Trump agride Dr. Fauci e deixa entrevista por não gostar das perguntas
Sob o fogo de barragem das pesquisas desfavoráveis, e precisando correr atrás do prejuízo, o presidente Donald Trump freneticamente redobra sua apologia do obscurantismo diante da pandemia, corre de estado em estado conclamando à contaminação da Covid e ao fascismo, destrata o principal infectologista do país, o Dr. Anthony Fauci, insiste na fake news de que voto pelo correio “é fraude” e em seu mais recente destempero interrompeu a gravação de uma entrevista para o programa de domingo mais prestigiado da televisão norte-americana, o “60 Minutes”, por não gostar das perguntas.
Em uma videoconferência na segunda-feira, o alvo preferencial de Trump foi o Dr. Fauci – ataque feito no momento em que o contágio cresce em 48 de 50 estados, a média de infecções diárias nos EUA atinge os 60.000 e as hospitalizações aumentaram mais de 30% em relação a apenas quatro semanas atrás.
Um “incêndio descontrolado”, comparam os especialistas. O país acaba de atingir 8 milhões de casos de Covid-19, e o total de mortos ultrapassou 220 mil – o que é mais do que quatro vezes o número de soldados norte-americanos mortos no Vietnã.
O jeito que Trump arrumou de tentar evitar que a eleição vire um plebiscito sobre o desastre total dele no enfrentamento da pandemia foi se pavonear de sua recuperação da Covid e suposta imunidade, para asseverar que a doença não é o perigo que os médicos e os democratas pintam.
Farsa recebida com gritos de “Superman, Superman” pelos cabos eleitorais mais desvairados, naqueles comícios que vêm sendo ironicamente comparados às “covichelas’, apelido dado àquelas festinhas de trumpista para contágio de rebanho.
Trump também insiste em garantir que o fim da pandemia “está logo ali ao virar a esquina”. Aquela tática de começar a vacinação na véspera da eleição parece que já foi para o espaço, pela falta de competência dos monopólios farmacêuticos norte-americanos.
Quanto ao fricote contra o “60 Minutes” e a respeitada apresentadora Lesley Stahl, ocorreu após Trump, depois de 40 minutos de entrevista, ficar furibundo com as perguntas e se recusar a continuar para a segunda parte. Havia sido feito uma pausa, para 15 minutos de entrevista do vice, Mike Pence. As entrevistas são parte de uma matéria especial sobre eleições, que também contará com a chapa Biden-Kamala, a ir ao ar no domingo (25).
Pelo Twitter, Trump acusou a entrevista a ser transmitida de “falsa” e “tendenciosa”, e ameaçou postá-la com antecedência. Publicou, ainda, uma foto da “jornalista sem máscara”. Uma testemunha disse que na entrevista Stahl – que já teve Covid – estava usando máscara, e que a foto era com a equipe da CBS, que foi testada.
“As pessoas estão cansadas de ouvir Fauci e esses idiotas, todos esses idiotas que erraram”, afirmou o presidente Trump durante um telefonema, com os repórteres escutando. “Ele [Fauci] está aqui há 500 anos”, provocou. “Cada vez que ele vai à televisão, sempre há uma bomba, mas há uma bomba maior se você demiti-lo. Mas esse cara é um desastre.”
Em defesa de seus eventos superdisseminadores de coronavírus, Trump disse no mesmo telefonema que “as pessoas estão cansadas de Covid. Eu tenho os maiores comícios que já tive … As pessoas estão dizendo: ‘Tanto faz. Apenas nos deixe em paz.’ Eles estão cansados disso”.
“Fauci, se o escutássemos, teríamos 700.000 [ou] 800.000 mortes”, continuou Trump. Ao notar a presença de repórteres, disse que podiam deixar do “do jeito que eu disse, não estou nem aí”.
A irrupção de ira de Trump contra Fauci ocorreu após no ‘60 Minutes’ de domingo passado o infectologista ter dito que não ficara surpreso com o fato de o presidente ter contraído o vírus, devido à falta de medidas de prevenção na Casa Branca.
Fauci também rejeitou a descrição otimista do presidente do atual estado da pandemia: “quando você tem um milhão de mortes no mundo e mais de 30 milhões de infecções, não se pode dizer que estamos no caminho para essencialmente sair disso”.
O infectologista manifestou contrariedade por uma gravação dele ter sido manipulada por anúncio de campanha de Trump para passar a ideia de endosso da candidatura.
Se numa situação normal já seria difícil para as pessoas lidarem com uma pandemia para a qual ainda não há vacina nem tratamento e que implica em restrições à mobilidade e ao sustento, com um presidente desvairado que insufla a quebra das normas coletivas de proteção da saúde e da vida, então o resultado é um país dividido entre os que usam máscara e os de boné MAGA do Trump.
Além de cutucar Fauci sempre que pode, Trump nos comícios enfatiza que é seguro o ‘liberou geral’, defendido pelo seu mais recente acréscimo à Força-tarefa da Casa Branca contra o coronavírus, o Dr. Scott Atlas, um radiologista e ex-comentarista da Fox News, cuja principal qualificação é repetir as asneiras desejadas por Trump.
Mas como o Dr. Fauci goza de um respeito enorme no país, o infectologista segue sendo uma pedra no sapato de Trump. Ele voltou a se referir ao especialista, durante uma viagem de campanha ao Arizona: “Ele está lá há cerca de 350 anos. Eu não quero magoá-lo”. No comício em Prescott, a ideia fixa reapareceu: “Biden quer bloquear vocês. Ele quer ouvir o Dr. Fauci”.
Depois de ter orientado, no primeiro debate presidencial, a milícia Proud Boys a “recuar e ficar de prontidão”, em Michigan, estado em que o FBI e a polícia desbarataram uma gangue fascista que se preparava para sequestrar e assassinar a governadora democrata do Michigan, Gretchen Whitmer, por causa do ‘lockdown’, o clímax do comício de Trump foi uma multidão berrando “prendam-na”.
Em abril, o sinal verde para que as gangues fascistas achassem que estava na hora de agir foi a convocação de Trump no Twitter de “Libertem Michigan”, “Libertem Virgínia”, “Libertem Minnesota”. Na época, Michigan era o terceiro estado nos EUA em número de contágios e mortes.
“Vocês precisam fazer com que sua governadora abra o seu estado”, disse Trump, sob aplausos da turba. “Acho que dizem que ela foi ameaçada”, acrescentou cinicamente Trump, condenando o que chamou de bloqueios “draconianos e não científicos”.
À medida que o canto contra Whitmer ficava mais estridente, Trump reforçou no microfone: “Prendam todos eles”.
A resposta da governadora veio em tempo real, pelo Twitter: “esta é exatamente a retórica que colocou a mim, minha família e a vida de outros funcionários do governo em perigo enquanto tentamos salvar a vida de nossos conterrâneos. Isso precisa parar.”
Trump voltou a mentir de que a única maneira de perder seria se a eleição fosse “fraudada”, e a conclamar os trumpistas a “defenderem a Segunda Emenda”, isto é, o armamento generalizado de milícias extremistas.
Depois, quando a aglomeração trumpista começou a berrar “mais quatro anos! Mais quatro anos!”, o inquilino da Casa Branca interveio para dizer que “você realmente os enlouquece se diz mais 12 anos – mais 12 anos. Então eles dizem: é um fascista!”
Declaração que levou a turba ao delírio: “Mais doze anos! Mais doze anos!” Uma escritora, Jodi Jacobson, tuitou na noite de sábado: “Trump realizou uma manifestação nazista em Michigan. Não há outra maneira de descrever”.
Em comício em Carson City, Nevada, no domingo, Trump afirmou que a economia está crescendo “como um foguete”, o que é desmentido pelo tsunami de demissões, fechamento de empresas, esgotamento da ajuda federal e iminência de despejos em massa.
Trump se gabou de seu obscurantismo: “Se eu escutasse totalmente os cientistas, teríamos agora um país que estaria em uma depressão massiva”, fingindo que o país não está no meio de um recuo econômico sem precedentes.
“Somos como um foguete, dê uma olhada nos números”, insistiu Trump, poucos dias depois que o Departamento do Trabalho informou que mais 1,3 milhão de americanos solicitaram seguro-desemprego na semana que terminou em 10 de outubro. E quase 80 milhões nos EUA mal conseguem pagar as necessidades básicas, como comida e aluguel, segundo o Bureau do Censo.
Em Tucson, Arizona, na segunda-feira, Trump disse que Joe Biden é um marionete de “socialistas, comunistas e marxistas” e ainda acrescentou que “Sleepy Joe [Joe Sonolento]” irá entregar “nosso país à máfia”. Destino do qual Donald Trump jura que irá salvar o país.
Desde a publicação, pelo The New York Post, dos supostos e-mails do filho de Biden, Hunter, que teriam sido extraídos de um notebook deixado em uma oficina, Trump passou a chamar a família do oponente de “organização criminosa” – talvez por não gostar de concorrência. Voltou a pedir a prisão de Biden.
Trump também prometeu construir em seu segundo mandato o “Jardim Nacional dos Heróis Americanos”- ou talvez, pensando melhor, que tal “Jardim Trump dos Heróis Americanos”?. Que provavelmente serviria para acolher aquelas estátuas confederadas que andaram sendo derrubadas após o linchamento de George Floyd ou alvos estandartes da Klan.
Também se comprometeu em instituir um novo currículo educacional ‘pró-América’, para dar fim aos “insultos” à maravilhosa história norte-americana: escravidão, índio bom é índio morto, blood for oil, imperialismo.
Trump reiterou o racismo anti-China e rechaçou os “globalistas de esquerda”. Também se disse o único preocupado em “salvar os subúrbios (ricos)” por meio do bloqueio à construção de moradias de baixa renda. Não poupou elogios à polícia. Trump também tem insuflado a que republicanos invadam os locais de votação para ‘fiscalizar’.
Diz o ditado que cuidado e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. No caso, o alerta é de um gerente de campanha de Biden, citado pelo portal Politico, contra cantar vitória antes da votação.
Como a eleição nos EUA é decidida no colégio eleitoral e não basta ganhar na votação geral nacional, o alerta é quanto a que, em alguns estados campos de batalha, aqueles em que se decide de fato a presidência, a vantagem de Biden está dentro da margem de erro, e portanto é empate técnico.
Na eleição de 2016, Trump venceu em estados com menos de 1% de diferença. A vantagem atual de Biden é que ele tem mais alternativas, em termos de resultados estaduais, para chegar aos 270 votos no colégio que dão a vitória.
As pesquisas vêm mostrando a consolidação da vantagem de Biden na decisiva Pensilvânia, mas a Flórida, por exemplo, continua empatada. Ainda, como observou o colunista David Brooks, com todo o desastre que seu governo é, Trump ainda tem mais de 40% de aprovação.
As pesquisas são feitas com base em padrões, e esta é tudo menos uma eleição normal, sublinhou um analista. Os órgãos de pesquisa tentaram corrigir, por exemplo, a subestimação, de 2016, do eleitorado branco sem diploma superior. Também estão sendo feitas sob a incomum situação de pandemia e acesso limitado.
Não se sabe até que ponto estão funcionando as manobras trumpistas para supressão de votos ou anulação de votos enviados pelo correio. Ou o alcance do fenômeno do “trumpista envergonhado”.
Até que dia vão ser aceitos votos depositados no correio até a data da eleição vem sendo questionado de lado a lado por toda a parte. Decisão da Suprema Corte, sobre a Pensilvânia, favoreceu os democratas. Na votação antecipada pelo correio os democratas saíram na frente, mas não se sabe o quanto isso será contra-restado pela votação presencial de republicanos. A ordem é esticar o pescoço e votar, votar muito.