“Todo mundo sabe o que fazer na economia, menos o presidente”
Enquanto a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ultrapassou os dois dígitos, no acumulado dos últimos 12 meses até setembro, os analistas demonstram cada vez mais desconfiança da capacidade de o Banco Central conseguir controlar a carestia. Relatório Focus divulgado nesta segunda-feira (01/11) pelo BC aponta que a expectativa entre os economistas para a inflação oficial do país em 2021 ultrapassou 9% pela primeira vez, sendo a trigésima alta seguida no indicador. As previsões estão em linha com o IPCA-15, que é uma prévia do IPCA e já acumula alta de 8,30% no ano e de 10.34% em 12 meses até outubro de 2021.
“Eu não estou surpreso que tenhamos chegado a esse patamar da inflação, especialmente, pela alta nos transportes, nos alimentos e na energia”, afirma em entrevista ao Portal Vermelho o professor do Instituto de Economia da UFRJ André Modenesi, que também é pesquisador do CNPq e da FAPERJ, além de coordenador do Observatório do Banco Central.
O economista conta que já vislumbrava a alta dos alimentos desde o desmonte da Companhia Nacional de Abastecimento, que começou no Governo Temer e foi agravado pelo Governo Bolsonaro, com o fim dos estoques reguladores de alimentos. Modenesi ressalta também o fato de que no Governo Bolsonaro ainda que a terra plantada tenha aumentado, diminuiu o apoio à agricultura familiar. Esses fatores causam uma redução na oferta de alimentos para consumo pelo mercado interno e consequente elevação dos preços.
Além disso, lembra ele, do IPCA de 10,25% acumulado em 12 meses até setembro, 1,93 ponto percentual corresponde à elevação do preço da gasolina. Desde então, o preço dos combustíveis sofreu uma série de aumentos e o Governo já avisou que haverá novo reajuste em 20 dias.
“E ainda temos a crise de energia. Nós não fazemos o horário de verão há quantos anos? Todo mundo sabe o que é necessário fazer na economia, menos o presidente. Então, temos essa inflação e, o que é pior, sem crescimento econômico. E, se não mudar a política econômica, vamos ter inflação com recessão em 2022”, prevê Modenesi, para o qual mesmo que eventualmente o Governo Bolsonaro ainda conseguisse encaminhar reformas, elas não teriam efeito sobre o Produto Interno Bruto (PIB). “Não acho que as reformas possam gerar crescimento. O que gera crescimento é a demanda”, acrescenta.
Segundo o coordenador do Observatório do Banco Central, para além da prerrogativa do BC de controlar a inflação, está a condução equivocada da política econômica pelo Governo Bolsonaro. “Na verdade, o presidente da República fez uma opção ao delegar ao BC a tarefa única e exclusiva de controlar o preço. A partir do momento que cabe somente ao banco central controlar o preço, ele não tem outra coisa a fazer. É uma espécie de cilada. Temos um governo cuja política econômica não olha para o lado da oferta e deixa todo o controle da inflação pelo Banco Central com o controle da demanda. Nesse sentido teórico, o BC fica de mãos atadas. Mas poderia não estar? Existem todas as políticas econômicas não convencionais que estão sendo usadas pelo FED (Federal Reserve, o BC dos EUA) desde 2008”, compara.
Modenesi ressalta que os mais prejudicados sejam os mais pobres: “Cada consumidor tem um limite em determinado momento. Se eu estiver comprando um carro e o preço estiver em alta, vou sentir mais a inflação. A cesta do IPCA é uma média de preços e infelizmente essa inflação vem pelo lado dos alimentos. Quem está perdendo mais é o trabalhador, porque a parcela maior da renda dele é gasta em que? Em alimento”, lamenta.