O presidente Donald Trump veio a público na segunda-feira (13) defender sua decisão de ordenar o assassinato do general iraniano Qassem Suleimani, dizendo que “realmente não importa” se este representava uma ameaça iminente aos EUA.
A nova tuitada se seguiu à declaração de seu chefe do Pentágono, Mark Esper, de que “não vira” quaisquer provas sobre ataques iminentes a embaixadas – na prática desmentindo frase de Trump de que Suleimani planejava atacar “quatro embaixadas”.
“A Fake News Media e seus parceiros democratas estão trabalhando duro para determinar se o futuro ataque do terrorista Suleimani era ou não ‘eminente’, (sic) e se minha equipe estava de acordo”, postou Trump, que, como está na moda entre os obscurantistas, assediou a ortografia ao invés de escrever “iminente”. “A resposta para ambos é um forte SIM, mas isso realmente não importa por causa de seu passado horrível!”
Para o Washington Post, estão “desmoronando” as alegações de Trump sobre “as quatro embaixadas” ameaçadas.
NYT: “TRAMA DE 18 MESES”
Também o New York Times, no domingo, publicou um relato detalhado, com base em fontes de alto nível dentro do governo dos EUA – aqueles amigos do Pentágono e da CIA na redação – de como foi tomada a decisão de assassinar o principal chefe militar iraniano.
Conforme o NYT, longe de ser uma decisão repentina de Trump, o planejamento do crime começou “há 18 meses”, com apoio do então conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, do secretário de Estado, Mike Pompeo, e da diretora da CIA Gina “Sanguinária”.
Apesar de o jornal não ver nada de excepcional em que o assassinato de uma alta autoridade estrangeira seja tramado e narra tudo quase como um roteiro de cinema, a matéria deixa claro que os motivos do regime Trump não tinham nada a ver com suposta ameaça “iminente”, mas com o desejo de retaliar contra os contratempos na intervenção dos EUA no Oriente Médio, em que eram a ele atribuídos um papel chave,
Na descrição do NYT, até o final de 2019, o general Suleimani podia se orgulhar de uma série de realizações: “Mr. Assad, um antigo aliado iraniano, estava em segurança no poder em Damasco”, a Força Quds tinha “uma presença permanente na fronteira de Israel” e várias milícias que ele ajudara a promover estavam “recebendo salários do governo iraquiano e exercendo poder no Iraque”.
DIGITAIS DE BOLTON E GINA SANGUINÁRIA
Naturalmente, mesmo no NYT não cabe a óbvia constatação de que estava tudo calmo com o Irã após o acordo de 2015, e que foi a retirada de Trump do acordo assinado pelo seu antecessor e a volta das drásticas sanções que tornaram a situação no Golfo explosiva.
Diz o jornal que foi Bolton, alegando o acirramento das tensões em maio (o impasse em Ormuz) pediu ao Pentágono e à CIA “novas opções”, e é aí que surge “entre as alternativas” o assassinato de Suleimani – a que Trump preferiu.
Provavelmente, a declaração anterior, por Washington, da Guarda Revolucionária Iraniana como “terrorista”, foi apenas uma feliz coincidência nesses “preparativos”. Diz o NYT que o “trabalho” para acompanhar as viagens de Suleimani “ficou mais intenso” a partir daí.
Em setembro, o Comando Central dos Estados Unidos [o comando do Pentágono para o Oriente Médio e Ásia Central] e o Comando Conjunto de Operações Especiais entraram no processo de planejamento do que é descrito como uma “possível operação”.
A FOTO DE SULEIMANI
Poucos dias antes de ser morto, Suleimani se encontrou com o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, no Líbano. Nasrallah o alertou, de acordo com o Times, “que a mídia americana estava se concentrando nele e publicando sua fotografia”. O jornal cita Nasrallah dizendo que isso era “a preparação política para seu assassinato”.
Nos dias que antecederam o ataque, a diretora da CIA, Gina Haspel, defendeu o assassinato segundo o Times, argumentando que “as conseqüências de não atacar o general Suleimani eram mais perigosas do que esperar”.
A folha corrida de Haspel inclue sua ligação com tortura em uma prisão secreta da CIA sob W. Bush e destruir fitas da CIA mostrando sessões de tortura, especialmente de waterboarding’ [técnica de afogamento].
À motivação pelo assassinato de Suleimani, o Times acrescenta outra, a de coesionar sua base republicana no julgamento do impeachment no Senado, atendendo aos falcões do partido.
DÓLAR DE SANGUE

À parte todas essas alegações, não se deve perder de vista a razão de fundo de Washington: o risco de o Iraque se somar ao Irã na desdolarização das vendas de petróleo, que ameaça o fundamento do sistema, instaurado após a quebra do padrão ouro sob Nixon em 1971.
E que consistiu em monopolizar em dólares a venda da commodity mais necessária do planeta, a energia sob a forma de petróleo e gás, de que praticamente todos precisam, forçando todos os países a dependerem do dólar, e a os reciclarem via especulação em Wall Street, compra de títulos do Tesouro e exportações aos EUA, com o tríplice déficit norte-americano servindo como ‘motor’ global, como mostrou o economista Michael Hudson.
Segundo ele, é essa monopolização da comercialização do petróleo em dólar que possibilita que sejam, efetivamente, os próprios países ocupados que paguem pela rede de 800 bases militares no exterior que servem para impor o mundo ‘unipolar’, cujo naufrágio Trump e sua escória tentam deter.
Como outros países que não os EUA são atualmente os maiores importadores de petróleo e gás, tal possibilidade – a desdolarização – se tornou real. Muitos analistas consideram, entre as principais razões para a invasão do Iraque e o ataque à Líbia, a decisão de seus governos de passarem a usar outra moeda que não o dólar para a venda de seu petróleo. Atualmente, a Rússia tem dado largos passos nesse sentido e, com a China, criou mecanismo para venda de petróleo em yuans, lastreado em ouro, e, para os europeus, o euro. As sanções forçaram o Irã a optar pelo euro.
À LUZ DO DIA
Também salta aos olhos o grau de criminalidade que o establishment norte-americano assumiu, quando passa a publicamente assassinar no planeta inteiro àqueles que declara inimigos, se arvorando em juiz, júri e algoz, e à revelia de qualquer norma civilizada.
O que era um quase prazer secreto para Obama, as “terças-feiras da morte”, em que escolhia em uma lista secreta os marcados para morrer explodidos por drones, se tornou um assassinato à luz do dia do principal líder militar iraniano.
Cometido contra todos os princípios legais internacionais e normas civilizadas, sob a folha de parreira da Lei de W. Bush da “Guerra ao Terror”.
Em 1975, após a derrota no Vietnã e a renúncia de Nixon, um comitê do Senado presidido por Frank Church expôs os planos de assassinato da CIA contra líderes estrangeiros, forçando o presidente Gerald Ford a assinar a Ordem Executiva 11905, que declara que “nenhum funcionário do governo dos Estados Unidos deve se envolver ou conspirar para se envolver em assassinatos políticos.”
Nesses anos, haviam sido muitos os assassinatos de líderes de países que não queriam ser colônias de Washington, e mais numerosas ainda as tentativas – mas eram operações secretas e jamais assumidas em público.
Sinal dos tempos, o assassinato de Suleimani envolveu o próprio presidente dos EUA, seu vice, e seus mais próximos auxiliares. Na prática, está revogada a Ordem Executiva 11905.
Suleimani foi assassinado em um terceiro país, o Iraque, enquanto atuava em uma capacidade oficial para se reunir com o primeiro-ministro iraquiano. Sendo, portanto, um crime de guerra e um ato de guerra.
O que torna ainda mais sórdida toda a operação foi o fato de que Trump havia pedido a Abdul Mahdi para intermediar uma desescalada entre a Arábia Saudita e o Irã e, como o primeiro-ministro iraquiano relatou ao parlamento, Suleimani veio para entregar pessoalmente resposta à mensagem de Riad, enviada através de Bagdá.