Trabalhadores da Amazon: “Somos trabalhadores, não robôs”
Os trabalhadores da Amazon que entraram em greve na segunda-feira (15) enfrentam o homem mais rico do mundo e uma das empresas mais poderosas do planeta.
Por Dave Kamper (*)
Mohamed Hassan parece o tio preferido em um piquenique. Se ele lhe dissesse que tem cinquenta anos, você acreditaria; se ele dissesse que tinha oitenta anos, você ainda acreditaria. “Sou velho”, é tudo o que ele diz. Tem um sorriso pronto e uma maneira expressiva. Ele fala somali, mas mesmo antes do tradutor intervir, você pode ver quando uma piada estava a caminho.
Ele anda com uma bengala, um pouco inclinada. Mostra seus pulsos e cotovelos – há esporas ósseas, e algo na maneira como mantém o braço esquerdo, parece um pouco fora, como se o machucasse ao tentar endireitá-lo. “Machuquei meu ombro. Meus músculos doem. Meu osso aqui [no cotovelo] e o outro do outro lado não são os mesmos.” Isso é o que acontece quando o seu tio favorito levanta caixas de cem quilos até três vezes por minuto, durante onze horas, nas instalações da Amazon, em Shakopee (Minnesota, EUA).
Na segunda-feira (15), Hassan e vários de seus colegas iniciaram uma greve de seis horas. Em outros lugares nos EUA críticos da Amazon protestaram contra as conexões da empresa, que explora a imigração; na Alemanha, dois mil trabalhadores da Amazon também entraram em greve. Alguns consumidores disseram que renunciariam a comprar na Amazon e em outras empresas afiliadas, recusando-se a furar a linha de piquete digital.
Em Shakopee, os trabalhadores desafiaram o homem mais rico do mundo e o lembraram que, como disse à multidão Sahro Sharif, um trabalhador da Amazon : “Estamos aqui porque somos trabalhadores, não robôs.”
O centro de atendimento em Shakopee é uma das dezenas de instalações similares que a Amazon tem nos EUA – estima-se que são quase 150. As mercadorias chegam e são organizadas em um prédio cuja área é superior a dois campos de futebol. Quando os consumidores fazem seus pedidos, os trabalhadores devem “faturar” – atingir sua cota horária de caixas lacradas. “Três caixas por minuto. Às vezes quatro, às vezes cinco ”, diz Hassan. Mesmo uma ida ao banheiro não é desculpa – “cada minuto é contado contra você”. Por isso alguns trabalhadores mantém uma garrafa vazia à mão.
Na segunda-feira, centenas de sindicalistas, grupos de ativistas e do centro Awood (formado por trabalhadores originários da África Oriental) apoiavam Hassan e os demais grevistas. Os trabalhadores se revezam compartilhando suas histórias. Sharif, que se mudou de Ohio há dois anos, anunciou que “Estamos aqui dizendo Amazon, estamos cansados de que os trabalhadores sejam feridos no trabalho.” Meg Bradley lembrou que seu avô participou, há 100 anos. de uma greve em sua fábrica. “Acho que ele está olhando para baixo, para mim, e está muito orgulhoso do que acontece”, disse.
Foi a terceira greve na instalação de Shakopee; em dezembro de 2018, pegou a empresa de surpresa e quase provocou a violência policial contra os trabalhadores; em março, novamente houve uma greve de três horas. Impulsionada pela organização dos trabalhadores originários da Somália, a instalação de Shakopee se tornou a mais rebelde da Amazon nos EUA.
Os trabalhadores relataram que a Amazon colocou gerentes em cada saída, deixando claro que quem aderisse à greve de seis horas (três horas no turno do dia, três horas no turno da noite) ficaria numa lista negra. “Se você aderir, vamos anotar seus nomes”, Hassan disse que lhe contaram.
(Caso você esteja se perguntando, sim, é uma violação da lei nacional de relações trabalhistas vigiar os trabalhadores envolvidos em atividade protegida por lei, ou puni-los por agir em defesa de seus direitos. Engraçado como Jeff Bezos, muito citado pelo presidente Trump como um inimigo do povo, não tem nenhuma razão para temer que o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas venha, sob Trump, a responsabilizá-lo por alegadas violações trabalhistas. Os laços da riqueza entre os poucos que se beneficiam do trabalho de muitos são mais fortes do que as mensagens do twitter.)
Na noite de segunda-feira algumas pessoas tinham vindo de longe para mostrar a sua solidariedade. Westin Fridley, um trabalhador de Seattle, leu declarações de apoio de seus companheiros. Ele reuniu uma centena deles em menos de um dia depois de enviar uma mensagem por e-mail. Michael Russo, um piloto da Atlas Air, que transporta produtos da Amazon, voou de Chicago, e, uniformizado, falou por seu sindicato em apoio aos grevistas. “Nós somos apenas mais um elo em toda a cadeia de suprimentos”, ele me disse. “Os motoristas de caminhão, os pilotos de carga – estamos todos transportando a mesma coisa, e estamos todos juntos nisto.” O sindicalista Erin Murphy disse: “Não é possível que eu fique de braços cruzados e não traga minha voz em solidariedade ao que estão fazendo”.
Enquanto escutávamos os oradores, um grupo de uns 100 trabalhadores fazia o piquete na entrada da instalação. Usando a persuasão, ante a polícia pronta para agir, o grupo convenceu motoristas de carga a apoiar o piquete e não entrar no edifício.
As condições de trabalho nos centros de atendimento da Amazon literalmente são um insulto. Segundo depoimento de trabalhadores, a empresa depende da técnica favorita do grande negócio, o aumento da rapidez; teve assim mais de 11 bilhões de dólares em lucros no ano passado, e aparentemente isso não foi suficiente. Embora cause ferimentos previsíveis nos trabalhadores. São vários tipos de lesões que ocorrem no local de trabalho, afetando os seres humanos levados ao limite por uma empresa cuja preocupação com o bem-estar de seus trabalhadores está abaixo de qualquer coisa que permita aumentar lucros.
Kimberly Hatfield-Ybarra, uma trabalhadora da Amazon que veio de Dallas (Texas, EUA) para se juntar aos grevistas, luta por mais de um ano contra a Amazon por lesões no local de trabalho. Devido à rapidez exigida, ela denuncia, não há “nenhuma surpresa no aumento das lesões por esforço repetitivo. Mas a busca de eficiência pela empresa não conhece limites.” A Amazon “é a melhor no que faz, em todos os aspectos de seus negócios”, diz ela. Não admira. “Quando se trata de lesões dos trabalhadores, a Amazon sabe como abater uma reivindicação.”
E aí está o insulto. Como muitos dos trabalhadores neste centro, Hassan vem do leste da África e é muçulmano. Há uma porta – não uma sala, mas uma porta – que é o seu espaço designado para orações (e, claro, eles têm que cumprir a cota, mesmo nas horas de oração).
Nabihah Maqbool, dos Advogados Muçulmanos, ligado ao Equal Employment Opportunity Commission (Comissão de Igualdade de Oportunidades de Emprego, em tradução livre), um grupo sem fins lucrativos, disse que iniciou um processo contra o centro de Shakopee, alegando que os trabalhadores são discriminados com base em “raça, religião e origem nacional. ”
A greve de segunda-feira veio apenas um dia após o Presidente Trump, em mensagens racistas no twitter, ter exortado o deputado de Minnesota (nascido na Somália) Ilhan Omar a “voltar” de onde veio. Jaylani Hussein, diretor do Conselho de Relações Americano-Islâmica, me disse que “a ganância empresarial tem beneficiado diretamente a empresa não permitindo os direitos religiosos protegidos pela Constituição… é assédio, é negação de direitos fundamentais básicos, e… é ultrapassado física por essas empresas, que praticamente sangram as pessoas”. Esses trabalhadores, que estão entre os mais perseguidos no país, estão tomando a iniciativa e percebendo seu poder coletivo.
A ação desta segunda-feira mostrou que a solidariedade é poderosa. A Amazon não reagiria tão fortemente – colocando gerentes em todas as entradas, ameaçando os funcionários com a lista negra – se não tivesse se sentido ameaçada. Mesmo que a participação fosse menor daquela que os organizadores esperavam – e não foi – qualquer ação como esta é uma ameaça à máquina de ganhar dinheiro bem lubrificada da empresa. Especialmente quando atrai apoio de políticos a nível nacional, como Bernie Sanders e Elizabeth Warren.
Os enormes lucros da Amazon vêm de sua capacidade de espremer cada gota de eficiência de cada trabalhador em cada fase do processo. Mas é vulnerável à menor perturbação nesse processo.
Uma hora em dezembro. Três em março. Seis agora. A Amazon precisa saber que quando os trabalhadores estão prontos para dar o salto de seis horas a seis dias, todo o seu modelo empresarial ficará exposto. Não pode enviar um armazém para o exterior, ou para um estado republicano no sul. A Amazon tem mais de 30 bilhões de dólares em dinheiro na mão. Neste caso, o poder nas mãos dos trabalhadores é realmente maior do que o ouro acumulado da Amazon.
Mohamed Hassan tem uma mensagem para seus companheiros de trabalho: “falem em uma só voz, defendam nossos direitos, unam a nossa voz, saiam e digam a verdade sobre o que está acontecendo.”
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(*) Dave Kamper é um organizador de trabalho na Twin Cities
Tradução, seleção de trechos e adaptação: José Carlos Ruy