Membros dos Proud Boys torcem por Trump e fazem com as mãos sinais de "poder branco", 26 de  setembro de 2020, em Portland, Oregon. | Foto: John Locher / AP |

Por Chauncey K. Robinson (*)

Uma milícia da supremacia branca planejou sequestrar a governadora democrata de Michigan. Não foi um acaso. Um relatório recente do Department of Homeland Security (DHS -Departamento de Segurança Interna) diz que os grupos de supremacia branca formam a mais perigosa ameaça extremista interna nos EUA. Apesar dessa descoberta, o presidente continua não apenas a se recusar a condenar totalmente a supremacia branca, mas, ao invés disso, a encoraja e repete sua retórica.

No passado, a ideologia da supremacia branca foi usada para dividir os trabalhadores e trouxe terror para muitas pessoas de cor. No presente, aqueles que seguem este pensamento extremista de direita ameaçam as próximas eleições com formas violentas e intimidadoras de repressão aos eleitores. No futuro, a sociedade nunca será capaz de evoluir em todo o seu potencial se uma ideologia como essa tiver espaço para prosperar e recrutar seguidores. À medida que se avança para os dias finais da eleição mais importante de nossa vida, deve-se lidar com esse perigo crescente – perguntando por que ele continua e que ameaça representa para a luta pela verdadeira democracia.

O ano passado foi considerado, de acordo com o relatório do DHS, o mais mortal da violência extremista interna já registrado desde o atentado à bomba em Oklahoma City em 1995. Os supremacistas brancos foram responsáveis ​​pela maior parte da carnificina em 2019, causando 39 das 48 mortes e cometendo metade dos ataques letais registrados.

2019 foi talvez a centelha inicial do que em 2020 se transformou num incêndio de terror e violência ideológica. A má gestão da pandemia de coronavírus pelo governo Trump gerou agitação e caos econômico – dando às organizações de supremacia branca a oportunidade de tirar vantagem da situação, com resultados mortais.

No meio de uma pandemia global que tirou a vida de mais de 220.000 pessoas nos EUA, protestos massivos eclodiram em todo o país nos últimos meses. Os protestos Black Lives Matter (BLM) levaram centenas de milhares às ruas para exigir justiça contra a brutalidade policial. Para conter esses protestos, grupos armados de extremistas têm se apresentado como auxiliares não oficiais da aplicação da lei e como guardas de segurança vigilantes. Muitos carregam seus rifles sob o pretexto de proteger a propriedade, e são os iniciadores da violência.

Os exemplos são muitos. Steven Ray Baca, membro do grupo de milícia de direita da Guarda Civil do Novo México, abriu fogo contra um grupo de manifestantes depois do início de uma luta. Isso resultou em um manifestante sendo baleado várias vezes. Na Virgínia, Harry H. Rogers jogou seu caminhão contra uma multidão de BLM; descobriu-se depois que ele era o chefe da Ku Klux Klan no estado. Kyle Rittenhouse, um apoiador de Trump de 17 anos de idade, foi preso em agosto por atirar em três manifestantes em Kenosha (Wisconsin). Rittenhouse fazia parte de uma milícia que afirmava estar ali para proteger a propriedade de “saques”.

Em outros incidentes, eles se infiltram em manifestações anti-racistas para incitar a destruição de propriedade e fornecer “evidências” para a narrativa de Trump de que os ativistas do BLM são desordeiros e saqueadores. Os Boogaloo Bois, um grupo extremista de extrema direita com muitos neonazistas, são conhecidos por se aproveitar do ativismo pela justiça social para causar o caos em sua busca por uma guerra civil. O “Star Tribune” relatou nesta semana que, em maio, Ivan Harrison Hunter, um membro do Boogaloo Bois, se infiltrou nos protestos do BLM em Minneapolis e abriu fogo com um fuzil  AK-47 contra o prédio do Terceiro Distrito do departamento de polícia e, enquanto fugia, gritava “Justiça para Floyd”. Ele foi acusado de incitamento à rebelião.

Grupos de supremacia branca também se organizam na própria pandemia. A frustração cresceu em relação à perda de empregos e restrições de vida devido a fechamentos. Com mais pessoas em casa e online, os supremacistas brancos têm recrutado em altas taxas nas redes sociais e fóruns de discussão. Jogando com conceitos racistas de extrema direita e teorias de conspiração, esses grupos têm sido capazes de trazer aos membros a ideia da necessidade de repelir o chamado “genocídio branco” que eles afirmam ameaçar os EUA de destruição.

O esquema mencionado anteriormente pelos 13 supremacistas brancos – membros da milícia Wolverine Watchmen – para sequestrar a governadora de Michigan pretendia ser o ato de abertura de uma guerra civil racial. Nesta semana, foi revelado que um homem branco, Alexander Hillel Treisman, preso pela primeira vez em maio, em Kannapolis (Carolina do Norte) e acusado de porte de pornografia infantil, também tinha uma van cheia de armas e explosivos e planos detalhados para assassinar Joe Biden. Relatórios afirmam que Treisman era conhecido por fazer “comentários racistas de extrema direita” que incluíam querer assassinar pessoas negras e realizar fuzilamentos em massa.

Pode-se argumentar que esse tipo de ameaça de extrema direita vem crescendo há anos. Estudos mostram que houve um aumento dramático desde 2007. No entanto, há uma grande diferença entre 2007 e agora – a pessoa que ocupa a Casa Branca.

Trump encoraja terroristas internos.

Ele afirma ser o “presidente da lei e da ordem”, mas suas ações mostram que ele promove a ilegalidade e a turbulência. Sua campanha de 2016 teve a mensagem não tão sutil de que tornar os EUA “ótimo de novo” significava torná-lo ótimo para os brancos. Em vez de abordar as preocupações dos trabalhadores quando se trata de salários de pobreza e exploração, ele mentiu para os trabalhadores brancos, fazendo-os acreditar que seu verdadeiro problema eram os “outros”. Isso não mudou em nada durante seus quatro anos no cargo, e a mensagem agora foi revigorada em seu esforço de reeleição em 2020.

Centenas de imigrantes, negros e pardos em sua maioria, permanecem em condições de vida abaixo da média em campos de detenção controlados pelo governo Trump. O presidente pintou esses trabalhadores não-documentados como criminosos tomando os empregos de trabalhadores (brancos), justificando o tratamento horrível dado a eles.

Trump tem constantemente chamado os manifestantes BLM de “bandidos” e divulgou uma narrativa de que todos eles vão se revoltar e “destruir os belos subúrbios”, uma clássica arenga racista. Isso deu aos grupos de supremacia branca a oportunidade de descer às áreas urbanas com suas armas, alegando ter se inspirado nas palavras de Trump para manter a ordem.

Desde o início das paralisações do covid-19, o presidente politizou incessantemente o vírus. Ele inicialmente tentou dizer que a pandemia era uma farsa democrata. Logo começou a culpar a China, desencadeando ataques anti-asiáticos. Seus tweets de “LIBERATE MINNESOTA!”, “LIBERATE MICHIGAN!” E “LIBERATE VIRGINIA!” não passaram despercebido, como se veria com a trama do sequestro meses depois.

O presidente tentou empurrar a ideia de que as próximas eleições estão sendo manipuladas contra ele pelas chamadas forças de esquerda corruptas. Enquanto inclina-se para teorias de conspiração anti-semitas de extrema direita como Q-Anon, Trump insinuou repetidamente que não estaria disposto a transferir o poder pacificamente se perder a disputa. Enquanto semeia dúvidas sobre o processo democrático de votação, ele faz o jogo dos extremistas de extrema direita que querem uma desculpa para pegar em armas no que afirmam ser uma defesa da verdadeira “liberdade”.

Embora não tenha sido tão aberto quanto sua chamada de “fique para trás e fique por perto” para os Proud Boys neofascistas em 29 de setembro, Trump continuou a apelar para os supremacistas brancos no debate presidencial final em 22 de outubro. Ele tentou alegar que, ao contrário de Biden, ele supostamente não era político e que certas agências governamentais, como o IRS [Internal Revenue Service – agência da receita federal do governo dos EUA – Nota da Redação] estavam trabalhando contra ele. Trump continuou a minimizar a gravidade do coronavírus enquanto lançava teorias de conspiração infundadas sobre as finanças de Biden. O presidente pretendia se descrever como o forasteiro do governo lutando por homens como ele – homens brancos.

Isso, é claro, joga com a ideologia dos extremistas de extrema direita que, de acordo com o DHS, almejam “…políticos e aqueles que eles acreditam que promovem o multiculturalismo e a globalização às custas da identidade WSE [extremista da supremacia branca]”. Isso também se conecta aos esforços do Departamento de Trabalho de Trump para atacar programas de trabalho de diversidade sob o pretexto de “racismo reverso” (algo que não existe) contra os brancos.

O país tem um homem no mais alto cargo do governo que inspira e oferece uma plataforma para terroristas internos. No entanto, embora Trump exacerbe o perigo, ele não é a principal causa de sua existência. E para combater esse perigo, entender de onde ele realmente se origina é fundamental.

Em tempos de turbulência, muitas vezes são promovidas ideologias que desviam a atenção dos problemas reais da sociedade. A radicalização dos brancos, muitas vezes homens, por uma ideologia que os faz se identificar com a construção social de sua raça branca em detrimento de quem está fora dela tem raízes profundas na perpetuação do capitalismo.

Os EUA, como todas as sociedades capitalistas, desde seu início dependeram da exploração do trabalho para aumentar a riqueza econômica e o poder de sua classe dominante. A supremacia branca desempenhou um papel fundamental, desde os dias iniciais das 13 colônias, ajudando a criar as condições que mantiveram a mão de obra barata.

Em meados de 1600, para impedir que servos contratados brancos e negros se unissem para combater as condições injustas de trabalho, os detentores do poder criaram uma distinção legal entre os trabalhadores a fim de semear a divisão entre eles. Pobres brancos proprietários de terras, servos brancos contratados e fazendeiros receberam alguns direitos e privilégios adicionais em comparação com os servos e escravos negros, que, é claro, não tinham direitos. A elite rica esperava separar os grupos e tornar menos provável que eles se unissem na resistência. Os brancos pobres eram encorajados a se identificar mais com patrões e proprietários de terras brancos ricos do que com seus colegas de trabalho de outras raças. Essas táticas divisionistas continuam até hoje.

Homens e mulheres trabalhadores brancos que são arrastados para essas organizações de supremacia branca pensam que estão fazendo isso para a melhoria de “seu povo”, sem perceber que a ideia da supremacia branca é obscurecer quem realmente são seus mais próximos – outros trabalhadores de todas as raças.

Trump está ciente disso. No entanto, mesmo quando Trump for (espero) removido do cargo, os ativistas que lutam por um mundo melhor ainda terão que lutar com essa ideologia que provoca tantos danos à causa da igualdade e da democracia.

Por que a disputa presidencial ainda está tão acirrada, mesmo quando o ódio de Trump foi constantemente exposto? Como se lida com o fato de que muitos homens e mulheres brancos estão dispostos a votar em um homem que mostrou seu desprezo não apenas por seus interesses, mas pela segurança de pessoas marginalizadas? Como se pode lutar pela unidade contra o ódio insidioso que explora os trabalhadores de todas as raças?

Não tenho as respostas, mas sei que o terror extremista da supremacia branca não pode ser ignorado. O primeiro passo é tirar Trump do cargo para acabar com seu símbolo de legitimidade, mas a batalha não termina aí, e temos que estar preparados para isso.

 

(*) Chauncey K. Robinson é editora de mídia social da “People’s World”.

Fonte: “People’s World”. Tradução: José Carlos Ruy