Vigília em homenagem às vítimas do massacre em EL Paso, Texas, perpetrado pelo racista xenófobo Patrick Crusius. (Foto: Mark Ralston/AFP)
People hold up their phones during a prayer and candle vigil organized by the city, after a shooting left 20 people dead at the Cielo Vista Mall Wal-Mart in El Paso, Texas, on August 4, 2019. - A shooting at a Walmart store in Texas left multiple people dead. At least one suspect was taken into custody after the shooting in the border city of El Paso, triggering fear and panic among weekend shoppers as well as widespread condemnation. It was the second fatal shooting in less than a week at a Walmart store in the US and comes after a mass shooting in California last weekend. (Photo by Mark RALSTON / AFP)

Segue nos EUA a comoção provocada pelo assassinato com rifle de assalto de 20 pessoas, incluindo seis mexicanos, mais 26 feridos, em um supermercado Walmart, no sábado (3), por um racista que dirigiu mais de 1000 quilômetros por nove horas até El Paso, na fronteira com o México para, conforme vomitório postado em um portal xenófobo, “deter a invasão” de imigrantes.

Na segunda-feira (5), dois dos feridos não resistiram e também morreram. Com isso, o total de mexicanos mortos na chacina subiu para oito, e há ainda seis feridos.

Ao que se somaram mais nove mortos por rifle de assalto em Dayton, Ohio, e 27 feridos na madrugada de sábado para domingo, em ataque que durou um minuto.

Duas chacinas em apenas 13 horas, com 31 mortos. Uma semana antes, haviam sido três mortos num festival gastronômico em Gilroy, na Califórnia.

Com mais de 830 mil habitantes, 80% deles de origem latina, El Paso fica na margem do Rio Grande, próximo a Ciudad Juarez. O atirador foi identificado como Patrick Crusius, de 21 anos, morador de um subúrbio de Dallas, e que se rendeu à polícia.

O massacre de Dayton foi executado em um bar no centro histórico por um branco de 24 anos, Connor Betts, do qual sequer escapou a própria irmã. Seis das vítimas eram negras. Betts, que terminou sendo abatido pela polícia, no ensino médio chegou a ser suspenso por fazer uma lista de garotas que queria estuprar e matar, segundo a mídia norte-americana, mas ainda não está claro qual teria sido sua motivação.

PAPA, ONU E MÉXICO RECHAÇAM

Do mundo inteiro, vieram manifestações de repúdio aos massacres do fim de semana nos EUA, especialmente o de El Paso. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, rechaçou a matança e convocou todos a trabalharem contra o racismo e qualquer forma de discriminação que divida, “seja nos Estados Unidos, no México ou qualquer outra parte do mundo”.

O Papa Francisco, em pronunciamento na praça São Pedro, no Vaticano, se solidarizou com as famílias das vítimas e condenou os ataques contra “pessoas indefesas”.

O governo do México denunciou o massacre como um “ato de terrorismo” que “se bem se haja dado no território dos Estados Unidos”, é terrorismo “contra mexicanos”. O ministro das Relações Internacionais do governo López Obrador, Marcelo Ebrard, anunciou que seu país acompanhará a investigação e o processo “porque há oito mexicanos que perderam a vida”.

Na segunda-feira, ele se reuniu com familiares das vítimas em El Paso e visitou os compatriotas feridos nos hospitais.

ATIRADOR CULPA AS VÍTIMAS

Em seu ‘manifesto’ de ódio nas redes sociais, Crusius culpa as vítimas pela chacina prestes a cometer: “Eles são os instigadores, não eu. Eu estou simplesmente defendendo meu país da substituição cultural e étnica provocada por uma invasão”.

Chama seu crime hediondo e covarde de “resposta à invasão hispânica do Texas” – aliás, uma inversão completa da verdade histórica.

Assevera que “os hispânicos assumirão o controle do governo local e estadual do meu querido Texas, mudando a política para melhor atender às necessidades deles. Eles transformarão o Texas em um instrumento de golpe político que acelerará a destruição de nosso país”.

Na postagem, Crusius teve a preocupação de isentar Trump de qualquer responsabilidade, asseverando que seus temores sobre a ‘invasão hispânica’ precederam a chegada dele à Casa Branca.

TINTURAS FASCISTAS

Escusas à parte, difícil não ver que é o discurso racista, xenófobo e de tinturas fascistas de Trump o que enseja à irrupção desse esgoto à luz do dia.

Já transcorreram mais de dois anos desde que Trump chamou os mexicanos de “estupradores e criminosos” na campanha presidencial, para atrair os votos do ódio, e prometeu um “muro na fronteira pago pelos mexicanos”.

Faz pouco mais de um mês que Trump, pelo Twitter, decretou a caçada aos imigrantes e praticamente havia adotado de slogan semioficial de sua campanha à reeleição o famigerado ‘mandem-nos de volta’.

Slogan insinuado reiteradamente por Trump nas redes sociais, até ser formalizado, por uma horda, em um comício há cerca de dez dias, depois de reiteradas investidas contra quatro recém eleitas deputadas, cujo suposto opróbrio seria terem ascendência latina, islâmica ou negra.

Há dias, insultou Baltimore, cidade de maioria negra, como “um desastre infestado de ratos”.

Em março, partira dele a descrição da chegada de imigrantes à fronteira do sul como “uma invasão, realmente uma invasão”, contra a qual inclusive enviou tropas.

Foi essa pregação odienta, repetida, insistente, alertam as mais lúcidas vozes dos Estados Unidos, o que empurrou o racista alucinado até El Paso e lhe deu o sentido de ‘missão’, de gozar da simpatia do atual regime.

SLOGAN PREJUDICADO

Agora, a comoção nacional força Trump a correr atrás do prejuízo e ameaça inviabilizar um slogan tão bem urdido, potencialmente deixando capenga sua campanha para 2020.

A saída para Trump foi, da boca para fora, exorcizar o supremacismo branco, que sempre cevou. Para bodes expiatórios, arrumou os “distúrbios mentais” e os “videogames” que ensinam garotos a matar. Todos são culpados, menos ele, claro.

Sugeriu melhorar o atendimento aos doentes mentais, como se racismo fosse doença mental, e não, como é, a recusa em aceitar que os grilhões da escravidão foram quebrados. Anunciou que irá propor pena de morte para os tiroteios em massa. Falou no combate ao “terrorismo doméstico”.

De passagem, manteve intactos os mecanismos que permitem ao Cartel do Rifle manter seus lucros à custa da insegurança geral. Deixou sem resposta a interpelação do senador Bernie Sanders sobre a insanidade de que haja nos EUA cinco milhões de fuzis automáticos de assalto na mão do público – mais do que o número em poder do exército, segundo ele.

Ou seja, ficou intocada a modalidade mais banal da ‘doença americana’, a matança indiscriminada de pessoas por um atirador ensandecido, de que Columbine e Parkland são símbolos, e que alguém descreveu como “a violência que a plutocracia ianque desencadeou contra os povos do mundo, voltando para ciscar em casa, contra seu próprio povo”.

MENTOR?

Mas para quem disse tudo o que Trump já disse, como interpretar sua leitura do texto no teleprompter em que estava escrito “em uma só voz, nossa nação deve condenar o racismo, o fanatismo e a supremacia branca”. “Estas ideologias sinistras devem ser derrotadas. O ódio não tem lugar na América. O ódio distorce a mente, destrói o coração e devora a alma.”

Há dois meses, o incitamento de Trump à violência contra os imigrantes durante um comício teve como resposta de um dos frequentadores um “atire neles” – que foi tegirversada, mas não rechaçada, pelo presidente lúmpen-bilionário, que até sorriu, conforme lembrou a CNN.

No domingo, centenas de pessoas fizeram uma vigília em El Paso para homenagear as vítimas e denunciar o descalabro. Na boca de muitos, o sussurro que se propaga pelo país: “Crusius, assassino; Trump, o cúmplice”. Ou seria Trump, mentor intelectual, Crusius, instrumento?

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