O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mandou demitir na sexta-feira três altos funcionários de seu governo, que testemunharam na Câmara dos Deputados confirmando as denúncias contra ele. Rápida retaliação que a mídia norte-americana apelidou de “massacre de sexta-feira à noite”.

O tenente-coronel do Exército dos EUA, Alexander Vindman, tido como o principal especialista ucraniano no Conselho de Segurança Nacional (CSN), foi escoltado para fora da Casa Branca, após receber cartão vermelho.

Segundo seu advogado, David Pressman, Vindman foi demitido “por dizer a verdade”.

Destino idêntico teve o embaixador dos EUA junto à União Europeia, Gordon Sondland, cujo depoimento meia-boca não contentou a Casa Branca. Ele não atendera à ordem de Trump para que seus subordinados, ainda que intimados, não comparecessem na Câmara para depor.

Sondland, cuja credencial para ter virado embaixador na UE foi o volume das doações para a campanha de Trump de 2016, admitiu na Câmara que estava seguindo as ordens do presidente quando pressionou as autoridades ucranianas a realizarem as investigações exigidas em telefonema prévio.

“Me informaram hoje de que o presidente tem a intenção de me demitir de forma imediata como embaixador dos Estados Unidos na União Europeia”, informou Sondland em comunicado. “Agradeço ao presidente Trump por ter-me dado a oportunidade de servir”, acrescentou.

O dono de hotéis agraciado com cargo de embaixador chegou a admitir no depoimento que havia trabalhado estreitamente com o advogado pessoal de Trump, Rudy Giuliani, que atuava para obter de Kiev a investigação da Burisma (Biden) e dos vínculos da Ucrânia com o Comitê Nacional Democrata na eleição de 2016 (o famoso ‘quid pro quo’).

“Como sempre, a Casa Branca foge da verdade”, sublinhou o líder da minoria no Senado, Chuck Schummer, que considerou as demissões “sinal de fraqueza” de Trump.

A investida de Trump foi comparada ao chamado massacre de sábado à noite do presidente Nixon, quando oficiais do Departamento de Justiça renunciaram após se recusarem a demitir o promotor especial que investigava o escândalo de Watergate.

Também o irmão gêmeo de Vindman, Yevgeny, igualmente tenente-coronel e que trabalhou como advogado no NSC, foi escoltado para fora da Casa Branca. Foi de Yevgeny o parecer liberando o manuscrito do livro de John Bolton – aquele que o Senado, por linhas partidárias, se recusou a ver, ou a deixá-lo testemunhar.

Nascidos na Ucrânia, Alexander e Yevgeny imigraram para os EUA quando crianças. Os dois serão devolvidos a uma escrivaninha em algum canto do Pentágono.

É de Vindman (o mais velho) a frase “eu não podia acreditar no que estava ouvindo”, confirmada por ele em novembro diante da comissão de investigação da Câmara, sobre o telefonema entre Trump e o novo presidente ucraniano, cujo vazamento desencadeou o processo de impeachment, afinal barrado há dois dias no Senado.

Foi essa declaração de Vindman o fio da meada para o avanço da investigação de impeachment na Câmara controlada pelos democratas, já que a acusação inicial partira de um agente da CIA sob anonimato, que dizia ter ouvido de segunda mão a história.

A jornalistas na Casa Branca, Trump voltou a posar de vítima dos democratas da Câmara e seu conluio com funcionários do governo. Indagado sobre Vindman, o presidente bilionário disse “não estar feliz com ele”. “Você acha que eu deveria estar feliz com ele?”

No sábado, Trump tuitou que Vindman “denunciou incorretamente o conteúdo dos meus telefonemas ‘perfeitos’” e asseverou ter recebido do superior do oficial demitido um relatório “horrendo” a respeito dele, por “problemas de julgamento e vazamento de informações”.

Nem com ele e, certamente, menos ainda com o senador Mitt Romney – o único republicano a votar que, sim, Trump cometeu abuso de poder – ou com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi. “Tenho certeza de que Trump está furioso por não poder demitir Pelosi”, disse a deputada democrata Jackie Speier

PORTA DE SAÍDA

Mas as demissões acompanhadas por escolta até a porta de saída da Casa Branca não foram, propriamente, uma surpresa. O comportamento de Trump, no tradicional café da manhã anual de oração nacional, na quinta-feira, como lembrou o ativista e ex-candidato a presidente, Ralph Nader, foi uma “explosão indecorosa”, que quebrou “todos os precedentes”. “Trump explodiu de raiva, vingança e planos de vingança”, acrescentou.

O tom iracundo do que deveria ser uma oração de congraçamento entre norte-americanos, também causou perplexidade entre líderes religiosos do país, como registrou a revista Time: “profundamente problemático”.

A participação de Trump no café da manhã da oração nacional mereceu de Nader o sarcástico comentário de que o presidente bilionário “nunca vai à igreja para expiar suas violações habituais e ao longo da carreira de sete dos dez mandamentos”.

Analistas consideram que seja improvável que o troco de Trump a Romney e a Pelosi se limite, respectivamente, a um vídeo de desmoralização já prometido ou às referências sobre a falsidade da democrata ao dizer que “rezava por ele”.

Em comunicado, Pelosi disse que a demissão de Vindman foi “um ato de retaliação claro e descarado que mostra o medo da verdade pelo presidente. A vingança do presidente é precisamente o que levou os senadores republicanos a serem cúmplices de seu encobrimento.”

“É o caso de retaliação mais evidente que eu vi nos meus 27 anos no Senado”, assinalou a senadora democrata Dianne Feinstein.

Pelo Twitter, Trump também já abriu as baterias contra um senador democrata, considerado conservador, que ele pretendia arrastar para votar por sua absolvição – ou seja, fazer com os democratas aquilo que o voto de Romney acabou representando no resultado final.

O presidente bilionário se disse “muito surpreso e decepcionado” com os votos de Joe Manchin, alegando que nenhum presidente havia feito mais por seu estado, a Virgínia Ocidental. Ele xingou Manchin de “fantoche” dos líderes democratas na Câmara e no Senado.

Um colunista do Washington Post, Michael Gerson, aliás, ex-escritor de discursos de W. Bush, se preocupou com Trump “tomado por raiva e ressentimento … para todos verem e ouvirem”. “Ele agora se sente desmarcado e incontrolável”, assinalou, acrescentando que é “o que acontece quando um sociopata se safa de alguma coisa”.

Um retrato e tanto, ainda mais da parte de quem conviveu na coxia de um presidente norte-americano, um dos mais sem noção. Por sua vez Dana Milbank, também do Post, após destacar como Trump descrevia seus oponentes políticos como “’ruins’, ‘sujos’, ‘horríveis’, ‘maus’, ‘doentes’, ‘corruptos’, ‘escória’, ‘vazadores’, ‘ mentirosos, ” viciosos ”, ‘maldosos’, ‘sem vida’, ‘não-gente’, ‘loucos de pedra’ e ‘as pessoas mais tortuosas, desonestas e sujas que já vi”, concluiu ironizando: “a descrição exata da pessoa que ele vê no espelho”.