A demissão de Castello Branco passou a ser cogitada após os sucessivos aumentos no preço dos combustíveis

Troca na presidência da Petrobras terá graves consequências econômicas, na opinião do economista Paulo Feldman. Se Bolsonaro foi capaz de intervir na empresa mais importante da América Latina, que fará com outras empresas menores, prejudicando os acionistas.

Pela primeira vez em muito tempo, o Brasil foi capa por dois dias em um dos maiores jornais de negócios e economia, o Financial Times. O alarde foi causado após a decisão do presidente Jair Bolsonaro, na sexta-feira (19), de demitir o então chefe da Petrobras, Roberto da Cunha Castello Branco, e substituí-lo pelo general Joaquim Silva e Luna. A notícia repercutiu negativamente entre jornais, economistas, políticos e acionistas, que criticam os motivos da troca.

Foi o segundo maior tombo da história na Petrobras. Só ontem, a empresa perdeu R$ 75 bi, encolhendo mais de R$ 100 bi em valor de mercado. As ações recuaram em 20% com os temores de intervenção do governo na política de preços dos combustíveis, que, atualmente, é regulada pelo mercado internacional. No mercado, a Ibovespa caiu 4,97, dólar subiu e fechou a R$ 5,45. A situação respinga pra todo lado, inclusive no consumidor final e em outras estatais que tiveram ações em queda.

Ele lembrou que os investidores estrangeiros já vinham se afastando do Brasil, devido às repercussões do desmatamento. Agora, temem intervenções em empresas pelo governo, já que a mais importante está passando por isso. Segundo o economista, esse tipo de intervenção foi tratada pelo Financial Times como fora do comum em todo o mundo.

Após sucessivos aumentos no preço dos combustíveis, especialmente o último de 10% na gasolina e 15% no diesel, considerado “fora da curva” pelo presidente Bolsonaro, foi anunciado o interesse na demissão de Castello Branco. Se a substituição for aprovada pelo Conselho de Administração da estatal, composto em grande parte de aliados de Bolsonaro, Silva e Luna será o primeiro militar a ocupar a presidência da Petrobras, desde 1989.

Em entrevista, Paulo Feldmann, economista e professor da Faculdade de Economia da USP, afirma que a decisão “desastrosa e descabida” de Bolsonaro “é uma coisa lamentável e, além de tudo, denota um aspecto muito ruim que está acontecendo no Brasil, que é a intervenção militar”. Ele citou a intervenção militar no Ministério da Saúde, por exemplo, sob a alegação de domínio do conhecimento de logística. “O que se vê é que o que ele menos tem é conhecimento de logística”, observa.

Para ele, há uma falta de valorização das empresas de porte internacional no Brasil. A Petrobras, destacou, é a maior empresa brasileira e da América Latina, tem ações em quase todas as bolsas do mundo, um Conselho de Administração que deve tomar as decisões e muita respeitabilidade.

“O presidente Bolsonaro passou por cima disso com um argumento absurdo, de que o presidente anterior não levou em conta a demanda dos caminhoneiros”, disse o economista. A estatal brasileira compra petróleo estrangeiro a um preço alto e não pode vender mais barato no mercado interno, pois terá enorme prejuízo. “Isso mostra que o presidente tem uma visão completamente errada do papel de uma empresa ao querer que atendam aos interesses de grupos específicos.”

Feldmann defende o bom desempenho de Castello Branco na recuperação da Petrobras e classifica sua gestão como muito séria, técnica e científica, não existindo então um motivo plausível para a sua demissão. Foi ele que evitou a venda desnecessária de algumas refinarias, após cuidadosa avaliação. Ele também defendeu o interesse dos acionistas espalhados por todo o mundo contra os caminhoneiros de Bolsonaro.

No entanto, o governo tem sete de onze representantes no Conselho da empresa. Por isso, devem aprovar a troca de presidente, pois se não o fizerem serão demitidos. “É pouco provável que o Conselho enfrente a decisão do presidente Bolsonaro”.

A posição de Bolsonaro agrada a ala dos caminhoneiros, que vem protestando contra os aumentos nos combustíveis. Para resolver o problema, Feldmann defende o modelo ferroviário, mais eficiente e barato, e afirma que o Brasil é um dos poucos países que dependem do transporte rodoviário. “A decisão de destruir a malha ferroviária do Brasil foi dos militares e hoje evitaria esse tipo de problema. O transporte rodoviário é um dos fatores que mais influenciam o chamado custo-Brasil nas exportações”.

Edição de entrevista à Rádio USP por Cezar Xavier