitar o reembolso total dos impostos pagos nos quatro anos anteriores e 50% do pago no ano anterior”.
Como registrou o NYT, Trump não pagou imposto de renda em 2008. Ao apresentar seu IR para 2009, ele pôde “buscar um reembolso não apenas dos $ 13,3 milhões que pagou em 2007, mas também dos $ 56,9 milhões pagos em 2005 e 2006, quando ‘O Aprendiz’ gerou o que foi provavelmente a maior mordida de imposto de renda de sua vida.”
Foi esse reembolso que se tornou alvo de auditoria do IR, em curso desde 2011. O Times relatou que “a disputa pode se concentrar em uma única reclamação que salta da página da declaração de imposto de renda de Trump em 2009: uma declaração de mais de $ 700 milhões em prejuízos comerciais que ele não teve permissão de usar em anos anteriores. O cupom gigante de evasão fiscal permitiu que ele recebesse parte ou a totalidade de seu reembolso.”
Trump voltou a se dizer uma vítima do IR. O IR “não me trata bem”, alegou, dizendo ser tratado como o “Tea Party”, em referência a suposta perseguição da receita a grupos republicanos durante o governo Obama.
Da sua trincheira favorita, o Twitter, Trump reclamou das “más intenções” da Mídia Fake News sobre seu IR e alegou ter pago “muitos milhões de dólares em impostos”, mas que tinha “direito, como todo mundo, à depreciação e créditos fiscais”.
Asseverou ainda que, considerando os “ativos extraordinários” de que é proprietário, estaria “extremamente pouco alavancado – muito pouca dívida em comparação com o valor dos ativos”. E prometeu “demonstrações financeiras muito IMPRESSIONANTES”.
O NYT discorda e diz que Trump perdeu quase meio bilhão de dólares em ações e que enfrenta pagamentos de mais de US$ 300 milhões em empréstimos que vencerão nos próximos anos, enquanto que a principal fonte de receita que declarou anteriormente, “O Aprendiz”, minguou.
O deputado Bill Pascrell, presidente da Subcomissão de Supervisão de Procedimentos e Meios da Câmara, disse que as descobertas do Times “revelam um roubo absolutamente impressionante cometido por Trump antes e enquanto ele esteve no cargo”.
Ele também exigiu que “Trump libere suas declarações de impostos “como é uma prática de longa data e é exigido por lei ao Congresso, em vez de se exibir e atacar a mídia”.
“Trump sabia de algo que não sabíamos quando ele começou a se opor à transferência pacífica de poder”, registrou o ex-inspetor-geral do Departamento de Justiça, Michael Bromwich. “Se ele perder a eleição, enfrentará processos federais e estaduais por fraude bancária, fraude fiscal, fraude eletrônica e fraude postal, assim como toda sua família”.