Texas: Democratas enfrentam ataque do governador a direito do voto
Cinquenta deputados estaduais democratas estão na capital dos EUA, Washington, para negar quorum à lei apresentada pelo governador republicano para dificultar ou impedir o voto de negros, latinos e pobres, sob a fachada de restaurar a ‘integridade da eleição’ atendendo a Trump e sua fake news de que “só perdeu” para Biden porque houve “fraude”.
Neste sábado (7), está reconvocada pelo governador Greg Abott a segunda sessão legislativa especial (de 30 dias) para tentar aprovar sua lei de supressão de voto, que repete em termos gerais legislações semelhantes já aprovadas em 18 Estados controlados pelos republicanos desde a posse de Biden. Desde maio Abott tenta emplacar sua lei.
“A Grande Mentira [de Trump] infectou quase todas as legislaturas estaduais e condados, dando origem a um ataque calculado e descarado à liberdade de voto”, acrescentou Martinez Fischer à CNN.
Para não se render à versão século 21 das leis ‘Jim Crow’ – a legislação que por décadas sustentou o apartheid legal nos Estados sulistas, até ser revogada graças ao movimento que Martin Luther King encabeçou -, a bancada de deputados estaduais democrata do Texas simplesmente precisou deixar o estado em 12 de julho, o que foi feito após ordem do governador à polícia para que encontrasse os parlamentares e os levasse à força até a Assembleia local para carimbar o esbulho.
O ‘esforço legislativo’ especial do Texas incluirá ainda outras leis reacionárias, como a que aumenta a vigilância contra imigrantes e a que proíbe os professores de ensinarem que a Ku Klux Klan é maligna ou que instiguem os alunos a ter nojo ao racismo. “Continuarei convocando sessão especial após sessão especial”, afiançou Abott.
Em Washington os deputados estaduais do Texas deram às boas vindas no dia 2 à caravana de 100 deputados estaduais do país inteiro que foram até lá para instar o governo Biden a agir para que o impasse no Senado, sob obstrução republicana, seja rompido e vá a deliberação legislação federal já aprovada na Câmara federal, e que constitui a melhor forma de deter a investida trumpista nos Estados pela supressão de voto. “Estamos pedindo ao Congresso que salve nosso país aprovando a Lei Pelo Povo e a Lei de Avanço dos Direitos de Voto John Lewis”, sublinhou Martinez Fischer.
A Lei Pelo Povo estabelece critérios nacionalmente para o exercício do direito de voto e para o monitoramento das eleições, na prática criando limites à escalada da supressão de votos nos estados. Inclui, ainda, mecanismos contra o “dark money”, o abuso do poder econômico – embora desde que a Suprema Corte deliberou que o uso da mala cheia de dólares faz parte da ‘liberdade de expressão’ dos magnatas, o poder da grana se tornou ainda mais avassalador no processo político norte-americano.
Já o cerne da Lei de Avanço dos Direitos de Voto John Lewis é restaurar os poderes de aplicação da “pré-autorização” do governo federal sob a Lei de Direitos de Voto de 1965, que foi derrubada pela Suprema Corte dos EUA em 2013. De acordo com a agora extinta Seção 5 da Lei de Direitos de Voto, quaisquer mudanças nas regras de votação propostas por ex-Estados de Jim Crow [onde vigorava o apartheid] tinham que ser pré-aprovadas pelo Departamento de Justiça.
A Lei de Direito de Votos foi a principal conquista do movimento pelos direitos civis, que com as marchas de Selma e Montgomery em 1965 arrancou o fim da segregação e da exclusão dos negros das urnas.
Em defesa da aprovação das leis que defendem o direito de voto para todos – e, portanto, a democracia – a deputada estadual Anna Eskamani disse que é imprescindível “um firewall federal para essas atividades de supressão de eleitores nos estados”. Dirigindo-se aos senadores – é lá que as leis emperraram -, ela os instou a entender “o que estamos passando na Flórida”.
150 entidades conclamaram o Congresso dos EUA e o presidente Biden a aprovar essa legislação pró-voto – se preciso for, anulando pontualmente, ou de vez, o ‘filibuster’, mecanismo que exige pelo menos 60 dos 100 votos para ir a votação no Senado.
“O Congresso tem o poder e o dever de impedir este ataque antidemocrático e discriminatório aos direitos de voto dos americanos. Na verdade, apenas a legislação federal pode garantir que nossas eleições sejam seguras e livres e protejam
totalmente o voto”, afirmaram as entidades signatárias, que incluem o Centro Brennan pela Justiça, a Associação Nacional para Progresso das Pessoas de Cor (NAACP) e a central AFL-CIO.
Outro fator que torna inadiável aproveitar que o Congresso está sob maioria democrata – no Senado a situação é mais delicada – é que a Suprema Corte está sob hegemonia de juízes conservadores, que se abstiverem de sustar o esbulho ao direito de voto no Arizona.
Marcha a Washington
Líderes da luta pelos direitos civis anunciaram, para o dia 28 de agosto, uma marcha a Washington contra a supressão de voto, em entrevista conjunta que reuniu Martin Luther King III, o reverendo Al Sharpton e Alejandro Chavez (o neto de César Chavez, líder histórico do movimento chicano), que será acompanhada com atos em Atlanta (Geórgia), Houston (Texas), Miami (Flórida), Phoenix (Arizona) e mais duas dezenas de cidades.
“No dia 28, vamos estar aos milhares nas ruas, e vamos continuar pressionando até que a América se torne o que a América deve ser”, afirmou o filho de Martin Luther King. Sharpton disse que as manifestações serão pacíficas, ao contrário dos protestos dos apoiadores de Trump em 6 de janeiro. “As pessoas que [estão vindo] entendem que estão vindo no espírito do Dr. King, no espírito de César Chavez. Se você não tem esse espírito, você não está convidado”, assinalou Sharpton.
Com todo o seu teor antidemocrático e reacionário, as leis antivoto, por outro lado, refletem o pavor do trumpismo com o comparecimento em massa de negros, jovens e latinos às urnas nas últimas eleições, que resultou nos 8 milhões de votos a mais e na virada decisiva nos estados indecisos, a partir dos grandes centros urbanos.
É isso que os republicanos tentam parar no tapetão e nas fake news sobre ‘fraude’. Nesse tipo de legislação antivoto, de que a Flórida é exemplo, está sob ataque a lisura do pleito – para que o legislativo usurpe a decisão das urnas nos condados, como aliás Trump tentou.
Assim como o voto pelo correio e as facilitações ao voto, que foram criadas nos EUA em razão de sequer haver, como em qualquer país decente no mundo, feriado no dia da eleição, que acontece numa terça-feira, dia útil.
Novas restrições são impostas a que o cidadão se registre para exercer o voto e criadas formas de banir eleitores arbitrariamente e à revelia. Entre os 400 projetos propostos, alguns incluem disposições abertamente inconstitucionais, como dar ao legislativo estadual o poder de ignorar o voto popular e escolher sua própria lista de integrantes do Colégio Eleitoral. Outros possibilitam que jagunços trumpistas intimidem mesários e eleitores.