“Precisamos das máscaras, não queremos que outras pessoas as obtenham”, disse o presidente dos EUA Donald Trump, expondo com crueza e cinismo o que uma autoridade alemã chamou de “ato de pirataria moderna”.

“Você poderia chamar isso de retaliação, porque é isso que é, é uma retaliação. Se as pessoas não nos derem o que precisamos, seremos muito durões”.

Na semana que se encerra neste domingo (5), vários países denunciaram que carregamentos de máscaras faciais – dramaticamente necessários em meio ao auge da pandemia de covid-19 – haviam sido desviados para os EUA.

O que foi feito através de corromper a cadeia de suprimentos em plena pista de aeroporto, oferecendo dinheiro vivo até quatro vezes mais, ou simplesmente se apossando da carga em alguma escala do voo para entrega.

Denunciaram o achaque a Alemanha, a França, o Brasil e o Canadá.

Cargas já pagas são praticamente sequestradas e contratos já assinados são cancelados sob a truculência de que Trump se gaba.

Trump asseverou que a situação era de alguma forma exatamente o “oposto” da acusação de “pirataria”. Ele não esclareceu exatamente o que quis dizer com isso, aparentemente sugerindo que havia alguma base legal para apreender remessas internacionais.

A remessa de 200 mil máscaras N95 com destino a Berlim, surrupiadas na escala em Bangkok, foi produzida pela fábrica na China da 3 M e já estava paga.

Um carregamento de 60 milhões de máscaras que regiões francesas haviam comprado da China foi desviado para os EUA. “Um pedido francês foi comprado em dinheiro pelos americanos na pista, e o avião que deveria voar para a França decolou para os EUA”, denunciou o presidente da Associação das Regiões da França, Renaud Muselier à RT France.

O mesmo ocorreu com o Brasil, conforme relatou o ministro da Saúde, Luis Henrique Mandetta: todo um carregamento de equipamentos de proteção individual (EPI) comprados na China foi desviado para os EUA e o Brasil ficou no prejuízo.

“Hoje os Estados Unidos mandaram 23 aviões cargueiros dos maiores para a China, para levar o material que eles adquiriram. As nossas compras, que tínhamos expectativa de concretizá-las para poder fazer o abastecimento, muitas caíram”, disse o ministro.

Mesma coisa com os respiradores usados em UTI. “Entregaram a primeira parte. Na segunda parte, mesmo com eles contratados, assinados, com o dinheiro para pagar, quem ganhou falou: não tenho mais os respiradores, não consigo te entregar”.

Na sexta-feira, a 3M, que produz máscaras e outros equipamentos de proteção, disse que o governo Trump ordenara que suspendesse as exportações para o Canadá e a América Latina.

O que, advertiu, teria “implicações humanitárias significativas” e poderia levar a retaliações de outros países contra os EUA.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, chiou que seu vizinho e suposto aliado lhe passasse assim a perna, na maior cara dura.

Já Trump disse estar usando o Ato de Produção de Defesa (DPA) “com muita força. Às vezes diretamente, em muitos casos indiretamente, apenas uma ameaça costuma ser suficiente”. A lei, do tempo da Guerra da Coreia, permite ao governo dirigir a produção interna dos EUA em situações de crise.

A 3M alertou o governo dos EUA sobre os perigos de invocar essa lei indiscriminadamente e de interromper complexas cadeias de suprimentos globais.

“A interrupção de toda exportação de respiradores produzidos nos EUA provavelmente levaria outros países a retaliar e fazer o mesmo, como alguns já fizeram”, disse a 3M em comunicado.

“Se isso acontecesse, o número líquido de respiradores disponibilizados para os EUA diminuiria de fato”, enfatizou a empresa.

“VELHO OESTE”

Uma autoridade alemã chamou o comportamento de Trump de volta ao “Velho Oeste”.

Tudo ao contrário do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe, que tem reiterado que, só juntos, é possível deter a pandemia e instado todos os países à cooperação contra “o inimigo comum da humanidade”, o coronavírus.

O total de casos da pandemia ultrapassou os 1,2 milhão no mundo todo, de acordo com a Universidade norte-americana Johns Hopkins, que criou um centro de referência sobre a Covid-19. O número de mortos já passa de 65 mil.

No momento, Itália e Espanha estão perto do auge da pandemia, e a situação está se agravando na França e Inglaterra, com o total de mortos na Europa superando os 30 mil. Também é grave o quadro no Irã, sob as sanções norte-americanas genocidas.

Itália, Espanha, França e Estados Unidos já superaram a China em total de mortos pela covid-19. Na América Latina, é terrível o quadro no Equador, com mortos abandonados nas ruas diante do colapso dos hospitais e crematórios. Na África, o continente mais pobre do mundo e com os sistemas de saúde mais frágeis, Nigéria e África do Sul já aplicam a quarentena.

Com 300 mil casos, os EUA se tornaram recordistas em contágios por coronavírus e o pior ainda está por vir. O maior país do mundo, a Rússia, acaba de prorrogar a quarentena até 30 de abril, suspendeu todos os voos para e do exterior, e tem prestado ajuda à Itália. A China está restaurando a economia para poder ajudar o mundo, e no sábado prestou uma homenagem às vítimas da pandemia.