Manifestação em Honduras cobra justiça após assassinato de Berta Cáceres

Um tribunal hondurenho condenou sete homens a penas de 30 anos e seis meses pelo assassinato da líder indígena e ativista ambiental Berta Cáceres, crime cometido em março de 2016, quando ela vinha liderando protestos contra a construção de uma hidrelétrica. Quatro deles, os pistoleiros contratados, foram sentenciados adicionalmente a mais 20 anos pela tentativa de assassinato do ativista mexicano Gustavo Castro, que foi baleado na orelha e escapou por se fingir de morto.

Cáceres liderou protestos contra o golpe que depôs o presidente Manuel Zelaya e denunciou que o regime instalado pelos EUA havia entregue dezenas de concessões para mineração e barragens. Isso incluiu a cessão por 20 anos para a Desa, construtora do grupo Atala, uma das cinco mais poderosas famílias hondurenhas, do projeto Água Zarca no rio Gualcarque, que é considerado sagrado e é indispensável para o sustento do povo Lenca, o maior grupo indígena do país.

Os sete condenados são o executivo da Desa, Sergio Ramón Rodriguez, o ex-chefe de segurança da construtora, Douglas Geovanny Bustillo —  ex-tenente do exército hondurenho treinado pelos EUA, Mariano Díaz Chávez, major das forças especiais hondurenhas e que serviu com as forças norte-americanas no Iraque, o ex-sargento das forças especiais hondurenha, Henry Javier Hernández, e mais três jagunços a ele ligados.

Em separado, está à espera de julgamento o executivo-chefe da construtora que tocava a obra, a Desa, acusado de ser o autor intelectual do assassinato, Roberto David Castillo, graduado em inteligência pela Academia Militar de West Point, nos EUA. Ele está preso desde 2018.

O filho de Berta, Salvador Zúñiga advertiu que ainda não foi feita a justiça, já que o acionista majoritário da Desa, o clã dos Atala, permanece impune. A condenação acontece no contexto de fortes manifestações contra a privatização da educação e da saúde.

Em mensagens apresentadas ao tribunal, Daniel Atala Midence, gerente financeiro da Desa, disse a outros executivos em abril de 2013 que haviam contatado o ministro da segurança e outras autoridades para “eliminar esses índios”.

Três meses depois, soldados hondurenhos dispararam contra uma manifestação organizada pelo Conselho de Organizações Indígenas e Populares de Honduras (COPINH), matando Tomás García. O advogado que representou o soldado acusado do assassinato foi pago pela Desa.

Outra mensagem de Atala Midence, de julho de 2013, diz que “gastou muito dinheiro e capital político para conseguir esses três mandados de prisão”, contra Cáceres e outros dois líderes da COPINH. No entanto, uma corte de apelação revogou os mandatos que esse Atala confessava ter comprado.

O jornal inglês The Guardian registrou em junho de 2016 uma lista de ativistas, que incluía Berta, havia sido fornecida para a Força Interinstitucional de Segurança (Fusina), tropa de choque armada e treinada pelo Pentágono e pelo FBI.

Essa tropa de choque não apenas reprimiu violentamente os milhares que protestaram contra o assassinato de Berta na capital Tegucigalpa, como agiu em coordenação com sicários da Desa, de acordo com mensagens de texto da equipe de segurança da construtora, para o ataque a manifestantes enlutados que viajaram em procissão para o rio Gualcarque.

Após o assassinato, Atala Midence tranquilizou Rodríguez sobre um encobrimento: “Relaxe… Não entre em pânico… Pedro [Atala] falou com o ministro da segurança que disse que foi um crime passional… Só precisamos continuar trabalhando normalmente.”  Pedro Atala, além de acionista da Desa, é irmão de Camilo Atala, o bilionário dono do banco Ficohsa, que, segundo as mensagens de texto (embora não oficialmente), também financiou a Desa.

Outros integrantes da famiglia, Jacobo Nicolás e José Eduardo Atala Zablah, são membros da diretoria executiva da Desa. O primeiro fica no topo do banco BAC Honduras, enquanto o segundo é o presidente da Câmara de Comércio Hondurenho-Americana e ex-diretor do Banco Centro-Americano de Integração Econômica (CABEI), outro financiador da Desa.

Em uma entrevista de 2014, Berta havia relembrado como a própria Hillary Clinton, na época do golpe secretária de Estado, havia praticamente confessado no seu livro Hard Choices [Escolhas Difíceis] sua participação no golpe em Honduras. “Nós elaboramos um plano para restaurar a ordem em Honduras e garantir que eleições livres e justas pudessem ser realizadas de forma rápida e legítima, o que tornaria a questão do [presidente hondurenho expulso Manuel] Zelaya discutível…”. Essa passagem no livro foi retirada por Hillary na edição seguinte.