Retórica de Trump contra os protestos antirracistas já causou três mortes a tiros nos EUA

O incitamento à violência, em nome da “lei e ordem”, pelo presidente Donald Trump já causou, em uma semana, três mortes a tiros nos EUA, a dois meses das eleições, e o candidato democrata Joe Biden denunciou que Trump “está jogando gasolina” em cada incêndio na América.

“Ele deveria estar protegendo este país, mas em vez disso está torcendo pelo caos e pela violência. A simples verdade é que Donald Trump falhou em proteger a América. Portanto, agora ele está tentando assustar a América”, afirmou o candidato democrata.

O que faz sentido. Com a economia nos EUA no chão e milhões de desempregados, Trump está empenhado em evitar que a votação de 3 de novembro se torne um plebiscito sobre a catastrófica resposta de seu governo à pandemia, cujo resultado é, no país mais rico do mundo, 6 milhões de infectados e 185 mil mortos pelo vírus, um recorde planetário.

A retórica tóxica de Trump e sua corriola na convenção, rapidamente gerou efeito: na terça-feira passada, um adolescente de 17 anos, ligado a uma milícia extremista, assassinou a tiros dois manifestantes antirracistas, na pequena cidade de Kenosha, no estado de Wisconsin, em que o ataque de um policial branco contra um negro – sete tiros pelas costas e diante dos filhos dele, deixando-o paralisado da cintura para baixo no hospital – provocou uma revolta. Kyle Rittenhouse se deslocara do Estado vizinho de Illinois para lá, e sabe-se que em janeiro compareceu a um comício de Trump.

Na noite de sábado, uma caravana de centenas de adeptos de Trump deslocou-se em carreata até Portland – cidade em que o protesto contra a asfixia do negro George Floyd ainda continua – para fazer provocações contra a manifestação, e num episódio pouco claro, um trumpista foi baleado e morto. Ele usava um chapéu com a insígnia de Patriot Prayer, grupo de extrema direita há anos envolvido em violência na cidade, de acordo com a rádio pública do Oregon (OPB).

Nesse clima, a Casa Branca anunciou a ida, nesta terça-feira, de Trump a Kenosha. Seu filho, Donald Jr, um dos que na Convenção Republicana fez exortações sobre “as turbas socialistas”, retuitou uma postagem do comentarista de direita Tim Pool declarando que Rittenhouse “é um bom exemplo de porque decidi votar em Trump” e elogiando o assassino por “vir proteger as empresas e oferecer apoio médico às pessoas”. Um apresentador da Fox News, Tucker Carlos, elogiou o atirador “por manter a ordem quando ninguém mais o fazia”.

No fim de semana, ao ser indagado por jornalistas sobre os assassinatos, Trump se recusou a condená-los, limitando-se a repetir que o governo “estava olhando com muito cuidado” e culpando os manifestantes, já que “Wisconsin não deveria ter de aturar o que eles passaram”. E, pelo Twitter, voltou a bater na tecla da “lei e ordem!”

Apologia da violência já em curso que recebeu pronta resposta do reverendo William Barber, da Campanha das Pessoas Pobres: “o apoio de Trump aos racistas e sua falta de apoio à justiça estão no centro de tudo o que vemos acontecendo”.

Não é segredo que Trump minimiza o problema dos assassinatos de negros americanos pela polícia e que considera o movimento Black Lives Matter (Vidas de Negros Importam) um “símbolo de ódio”, ao mesmo tempo em que defende os símbolos escravagistas confederados como “expressões da história”. No confronto em Charlottesville em 2017, em que uma manifestante antifascista foi morta por um supremacista branco, Trump asseverou que “havia muita gente boa de ambos os lados”.

Na segunda-feira, a um grupo de repórteres e apoiadores, Biden advertiu: “Alguém acredita que haverá menos violência na América se Donald Trump for reeleito?” “Precisamos de justiça na América. E precisamos de segurança na América”, acrescentou.

Ou como vêm dizendo os manifestantes: “sem justiça, sem paz”.

Com a cúpula trumpista tentando caracterizar Biden como um “cavalo de tróia do socialismo”, sob controle da “esquerda radical” e das “turbas nas ruas”, para amedrontar o eleitorado rural, ele rebateu a acusação do vice Mike Pence de que “ninguém estará seguro na América de Biden”.

“A violência que estamos vendo: estas não são imagens de algum Joe Biden imaginado no futuro, mas da América de Donald Trump hoje”, assinalou o candidato democrata. “Trump vive dizendo que se ao menos fosse presidente, isso não aconteceria, se ele fosse presidente, continua dizendo, se ele fosse presidente você se sentiria seguro. Ele é presidente, saiba disso ou não, e está acontecendo”, destacou.

“O fio condutor? Um presidente em exercício que torna as coisas piores, não melhores”, enfatizou Biden. “Um presidente em exercício que semeia o caos em vez de propiciar ordem.”

Biden trouxe de volta o debate do abissal fracasso de Trump, por sua incúria e obscurantismo, diante da pandemia, e o desastre econômico decorrente.

“Sr. Trump, quer falar sobre o medo? Sabe do que as pessoas têm medo na América? Medo de que vão pegar Covid. Medo de que vão ficar doentes e morrer e isso é, em grande parte, por sua causa”, bateu duro Biden.

O democrata afirmou que Trump vem sendo um “veneno” para os Estados Unidos.

“Chegamos a um momento dessa campanha que todos sabíamos que chegaríamos: o momento em que Donald Trump estaria tão desesperado, que faria qualquer coisa para se manter no poder”, acrescentou.

“Donald Trump tem sido uma presença tóxica em nossa nação por quatro anos. Envenenando a maneira como falamos uns com os outros. Envenenando a forma como tratamos uns aos outros. Envenenando os valores que esta nação sempre teve em alta. Envenenando nossa própria democracia”, disse ele.

Segundo Biden, ainda há esperança. “Trump procurou refazer esta nação à sua imagem: egoísta, irado, sombrio e divisivo. Não somos assim. No nosso melhor, a América sempre foi – e se eu tiver algo a ver com isso – será novamente, generosa, confiante, uma nação otimista, cheia de esperança e determinação”, disse ele.

A campanha de Biden também divulgou um vídeo novo de resposta, em que afirma: “o presidente incita violência, inspira atiradores supremacistas brancos, e sua fracassada resposta à Covid está custando milhares de vidas por dia. Quando você olha o mundo agora, pergunte a si próprio: você se sente seguro na América de Trump?”

O anúncio lembra como os republicanos levaram um casal de St Louis para sua convenção por ter brandido armas de fogo contra manifestantes pela justiça racial. Ou como minimizaram o morticínio no ano passado no Walmart de El Paso, contra imigrantes, cometido por um supremacista branco. Ou a “boa gente” que recebeu aprovação tácita de Trump no comício de Charllotesville em que neonazistas carregavam tochas e gritavam “os judeus não vão nos substituir”.

Enquanto Trump e seus asseclas chamam os manifestantes contra a injustiça e a desigualdade de “violentos” ao mesmo tempo em que acham o supra-sumo da civilidade a truculência policial, as milícias supremacistas, a xenofobia e o muro, Biden não se esquivou de entrar na questão.

Ele chamou o povo a não cair no jogo de Trump. “Não, não é o que o Dr. [Martin Luther] King ou John Lewis ensinaram”, referindo-se a alguns episódios em que ocorreram incêndios ou saqueios em meio à revolta. “[Isso] deve acabar”, acrescentou. “Os incêndios estão queimando – e temos um presidente que atiça as chamas”, denunciou.

Biden disse que é preciso ser neste momento “absolutamente claro” quanto a isso. “Tumultos não são protestos . Saquear não é protestar. Atear fogo não é protestar. Nada disso é protestar. É ilegal. Puro e simples”. Ele assinalou que tal violência “não trará mudanças, só trará destruição. Divide em vez de unir, destrói negócios, apenas prejudica as famílias trabalhadoras que servem à comunidade. Torna as coisas piores em toda a linha, não melhor.”

Sobre a morte em Portland, Biden também se pronunciou contra e cobrou de Trump posicionamento idêntico quanto a esse tipo de situação. “Não importa se você acha as opiniões políticas de seus oponentes abomináveis, qualquer perda de vidas é uma tragédia. Hoje há outra família sofrendo na América, e Jill e eu oferecemos nossas mais profundas condolências”.

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