O Capitólio dos EUA, sob nuvens ameaçadoras. Fotografia: Alex Edelman / AFP via Getty Images

Robert Reich (*)

A juíza conservadora Amy Coney Barrett caminha para sua confirmação, mas a reforma da Suprema Corte e do Senado é possível se Biden vencer e agir logo.

A não ser que ocorra um milagre, Amy Coney Barrett será confirmada na segunda-feira como a nona juíza da Suprema Corte dos EUA.

Esta é uma paródia de democracia.

A votação da confirmação de Barrett ocorrerá apenas oito dias antes do dia da eleição. Em contraste, o Senado não fez sequer uma audiência para aprovar Merrick Garland, quando Barack Obama o indicou, quase um ano antes do final de seu mandato. O líder da maioria na época, o republicano  Mitch McConnell argumentou que qualquer votação deveria esperar “até que tenhamos um novo presidente.”

Hoje, Barrett foi indicada por um presidente que perdeu no voto popular por quase 3 milhões de votos. Quando Barrett ingressar no tribunal, cinco dos nove juízes terão sido nomeados por presidentes que perderam no voto popular.

Os senadores republicanos que votarão nela representam 15 milhões de cidadãos a menos do que seus colegas democratas.

Uma vez no tribunal superior, Barrett se juntará a cinco outros reacionários que, juntos, serão capazes de declarar a inconstitucionalidade de leis, talvez durante uma geração.

A confirmação de Barrett culmina os anos em que um segmento cada vez mais conservador, rural e branco da população dos EUA impõe sua vontade ao resto do país. Foram financiados por grandes empresas, em busca de menores impostos e menos regulamentações.

No caso de Joe Biden se tornar presidente em 20 de janeiro e as duas casas do Congresso ficarem sob o controle democrata, eles poderão reverter essa tendência. Pode ser a última chance – tanto para os democratas quanto, mais importante, para a democracia dos EUA.

Para começar, podem aumentar o tamanho da Suprema Corte. A constituição nada diz sobre o número de juízes. O tamanho do tribunal mudou sete vezes em seus primeiros 80 anos, de apenas cinco juízes sob John Adams para dez sob Abraham Lincoln.

Biden diz que, se eleito, criará uma comissão bipartidária para estudar uma possível reforma do tribunal “porque está saindo do lugar”. Tudo bem, mas ele precisa se mover rapidamente. A janela de oportunidade pode fechar até as eleições de meio de mandato em 2022.

Em segundo lugar, abolir a possibilidade de obstrução no Senado. De acordo com as regras atuais, 60 votos são necessários para promulgar a legislação. Isso significa que se os democratas obtiverem a maioria absoluta, os republicanos podem bloquear qualquer nova legislação que Biden espera aprovar.

A obstrução poderia terminar com uma mudança de regra exigindo 51 votos. Há um apoio crescente entre os democratas para fazer isso se conseguirem essa quantidade de mandatos. Durante a campanha, Biden reconheceu que a obstrução se tornou uma força negativa para o governo.

A obstrução também não está na constituição.

A reforma estrutural mais ambiciosa seria reequilibrar o próprio Senado. Durante décadas, os estados rurais se esvaziaram à medida que a população dos EUA mudou para vastas megalópoles. O resultado foi uma disparidade crescente na representação, especialmente de eleitores não brancos.

Por exemplo, tanto a Califórnia, com uma população de 40 milhões, quanto o Wyoming, que tem 579.000 habitantes, recebem dois senadores. Se a tendência populacional continuar, em 2040 cerca de 40% dos estadunidenses viverão em apenas cinco estados, e metade do país será representada por 18 senadores, e a outra metade por 82.

Essa distorção se reflete no colégio eleitoral, porque o número de eleitores de cada estado é igual ao total de senadores e de deputados. Daí a vitória de presidentes recentes que perderam no voto popular mas ganharam no colégio eleitoral.

Esse desequilíbrio crescente pode ser remediado criando mais estados que representem a grande maioria dos  cidadãos. No mínimo, a condição de estado deve ser dada à capital, Washington. E dado que um em cada oito cidadãos agora vive na Califórnia – cuja economia, se fosse um país independente, seria a nona maior do mundo – por que não dividi-la em Norte e Sul da Califórnia?

A constituição também não menciona o número de estados.

Aqueles que recuam diante de reformas estruturais como as três que delineei advertem que os republicanos retaliarão quando voltarem ao poder. Esse argumento é lixo. Os republicanos já alteraram as regras básicas. Em 2016, não conseguiram obter a maioria dos votos para a Câmara, Senado ou a presidência, mas garantiram o controle de todas as três esferas do poder.

A ascensão de Barrett é a ilustração mais recente de como o desequilíbrio de poder se tornou grotesco e como continua a se entrincheirar cada vez mais profundamente. Se não for revertido logo, será impossível remediar.

O que está em jogo não é política partidária. É um governo representativo. Se os democratas tiverem a oportunidade, eles devem corrigir esse desequilíbrio crescente – pelo bem da democracia.

 

(*) Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos EUA, é professor na Universidade da Califórnia e colunista do “The Guardian”

Fonte: “The Guardian” | tradução: José Carlos Ruy