Se esses fossem tempos "normais", um escândalo envolvendo as mentiras do presidente seria o pior escândalo da história dos EUA, mas com Trump, o mentiroso que ocupa a Casa Branca, há o perigo de ser apenas mais um de seus crimes. | AP

Há uma hashtag correndo no Twitter que diz tudo o que se precisa saber sobre a principal revelação do novo livro de Bob Woodward, “Rage” (“Fúria“), que traz entrevistas com e sobre o ocupante do Salão Oval,  Donald Trump; ela diz: “#TrumpLiedAmericansDied” (“Trump mente americanos morrem”).

Por Mark Gruenberg*

 

De acordo com 18 as entrevistas gravadas que Woodward fez com Trump (que agora podem ser lidas na Internet), foi o que o presidente do Partido Republicano fez quando começou a pandemia do coronavírus.

Trump, já em 28 de janeiro,  sabia que a pandemia, que atingiria os EUA, era perigosa e mataria milhares de cidadãos. Dia 9, Trump admitiu tudo, inclusive que havia falado a Woodward sobre o caso Watergate.

A própria equipe de segurança nacional de Trump chamou sua atenção em janeiro, em um briefing, ao dizer categoricamente que o coronavírus seria a principal ameaça à segurança dos EUA em seu mandato e tão ruim, se não pior, do que a pandemia de gripe um século atrás [a gripe espanhola – Nota da Redação].

Trump prestou atenção, mas continuou mentindo para o país sobre a pandemia. Mas não para Woodward.

As gravações revelam as mentiras de Trump sobre a pandemia, seu preconceito contra os negros, sua negação dos privilégio dos brancos, sua amizade com ditadores, e muito mais. Suas próprias palavras, gravadas em fita, mostram por que Trump é perigoso para os EUA e por que seria ainda mais desastroso para o país e o mundo se ganhar um segundo mandato.

Carl Bernstein. co-autor com Bob Woodward das revelações de Watergate – que levaram à renúncia do presidente republicano, Richard Nixon. em 1974 – disse que é muito pior. “Este é um tipo de negligência homicida”, disse. “Você apenas respira o ar e é assim que tudo se passa”, disse Trump sobre a pandemia numa ligação para Woodward no início de fevereiro. “E isso é muito complicado. Isso é muito delicado. Também é mais mortal do que sua gripe extenuante. Isso é mortal, ” Trump afirmou nas ligações.

Mas publicamente então, e por meses depois, Trump comparou o coronavírus a um resfriado comum e previu que iria embora por conta própria. Seu governo também não fez nada a respeito. Ainda não o fez, acusa o adversário de Trump nas eleições gerais do outono, o ex-vice-presidente Joe Biden.

“Para ser honesto, eu queria sempre minimizar”, disse Trump a Woodward, em 19 de março. E quando os trechos do livro foram conhecidos, em 9 de setembro, Trump reiterou esse ponto numa entrevista coletiva.

Tudo isso levou Woodward, no final do livro, a escrever: “Trump nunca pareceu disposto a mobilizar totalmente o governo federal e sempre parecia empurrar os problemas para os Estados. Não havia uma teoria de gestão real do caso ou como organizar uma grande ação para lidar com uma das emergências mais complexas que os EUA já enfrentaram.”

Enquanto isso, o coronavírus se agravou. A partir de 10 de setembro, 6,366 milhões de pessoas testaram positivo para o vírus desde que o governo finalmente reconheceu formalmente a pandemia em 13 de março. E 190.909 morreram, de acordo com o rastreador mundial de coronavírus da Universidade Johns Hopkins, uma das fontes mais confiáveis.

É como se cada homem, mulher e criança da população de Chicago e Los Angeles pegassem o vírus, morrendo uma população comparável à de Mobile, Alabama, e mais 2.000 pessoas em seus subúrbios. Os EUA respondem por 22,8% das pessoas com teste positivo no mundo, e 21% dos mortos, tudo por causa da falta de ação de Trump.

Não é à toa que um cartaz postado em uma foto no twitter  diga Trump “Assassino”.

O livro de Woodward antecede a eleição de novembro em menos de 60 dias. Portanto, pode ser chamado de “surpresa de setembro” antes da votação, em vez de “surpresa (s) de outubro” que aconteceram antes das últimas eleições presidenciais nos EUA.

A revelação do coronavírus é a principal do livro e causou grande indignação.

Woodward também conversou com funcionários de Trump, ex-altos funcionários do governo e outras fontes. As conversas mostram que Trump freqüentemente trocava cartas de bajulação com o líder norte-coreano Kim Jong Un, que sempre se dirigia ao presidente como “Sua Excelência”.

Trump disse publicamente que estava tentando desnuclearizar a Coreia do Norte. A CIA disse a Trump que suas conversas não funcionariam. Ele descartou isso, mas a CIA estava certa. Eles sabiam que são os EUA o agressor na Península Coreana. Os EUA têm a Península cercada de armas nucleares e dezenas de milhares de soldados na Coreia do Sul ameaçando a soberania da Coreia do Norte.

“Eu conheci. Grande negócio f ** king,” disse Trump a Woodward. “Eu conheci e não desisti de nada.”

Trump também viu as negociações com o líder coreano na perspectiva de um negócio imobiliário, com Kim tendo dúvidas sobre a venda de sua casa. “Nós nos apaixonamos”, disse Trump sobre sua troca de cartas com Kim.

Trump se gabou de suas reuniões com líderes estrangeiros em geral. “É engraçado, os relacionamentos que tenho, quanto mais duros e mesquinhos, melhor me dou bem com eles”, disse Trump depois de conhecer o líder turco Recep Tayyip Erdogan. “Você sabe? Explique-me isso algum dia, ok?”

Trump insistiu em chamar seu antecessor, o presidente democrata Barack Obama, usando o primeiro e o segundo nomes de Obama: “Barack Hussein”, enfatizando o nome do meio.

É a continuação da campanha “birther” (sobre o nascimento) de Trump contra Obama, que Trump começou anos antes. Os “birthers” alegam que Obama, cujo pai era queniano, nasceu lá e é muçulmano. Na verdade Obama nasceu no Havaí e é cristão.

Quando milhões de pessoas, cerca de 10% da população dos EUA, saíram às ruas para exigir o fim do racismo sistemático da nação e da glorificação do privilégio branco, Trump negou que o problema existisse.

“Não. Você realmente bebeu Kool-Aid, não é?” disse a Woodward, ele próprio filho de uma família branca privilegiada, embora não tão rica quanto a de Trump. “Apenas ouça a você mesmo. Uau. Não, eu não sinto isso”, ele disse sobre os benefícios do privilégio branco.

“Bebeu o Kool-Aid” refere-se a um massacre extremista cometido pelo líder de culto Jim Jones, que levou seus seguidores ao suicídio na selva da Guiana várias décadas atrás. Jones alimentou dezenas deles, e teve a assistência de Leo Ryan; deu a eles Kool-Aid envenenada.

Trump se gabou voluntariamente para Woodward dois dias depois que suas tropas expulsaram os manifestantes pacíficos no Lafayette Park, em Washington, para que ele pudesse ir da Casa Branca para brandir uma Bíblia em frente a uma igreja histórica.

“Vamos nos preparar para enviar os militares da Guarda Nacional para alguns desses pobres coitados que não sabem o que estão fazendo, esses pobres esquerdistas radicais”, disse Trump, que revelou a Woodward a existência de um sistema secreto de armas nucleares, sem entrar em detalhes. Woodward confirmou sua existência com outros funcionários.

As mentiras de Trump são muitas. Verificadores de fatos documentaram aproximadamente 20.000 mentiras e distorções, cuja frequência aumenta com a proximidade da eleição.

“Ele me diz isso e eu fico pensando,‘Uau, isso é interessante, mas é verdade?’ Trump diz coisas que não dão certo, certo?’”, disse Woodward.

As fitas também pintam retratos nada lisonjeiros das lutas internas na Casa Branca, que foi um tema importante do livro anterior de Woodward sobre o governo de Trump, “Fear” (“Medo“) . E alguns dos ex-altos funcionários do Trump, notadamente o ex-secretário de Defesa Jim Mattis, falaram sobre como conter Trump e, particularmente, seu acesso às armas nucleares.

A reação às revelações foi forte.

O candidato democrata Joe Biden, adversário de Trump neste outono, reservou um tempo de um discurso para metalúrgicos em Warren, Michigan, para falar sobre o livro e as entrevistas de Trump.

“Ele sabia e minimizou propositalmente”, disse Biden sobre a resposta de Trump, ou a falta de, à pandemia. “Pior, ele mentiu para o povo dos EUA. Ele mentiu intencionalmente, durante meses, sobre a ameaça que representava ao país.”

Um dos três legisladores que perderam parentes para o vírus, foi a deputada Ilhan Omar (Democrata, Minnesota), cujo pai, Nur Omar Mahomed, morreu de covid19 em junho. “Só consigo pensar em meu pai e nas quase 200.000 outras pessoas que perderam suas vidas para a Covid-19 como resultado da negligência grosseira e das mentiras desse presidente”, tuitou Omar. “Trump tinha o poder de salvar vidas e fez o possível para não o fazer.”

Bernstein chamou o que as fitas revelam de “um dos maiores crimes presidenciais de todos os tempos” nos EUA.

“Nós o ouvimos encobrir esta grave emergência nacional. Este é um dos maiores crimes presidenciais de todos os tempos – talvez o maior crime presidencial, e temos a fita fumegante do presidente cometendo o crime”, disse.

A arma fumegante nas fitas de Watergate foi Nixon ordenando o encobrimento do invasão e outras ações da Casa Branca para afrontar a Constituição e fraudar a eleição de 1972.

“O que você ouve repetidamente é o presidente se esquecendo do interesse nacional, vendendo o interesse nacional, minimizando o interesse nacional e focando no seu próprio interesse, de sua família, de suas próprias finanças”, disse Bernstein.

“Esse é o texto deste livro, não um subtexto. É o texto dessas fitas – minando nosso bem-estar deliberadamente para seus próprios fins. É impressionante e, como eu disse, um crime presidencial diferente de qualquer outro que conhecemos em nossa história”, acrescentou. Bernstein também disse que se os defensores de Trump no Partido Republicano tentarem explicar as ações do ocupante do Salão Oval, eles também serão responsáveis ​​pelo desastre.

“Esta é uma espécie de negligência homicida. Milhares e milhares de pessoas perderam a vida porque o presidente colocou seu próprio interesse na reeleição”, disse.

 

*Mark Gruenberg dirige o escritório de “People’s World” em Washington. É também editor da Press Associates Inc. (PAI), um serviço de notícias sindicais.

 

Fonte: “People’s World“; tradução: José Carlos Ruy