President Donald Trump addresses the nation from the White House on the ballistic missile strike that Iran launched against Iraqi air bases housing U.S. troops, Wednesday, Jan. 8, 2020, in Washington, accompanied by Vice President Mike Pence, Secretary of State Mike Pompeo, and others. (AP Photo/Alex Brandon)

O discurso desta quarta-feira (8) do presidente estadunidense Donald Trump era ansiosamente aguardado desde que o Irã deflagrou, na madrugada do mesmo dia, um contundente ataque com 22 mísseis, dos quais 17 atingiram a base aérea americana Ain al-Asad, no Iraque, em resposta pelo assassinato do general Qassem Soleimani.

Por Wevergton Brito Lima*

A mídia hegemônica internacional adotou um tom uníssono, a ponto de o jornal britânico The Guardian e o The New York Times exibirem em seus sites, logo após o discurso, quase que exatamente a mesma manchete, palavra por palavra: Trump se afasta de novo confronto militar com o Irã.

Manchetes praticamente iguais no The New York Times e no The Guardian

A toada foi seguida pela BBC (Em pronunciamento que reduziu a escalada de tensão com o Irã…), pela Reuters (Trump evita agravar crise com o Irã), pela DW (Presidente moderou o tom agressivo dos últimos dias e sinalizou que não pretende agravar o confronto) e por aí vai.

Não é preciso salientar que a mídia hegemônica brasileira apenas coloca em português o que os gringos escrevem.

Mas será que Trump disse isso mesmo? Vamos analisar seu discurso, parágrafo por parágrafo, através da transcrição publicada pelo The New York Times.

1º Parágrafo

O líder de extrema-direita, antes mesmo de saudar os presentes, adverte: “Enquanto eu for presidente dos Estados Unidos, o Irã nunca poderá ter uma arma nuclear”. Só depois disso vem um bom dia e a informação de que não teria havido baixas entre soldados americanos.

2º Parágrafo

Trump diz que o Irã “parece estar se acalmando”, afirmação bem estranha para quem acaba de sofrer um ataque pesado justamente do Irã e pouco depois do líder iraniano, Ali Khamenei, declarar ao mundo, em um discurso televisionado na cidade de Qom, que o ataque à base dos Estados Unidos no Iraque não foi suficiente e que é necessário expulsar as tropas americanas da região do Oriente Médio. Para Khamenei, “eles ganharam uma bofetada (com os lançamentos dos mísseis), mas tal ação militar não é suficiente. A presença corrupta dos EUA (no Oriente Médio) deve acabar“. Neste segundo parágrafo, Trump ainda atribuiu o fato de não ter havido baixas americanas às “precauções tomadas, à dispersão de forças e a um sistema de alerta precoce que funcionou muito bem”.

Do 3º ao 8º Parágrafos

Do terceiro ao oitavo parágrafos Trump dedicou-se inteiramente ao ataque contra o Irã, classificado como “principal patrocinador do terrorismo”, que “fomenta a violência, a agitação, o ódio e a guerra”, promotor de uma “campanha de terrorassassinato e caos (que) não será mais tolerada”, etc.; e contra a memória do general assassinado, tachado de “principal terrorista do mundo”, que “devia ter sido eliminado há muito tempo”, entre diversos outros insultos.

No que pode ser descrito como apogeu do cinismo, no 4º parágrafo Trump chega a atribuir ao Irã os ataques e mortes no Iêmen, Iraque, Síria, Afeganistão e Líbano, todos países vítimas de agressões diretas ou indiretas da sinistra aliança EUA-Otan/Israel/Arábia Saudita.

No 5º parágrafo, Trump exorta Reino Unido, Alemanha, França, Rússia e China a abandonar o que resta do acordo nuclear com o Irã, o chamado Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA na sigla em inglês). O pedido é irrealista em relação a Rússia e a China e tem grandes problemas para ser atendido pelos demais. Nesta mesma quarta-feira, Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, declarou ao parlamento: “é nossa opinião que o JCPOA continua sendo a melhor maneira de impedir a proliferação nuclear no Irã, a melhor maneira de incentivar os iranianos a não desenvolver uma arma nuclear”.

9º e 10º Parágrafos

Neste período do discurso Donald Trump fez campanha eleitoral aberta pela reeleição. “Nos últimos três anos, sob minha liderança, nossa economia está mais forte do que nunca e os Estados Unidos alcançaram independência energética. Essas realizações históricas mudaram nossas prioridades estratégicas. São conquistas que ninguém pensou serem possíveis. E opções no Oriente Médio se tornaram viáveis (…) As forças armadas americanas foram completamente reconstruídas sob minha administração a um custo de US $ 2,5 trilhões. As forças armadas dos EUA estão mais fortes do que nunca. Nossos mísseis são grandes, poderosos, precisos, letais e rápidos”.

11º e 12º Parágrafos

Finalmente, nos dois parágrafos que fecharam o discurso, Trump fala, ao seu modo, de paz. Atribuindo aos EUA a derrota do chamado Estado Islâmico, Trump diz que isso foi bom para o Irã e exorta: “devemos trabalhar juntos nesta e em outras prioridades compartilhadas”. No final do discurso dirige-se ao “povo e aos líderes do Irã” garantindo que “os Estados Unidos estão prontos para abraçar a paz com todos que a procuram”.

O objetivo principal

Dos doze parágrafos do discurso de Donald Trump, sete foram integralmente dedicados a um feroz ataque ao Irã, três exaltaram o próprio Trump ou as forças armadas estadunidenses e apenas dois falam de paz de um jeito muito confuso, pois como trabalhar “prioridades compartilhadas” com quem menos de 30 segundos antes era “uma ameaça ao mundo civilizado”?

Na verdade, em que pese o heroísmo do povo iraniano e o nosso desejo de que a paz prevaleça e se salvaguarde a soberania do Irã, ao meu ver o discurso de Trump representa uma tática momentânea, motivada principalmente por interesses econômicos, que não autoriza a falar em recuo do imperialismo ou projetar uma visão otimista quanto ao desenvolvimento das tensões provocadas pelo vil assassinato de Qassem Soleimani.

Trump reafirmou todos os elementos anteriormente presentes no confronto com o Irã: isolamento político e diplomático, sanções econômicas e ameaça bélica. Não anunciou um ataque militar para breve (até porque ataques deste tipo raramente são anunciados com antecedência) e apenas fez acenos tímidos de paz, avidamente supervalorizados pela mídia hegemônica internacional com um objetivo principal que logo ficou patente:

Petróleo despenca, ouro cai e ações sobem em NY após discurso de Trump”, trombeteou a manchete do Valor Investe, órgão do grupo Globo destinado ao mercado. “O pronunciamento do presidente americano, Donald Trump, confirmou a perspectiva dos investidores de que a escalada de tensões entre os Estados Unidos e o Irã não deve continuar. Com isso, os índices acionários americanos se firmaram em alta, enquanto o petróleo e os ativos de proteção passaram a anotar fortes quedas”, diz a matéria publicada pouco mais de 40 minutos após o fim do discurso.

Como confessa a matéria, o discurso de Trump “confirmou a perspectiva dos investidores”, ou seja, seguiu um determinado roteiro, que trouxe lucro a quem já o conhecia com antecedência.

Os mesmos investidores que lucraram com uma distensão momentânea são os que lucram com a guerra e com as consequências da guerra. Afinal, para eles é somente isso que importa, o lucro.

Para quem se interessa em defender vidas humanas e a paz mundial o discurso de hoje mostra que continuamos tendo muito com que nos preocupar, inclusive em relação à República Islâmica do Irã, com a qual devemos reforçar a solidariedade, na perspectiva da defesa da soberania iraniana e da solução pacífica da crise.