“Trump admite que escondeu perigo do vírus”, diz jornalista Woodward
“Eu sempre quis minimizar [a gravidade da pandemia]”, disse Trump ao jornalista Bob Woodward, em 19 de março. Foi esse o jornalista que, na década de 1970, quando era repórter investigativo do The Washington Post, junto com seu colega Carl Bernstein, desempenharam um papel fundamental na exposição do escândalo Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974.
A declaração de Trump, sob o intento de minimizar o perigo da pandemia, foi gravada e o áudio disponibilizado no site da emissora CNN. “Ainda gosto de minimizá-la, porque não quero criar pânico”, assinalou então Trump.
Em uma série de entrevistas ao jornalista norte-americano reconheceu que tinha consciência da gravidade do Covid-19 antes do vírus transformar o país no epicentro da pandemia, mas decidiu esconder essa informação da população “para não criar pânico”.
As confissões de Trump estão no novo livro de Woodward, intitulado Rage, que está programado para ser lançado em 15 de setembro, e foram divulgadas na quarta-feira (9) pelo jornal The Washington Post e a rede CNN, que tiveram acesso antecipado à obra.
“Vai pelo ar. Isso é sempre mais difícil do que por toque. Você não precisa tocar nas coisas. Certo? Mas o ar, você apenas respira o ar, e é assim que ele é transmitido. E então isso é muito complicado”, disse, acrescentando que a doença é muito mais mortal do que a gripe comum. “Isso é algo mortal”, repetiu, dando ênfase, e mostrando que já no início de fevereiro, Trump estava ciente de como o coronavírus é transmitido, embora tenha rejeitado o uso da máscara durante meses a fio.
Mesmo sabendo do perigo do vírus para a população e conhecendo detalhes do problema, sem qualquer preocupação com a perda de vidas, disse repetidamente aos norte-americanos, durante as primeiras semanas no início de 2020, que o Covid-19 não precisava de cuidados e “desapareceria” sozinho. Somente em meados de julho, Trump usou máscara em público pela primeira vez.
O livro Rage foi escrito com base em 18 entrevistas de Woodward com Trump, entre dezembro de 2019 e julho de 2020, algumas pessoalmente, outras por telefone. A poucas semanas das eleições presidenciais de 3 de novembro nos Estados Unidos, a obra pode influenciar negativamente o eleitorado. No momento atual, pesquisas de opinião mostram que a atuação do governo em relação ao coronavírus é uma das principais questões que pesam contra o candidato Trump. Cerca de dois terços dos americanos desaprovam sua gestão da crise do coronavírus, por conta dele minimizar a gravidade da pandemia para tentar aumentar suas chances de reeleição. Isso sem ainda ser conhecida a farsa dessa sua postura que está escancarada no livro.
“O fato é que eu amo este país, eu sou um líder de torcida por este país, e não quero que as pessoas fiquem assustadas”, declarou Trump na quarta-feira (9), em coletiva de imprensa na Casa Branca, quando foi instado a se referir à Rage. Justificou que, se ele minimizou a crise, foi para evitar um “frenesi”. “Eu não vou conduzir este país ou o mundo à loucura”, acrescentou. “Nós precisamos mostrar liderança, e a última coisa que você quer fazer é criar pânico”, falou, deixando no ar que o que interessa é a próxima eleição.
A secretária de imprensa, Kayleigh McEnany, insistiu que o presidente não mentiu, mas intencionalmente não mencionou a gravidade da pandemia no país. “Este presidente faz o que os líderes fazem, bons líderes. Mas o presidente nunca mentiu para o público americano sobre a Covid-19”, repetiu.
“Ele mentiu ao povo americano. Ele mentiu intencionalmente e de bom grado sobre a ameaça que isso representava ao país, durante meses. Ele sabia quão mortal era [o vírus]”, afirmou o candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, durante ato de campanha no estado de Michigan. “Foi uma traição de vida e morte ao povo americano”, assinalou.
Os Estados Unidos são o país mais atingido pelo Covid-19, com mais de 6,38 milhões de casos e 191.444 mortos, na quinta-feira, 10, segundo registro da Universidade John Hopkins.
Em fevereiro Trump disse que o coronavírus poderia ir embora em abril “com o calor” do verão. Em março, ele falou em um “tremendo controle do governo sobre” a situação e prometeu: “Isso vai passar. Apenas fiquem calmos.” E comparou o coronavírus à gripe comum (qualquer semelhança com a ‘gripezinha’ de seu admirador, Bolsonaro, não é mera coincidência), que segundo ele mata “entre 27 mil e 70 mil pessoas por ano”, e ainda assim “nada é fechado, vida e economia continuam”. Mas, em privado, dizia que o vírus era “até cinco vezes mais mortal”. “Também é uma doença muito traiçoeira. Muito delicada. Muito mais mortal do que a gripe mais forte”, afirmou a Woodward, de acordo com cópias obtidas do novo livro do jornalista.
O livro de Woodward inclui comentários depreciativos sobre os militares e os veteranos dos EUA. James Mattis, que foi secretário da Defesa nos dois primeiros anos da presidência de Trump, disse que escutou Trump dizer numa reunião: “Meus malditos generais são um montão de covardes”, porque lhes importavam mais as alianças do que os acordos comerciais.
E Trump criticou os oficiais militares frente a Woodward pela opinião deles de que as alianças com a Otan e Coreia do Sul são as melhores que os EUA realizam. “Não diria que são estúpidos, porque nunca diria isso de nossos militares”, desconversou Trump. “Porém, se disseram isso… quem for que tenha dito isso, foi uma estupidez. É uma aliança horrível… ganham tanto dinheiro. Custam-nos US$ 10 bilhões. Somos uns tontos”.
O Dr. Anthony Fauci, principal especialista em doenças infecciosas do governo, é citado no texto dizendo que a liderança de Trump “não tem rumo” e que sua capacidade de atenção “é como um número negativo”. “Seu único propósito é ser reeleito”, disse ele a um colaborador, segundo Woodward.
Rage é uma continuação de Fear (Medo), o livro mais vendido de Woodward em 2018 – 750.000 cópias -, que retratava uma Casa Branca caótica em que seus assessores escondiam papeis de Trump para proteger o país do que consideravam seus impulsos mais perigosos.
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