O general Mattis - ex-Pentágono - já disse que Trump é o 1º presidente que não busca unir os americanos | Foto: AP

À medida que o fatídico 3 de novembro se aproxima, mais a metralhadora giratória de Donald Trump dispara para todo lado e acertou em cheio os altos mandos, que deram o troco, e já há quem fale em “crise militar” nos EUA.

O comandante-em-chefe do fracasso na guerra à pandemia, que em matéria de mortos só fica atrás da II Guerra Mundial, Trump, que deu ao Pentágono o maior orçamento da história e até ensaiou uma dancinha com feudais sauditas comemorando uma venda bilionária de armas em Riad, resolveu agora dizer que são os generais que querem “manter as guerras” para deixar “satisfeitos” os fabricantes de armas.

Só faltou dizer que são eles, e não o próprio Trump, que vivem rasgando tratados um atrás do outro, inclusive os com implicação direta na segurança diante do risco de guerra nuclear.

Essas observações são de bom tom, antes que alguém se anime e veja em Trump outro Eisenhower denunciando o “complexo militar americano” ou leve a sério suas promessas de dar fim “às guerras sem fim”.

Na quarta-feira, o Pentágono anunciou mais uma retirada a conta-gotas do Iraque, de dois mil soldados, apesar da ampla rejeição no país árabe sobre sua presença lá, ainda mais após o assassinato do principal líder militar iraniano, general Suleimani, em solo iraquiano.

Um crime de guerra, aliás, com as digitais de Trump. Se não fosse a cabeça fria dos líderes iranianos, Trump não teria escapado à regra de cada presidente norte-americano começar uma guerra para chamar de sua (e às vezes, para fugir de algum escândalo interno). Outros 4 mil soldados deixarão o Afeganistão até outubro.

O tiroteio verbal entre a Casa Branca e os generais do Pentágono foi motivado pelo comentário de Trump de que o alto escalão não quer “fazer nada além de lutar em guerras para que todas aquelas empresas maravilhosas que fazem as bombas e os aviões e fazem todo o resto fiquem felizes”. Disse ainda, que os generais não gostam dele, mas os soldados “o adoram”. No início da divagação, o alvo era Biden, do qual disse ser “defensor das guerras sem fim”.

Precisou o chefe do Estado Maior do Exército, general James McConville, durante um fórum online voltado para os assuntos militares, garantir “ao povo americano que os principais líderes só recomendam enviar nossas tropas para o combate quando isso é requisitado pela Segurança Nacional” e “só em último recurso”.

O constrangimento trazido pela lavagem de roupa suja à luz do dia foi expresso pelo principal republicano no Comitê de Serviços Armados da Câmara de deputados, Mac Thornberry.

“Eu sei que o presidente fala muito para causar efeito, mas ter um comandante-chefe questionando as motivações dos líderes militares e basicamente dizer que eles estão nisso por si mesmos é errado e dá aos nossos adversários uma brecha”, lamentou.

“Mesmo se você pensar assim, não deveria dizer”, acrescentou. “Você pode dizer, bem, o julgamento deles está errado ou eles pensam muito da mesma forma”, sugeriu Thornberry. “Mas sua motivação, seu patriotismo é para mim, sem dúvida. São indivíduos notáveis.”

Mas essa era a segunda rodada da pancadaria nas relações militares/Trump. O primeiro foi o vazamento, através da revista Atlantic, que é propriedade da bilionária viúva de Steve Jobs, de que, durante sua visita à França em 2018, Trump teria se recusado a ir ao cemitério militar Aisne-Marne, onde estão sepultados soldados norte-americanos que tombaram na I Guerra Mundial, dizendo que não passavam de “perdedores” e “otários”.

A I Guerra Mundial, como dizem os clássicos, era uma guerra de bandidos, pela partilha do planeta, pela pilhagem de todos em prol de uns poucos. Os jovens norte-americanos, empurrados para aquela guerra estúpida e venal não eram “perdedores” ou “otários”. Eram carne de canhão, enquanto os banqueiros norte-americanos ganhavam muito durante a guerra, e mais ainda depois dela, gerindo as reparações de guerra, combustível da guerra seguinte.

Que o “perdedores e otários” soa como uma observação bem trumpista, lá isso soa.

Trump, que é do time dos espertos, nascido em berço de ouro, fugiu da guerra do Vietnã, comprando um atestado de que tinha um problema no pé. O que foi muito comum na época, W. Bush que o diga. Morrer numa guerra é mesmo para pobretão e otário.

Várias fontes confirmaram o comentário de Trump na França, que nega tudo. Ele, logo ele, troçar de mortos na I Guerra? Não, ele ama os veteranos. Tudo não passa de mais uma fake news, emenda a Casa Branca.

Além da Atlantic, confirmaram o desairoso comentário a Associated Press, o Washington Post e até mesmo uma repórter da Fox News, cuja demissão já foi pedida por Trump.

Antes disso, já houvera o episódio da “Marcha a Jericó”, aquela caminhada desde a Casa Branca até a igreja de St. John, depois de suprimir na pancadaria uma manifestação pacífica no Parque Laffayette, para Trump posar para uma foto “lei e ordem” com uma bíblia na mão.

Depois, o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general Mark Milley, que acompanhara, junto com o Secretário de Defesa, a marcha de Trump à igreja, pediu desculpas em público, dizendo que era inadequado.

Tornou-se um escândalo o fato de que Trump chegou a trazer para os arredores de Washington tropas paraquedistas de elite e queria lançar tropas militares contra os manifestantes que repudiavam o linchamento do negro George Floyd, asfixiado com o joelho por um policial racista.

Esses arreganhos de Trump, que poderiam ter criado um grave impasse nos EUA naquele momento, haviam sido repelidos de forma enérgica pelo ex-chefe do Pentágono do próprio Trump, o general James Mattis. Manifestação logo repercutida por outros generais de prestígio da reserva.

Mattis acusou Trump de “não tentar unir o povo americano. Ele nem sequer finge tentar. Em vez disso, tenta nos dividir. Estamos testemunhando as consequências de três anos desse esforço deliberado”.

A crise foi séria, com o secretário da Defesa, Mark Esper, rejeitando a ameaça de Trump de usar uma lei de 1807 para reprimir as manifestações que ocorriam em centenas de cidades.

“A opção de usar forças ativas em uma função de aplicação da lei somente deveria ser levada em conta como último recurso e apenas nas situações mais urgentes e terríveis”, declarou. Houve, ainda, o pronunciamento do chefe de Estado Maior da Força Aérea, general David Goldfein, declarando que “todo Americano deveria se sentir ultrajado pelo assassinato de George Floyd pela polícia”.

Como pano de fundo de todas as especulações, a dúbia declaração de Trump dizendo que iria “pensar” se aceitaria o resultado, caso perca, ao mesmo tempo em que infla entre seu eleitorado a fake news de que o voto pelo correio – tradicional nos EUA e com previsão de se multiplicar em razão da pandemia – seria sujeito a fraude.

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