Donald Trump diz que Jay Powell, presidente do Fed - BC dos EUA- é um "sem noção". (Foto-montagem de realmoney.thestreet.com)

Um dia depois de ter piscado primeiro diante dos chineses, ao adiar a entrada em vigor das tarifas sobre uma ampla gama de importações chinesas, o presidente Donald Trump culpou o “sem noção” presidente do Federal Reserve (o BC dos EUA), Jay Powell, pela derrubada em Wall Street, conforme uma inversão na curva de rendimentos de títulos do Tesouro sinalizou que a crise está batendo à porta.

Pela primeira vez desde 2007, um Treasurie [título do Tesouro] de 2 anos atingiu um rendimento maior do que o de 10 anos, numa inversão do que é o normal, sintoma que precedeu todas as recessões nos EUA. O índice Dow Jones caiu quase 3% na quarta-feira, na pior sessão da bolsa de Nova Iorque este ano, e a segunda em um mês com perda de mais de 700 pontos-base.

A derrapada se estendeu aos demais cassinos de agiotagem do planeta, sendo que a inversão da curva de rendimentos também foi registrada na Alemanha, no Canadá e na Grã-Bretanha, como revelou o portal norte-americano zerohedge.

Antes que se tornasse ensurdecedor o clamor de que é sua guerra comercial contra tudo e todos que vem empurrando o mundo para o buraco, @realDonaldTrump correu a tuitar que “o spread é excessivo, com os outros países dizendo OBRIGADO ao sem noção Jay Powell e ao Fed. A Alemanha e muitos outros estão jogando o jogo!”

Além do presidente do Fed, Trump também culpou a “curva de rendimento” de títulos do tesouro norte-americano pelo buraco em que ele está enfiando seu país: “CURVA DE RENDIMENTO INVERTIDA DOIDA! Nós poderíamos estar facilmente colhendo ganhos e recompensas, mas o Fed está nos puxando para trás. Nós vamos vencer!”

Pouco antes, asseverara, também pela sua rede social predileta, que “nosso problema não é a China, embora Hong Kong não esteja ajudando. Nosso problema é com o Fed. Subiu [o juro] muito e muito rápido e está muito atrasado para cortar”.

Embora seja verdade que os países europeus – isto é, o BC europeu – estão de volta à redução dos juros já mínimos, isso ocorre porque o que vêem pela frente é a crise chegando, ou ameaçando chegar, de que a guerra comercial de Trump tem sido um fator essencial – além do Brexit.

A propósito, a zona do euro mal se moveu no segundo trimestre, crescendo 0,2% (a metade) do trimestre anterior, sendo que a locomotiva, a Alemanha, inclusive recuou – 0,1%. A Itália zerou, o que foi contrabalançado pela alta de 0,2% do PIB da França e de 0,5% da economia espanhola. A Grã Bretanha também andou para trás, menos 0,2%, a primeira contração desde 2012.

O conselheiro de Comércio de Trump, Peter Navarro, em entrevista à Fox Business Network reforçou as reclamações de Trump, conclamando o Fed a reduzir o juro básico em 0,5 ponto percentual “o mais rápido possível”.

Ação que considerou imprescindível para “levar o Dow Jones aos 30 mil pontos”. Resumindo: não pode deixar a ‘Bolha de Tudo’ estourar no colo de Trump, logo na véspera da eleição.

Outro ponto esclarecido por Navarro foi que o adiamento não foi em troca de concessões chinesas, mas para escudar as compras de Natal e a volta às aulas das tarifas de Trump. Querer concessões da China em troca do adiamento das tarifas – acrescentou – “é o modo totalmente errado de encarar isso”.

Navarro justificou que “toda a premissa que estamos tentando é causar dor a eles, não dor sobre nós”. E – passando com louvor no teste de quem pisca primeiro – o conselheiro de Comércio da Casa Branca admitiu com candura que “se nós simplesmente puséssemos as tarifas em 1º de setembro, isso causaria mais dor a nós, do que a eles. Seria uma estupidez”.

Como registrou um analista, essa admissão detona a alegação de Trump de “estamos vencendo grande” e que são “os chineses que estão pagando bilhões”. Se os chineses estivessem “pagando”, por que seria necessário blindar das tarifas as compras de Natal?

Em declarações à CNBC, o secretário de Comércio Wilbur Ross disse que ainda é “cedo” para avaliar em que pé estão as negociações comerciais EUA-China. Não há sequer uma data definida para outra rodada cara a cara, embora tenha sido acertada nova conversa por telefone em duas semanas.

Para o economista Chad Bown, do Instituto Peterson de Economia Internacional, “o único consolo menor vem em seu timing”. Ele acrescentou que, ao adiar a imposição de tarifas para quando a importação já tenha chegado aos estoques para as compras de Natal e a volta às aulas, “o presidente Trump pode estar chegando, embora tardiamente, à evidência econômica sobre os custos de sua guerra comercial”.

A julgar pelas loas, nas tuitadas, a que “estamos vencendo grande” e que as tarifas estão garantindo “bilhões” aos EUA, não é exatamente o caso – ou talvez seja parte inseparável do manual mafioso de negociação de Trump gargantear o tempo todo.

A Reuters, após análise das listas tarifárias com base nas importações da China do ano passado, chegou à conclusão de que o adiamento da entrada em vigor das tarifas adicionais de 10% se aplica a US$ 156 bilhões – o que é a metade das importações visadas pela investida anunciada por Trump no dia 1º de agosto.

Na análise inicial, o alívio se aplicaria a cerca de um terço dessas importações.

O Departamento do Comércio dos EUA informou, ainda, que foi concedido alívio permanente de tarifas a 25 categorias de importados da China, incluindo contêineres e guindastes de portos e construção – além de coisas como assentos infantis, bíblias e alimentos para peixes.

Se a turma de Trump está com o cacoete de piscar quando a pressão aumenta muito, o lado chinês segue um tanto impassível. No plano político, rebateram os palpites de Trump sobre Hong Kong, mandando-o literalmente cuidar do próprio nariz.

Na economia, o tom foi dado pelo editor do jornal estatal de língua inglesa, Hu Xijin.

“Até onde eu sei, o lado chinês pede que os dois lados respeitem o consenso alcançado na cúpula de Osaka, que está removendo todas as tarifas adicionais, não que adiem algumas. Eu duvido que o lado chinês retome a compra em larga escala de produtos agrícolas dos EUA sob as circunstâncias atuais”, tuitou Hu – que é considerado uma celebridade pelos especuladores norte-americanos, que acompanham com atenção tudo o que ele diz.

Em uma das tuitadas mais recentes de Trump essa foi, exatamente, a expectativa revelada por ele que, ainda, costumava asseverar que era “fácil” vencer uma guerra comercial.

Em Pequim, a conversa é outra, não há vencedores em uma guerra comercial, mas se for preciso, a China está pronta para lutar até um acordo ganha-ganha, mutuamente vantajoso. A China não vai abrir mão da alta tecnologia, nem vai entregar seu sistema financeiro a Wall Street e tem o único plano de investimento de larga escala do planeta, a Nova Rota da Seda.

Aos alertas do FMI sobre a desaceleração da economia mundial somou-se agora o registro do JPMorgan de que a produção industrial mundial caiu pelo terceiro mês consecutivo em julho, de acordo com o índice PMI (abaixo de 50, é contração; acima, crescimento), e ficou no nível mais baixo desde outubro de 2012. De 30 nações industrializadas cujos dados de julho estavam disponíveis, 19 mostraram contração na indústria.