Um tribunal federal de apelações de Washington barrou por unanimidade na sexta-feira (14) a pretensão do governo Trump de introduzir no Medicaid, programa de assistência médica para os mais pobres e deficientes nos EUA que existe há cinco décadas, o condicionante de que os inscritos teriam de comprovar terem trabalhado pelo menos 20 horas por semana, ou seriam sumariamente cortados do que é atualmente a única assistência médica de que dispõem.
O tribunal considerou a exigência como “arbitrária e caprichosa”. Cujo objetivo óbvio, denunciam as entidades de combate à pobreza no país mais rico do planeta, é forçar o encolhimento do número de beneficiários do Medicaid. Programa que atende gente que recebe até 133% da linha de pobreza dos EUA, grávidas e pessoas deficientes, sistema criado por Lyndon Johnson em 1965 como parte da “Guerra à Pobreza”, no auge das revoltas nos guetos negros.
O revés judicial ocorreu em relação a contestação feita em Arkansas, estado que adotara a iníqua regra. Apesar de ser um programa federal, o Medicaid é operado pelos estados. A cláusula é, ainda, uma tentativa de fazer recuar a ampliação expressiva do número de pessoas cobertas pelo Medicaid com o Obamacare, que Trump detesta, mas vem tendo que conviver.
Entidades em defesa do direito à Saúde apelidaram a imposição de “Work-or-Die” (“Trabalhe-ou-Morra”). O governo que quer cortar no osso o gasto com a saúde dos mais pobres é o mesmo que bafejou magnatas e monopólios com a maior redução de impostos da história dos EUA, empurrando o déficit público para a marca do US$ 1 trilhão.
A decisão unânime do painel de três juízes foi de que o governo Trump não tem autoridade para exigir de alguns dos inscritos no Medicaid que trabalhem para que recebam assistência médica, confirmando a sentença de tribunal inferior.
A corte federal rejeitou a cínica alegação do governo Trump de que os “requisitos de trabalho” eram legais sob o Medicaid por supostamente promoverem “melhor saúde” e “independência do governo”.
Para os três juízes, tais objetivos não estão no estatuto do Medicaid, criado precipuamente para fornecer assistência médica às camadas mais pobres da população norte-americana.
A outra alegação dos juristas a serviço do Departamento de Saúde, era igualmente cretina: a exigência ajudaria os estados a pagar melhor a cobertura das pessoas “que mais precisavam”.
Como destacou o juiz David Sentelle – nomeado por Reagan – a lei do Medicaid “inclui um único propósito primordial, que é prestar cobertura de saúde sem qualquer restrição orientada para resultados de saúde, independência financeira ou transição para a cobertura comercial”.
Decisão que deixa claro que o governo “não pode estabelecer novos objetivos para o programa e que o texto da lei é claro que o objetivo central do Medicaid é fornecer cobertura”, destacou Joan Alker, diretora executiva do Centro para Crianças e Famílias da Universidade de Georgetown.
“Isso sugere que outras políticas de renúncia prejudiciais que têm o efeito de limitar a cobertura (como bloqueios, limitação de elegibilidade retroativa, descontos etc.) podem sofrer um destino semelhante”, acrescentou.
O tribunal também criticou o governo Trump por não levar em conta quantos moradores de Arkansas perderam ou podem vir a perder o direito a essa forma mínima de assistência à saúde, como resultado de requisitos que jamais existiram anteriormente. A cobertura de saúde perdida “é uma questão de importância” sob a lei Medicaid, escreveu Sentelle.
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Harvard no ano passado mostrou que, quando as exigências abusivas estavam em vigor temporariamente no Arkansas, quase 20 mil moradores perderam sua cobertura de saúde – enquanto a taxa de emprego caía 4%.
“Os requisitos de trabalho do Medicaid não fazem com que ninguém consiga trabalho; eles apenas perdem seu seguro”, denunciou na época o professor de ciências políticas Scott Lemieux.
Dez estados chegaram a adotar a cláusula de restrição ao Medicaid, enquanto outros nove estudaram aplicar regras semelhantes. Diante da resistência da população, alguns estados já desistiram e, depois da sentença, só continua em vigor no Michigan. Analistas acreditam que o próximo passo do regime Trump, para avançar no desmonte do Medicaid, será levar a questão à Suprema Corte dos EUA. A diretora dos Centros Medicare e Medicaid, Seema Verma, no mês passado cobrou dos governos estaduais que cortem os gastos com o programa.
“Agora, as mais de duzentos mil pessoas de Arkansas no Medicaid podem ficar mais tranquilas sabendo que terão assistência médica quando precisarem”, afirmou ao The Hill, Kevin De Liban, advogado da entidade Legal Aid, que desafiou as nefastas exigências. O tribunal federal “reconheceu o trágico dano” cometido contra as pessoas mais pobres de Arkansas, saudou. Cerca de 60 milhões de norte-americanos – a metade, crianças -, estão inscritos no Medicaid.