O nadador Daniel Dias garantiu a comoção como porta-bandeira na cerimônia de encerramento da Paralimpíada. Matsui Mikihito/CPB.

Na sétima posição, Brasil acumulou 22 medalhas de ouro, volume nunca alcançado.

O Brasil conseguiu fazer em Tóquio a maior campanha da delegação paralímpica em todos os tempos. Fechou o quadro de medalhas na sétima colocação com 22 de ouro, 20 de prata e mais 30 de bronze, somando 72. O total de vezes que os atletas brasileiros foram ao ponto mais alto do pódio nunca havia sido alcançado. Antes, eram 21 vezes, na capital inglesa nove anos atrás.

O número total é igual ao da Rio-2016, que já foi um recorde, mas apenas com 14 ouros. A posição alcançou a mais alta garantida em Londres-2012.

A última medalha saiu na maratona da classe T46 (atletas com deficiência nos membros superiores) com Alex Pires. Uma prata garantida com smart run, onde a estratégia é largar sem exageros e crescer no final. Com essa estratégia, Alex quase conquistou o ouro. Foi uma lavada na alma depois de na Rio-2016, ele teve de abandonar na metade.

(Ale Cabral/CPB)
Alex Pires com a última medalha brasileira em Tóquio (Ale Cabral/CPB)

Cereja do bolo

Algumas medalhas ganham sabor de cereja do bolo. No Futebol de 5 (para deficientes visuais), a seleção favorita e invicta chegou a Tóquio como tetracampeã paralímpica e pentacampeã mundial. A final foi contra a Argentina, que ainda não havia sido derrotada pelo Brasil em jogos e também era invicta.

Veja como o artilheiro Nonato narrou o próprio gol dentro da percepção que tem, como deficiente visual:

Outro destaque foi a medalha de ouro do goalball, perseguida pelos brasileiros desde que perderam a final em Londres-2012. A medalha dourada veio do 7 a 2 contra a China, sob o comando de Romario Marques, o melhor do mundo Leomon Moreno e Josemarcio Sousa, o Parazinho. A disputa com a Lituânia, até então campeã paralímpica, foi saborosa pelo massar de 11 a 2 na estreia e por 9 a 5 na semifinal.

Entre as mulheres, Elisabeth Gomes, emocionou ao lançar o disco aos 56 anos e conquistar o ouro, após ser impedida de disputar a Rio-2016. Garantiu a medalha de ouro logo na primeira tentativa, depois bateu o próprio recorde mundial e desabou em lágrimas para emocionar todo o mundo com a atleta que luta contra a esclerose múltipla. No sexto e último lançamento o disco foi parar a 17m62 para derrubar novamente o recorde mundial.

Os três ouros de Maria Carlina Santiago na natação, a consagraram como a maior campeã brasileira nos Jogos Paralímpicos de Tóquio. Merecem ser lembradas a vitória de Alana Maldonado no judô; a primeira do atletismo em Tóquio para Yelstin Jacques, que confirmou a esperada centésima medalha de ouro brasileira na história dos Jogos.

Petrúcio Ferreira foi o atleta paralímpico mais rápido do mundo, nos 100m rasos, e Nathan Torquato conquisto de forma inesperada no taekwondo.

Decepções

Os brasileiros sofreram com Jerusa Geber nos 100m rasos da classe T11. A carreira apoteótica terminou com a desclassificação por ter arrebentado a corda que a une ao atleta-guia. Ainda assim, depois ganhou o bronze nos 200m com amargura pela injustiça do destino.

Já o caso de Thiago Paulino foi ainda mais amargo. No arremesso do peso na F57, ele venceu a prova e teve o resultado homologado pelos árbitros de campo. Doze horas depois, integrantes de uma instância decisória suprema acolheram um recurso da delegação chinesa e anularam todos os arremessos do brasileiro acima de 15m, garantindo o ouro para o rival chinês Guoshan Wu.

Até agora, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) não revelou qual foi o teor da apelação chinesa ou qual foi a infração encontrada. O Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) pediu acesso ao vídeo no qual teria sido identificado o motivo para considerar as tentativas de Paulino inválidas, mas foi negado.

Ainda assim, o CPB tentou recurso, que não foi aceito. O órgão brasileiro disse ter analisado as imagens e não ter encontrado qual seria a infração. Para o presidente do CPB, Mizael Conrado, a recusa em mostrar o vídeo constitui falta de transparência por parte do IPC, que é presidido pelo brasileiro Andrew Parsons.

Ao seguir para o estádio para receber seu ouro, Paulino teve que se contentar com o bronze sob protestos. “O mundo sabe quem é o verdadeiro campeão”. A prata ficou com o também brasileiro Marco Aurélio Borges.

Houve também a triste perda da lenda do judô Antônio Tenório, tetracampeão paralímpico e dono de seis medalhas, uma para cada edição que havia participado antes de chegar aos Jogos Paralímpicos de Tóquio. Depois de vencer a covid-19 aos 50 anos, poucas antes de competir, chegou a ficar 18 dias internado, teve 80% do pulmão comprometido e precisou de ventilação. Ia bem com chance de bronze, mas cometeu um erro e foi surpreendido pelo uzbeque Sharif Khalilon

Agora , só daqui a três anos, em Paris-2024, com o paradesporto competindo nas sombras, mesmo sendo estrelas de alta performance. Vão continuar com enormes dificuldades de patrocínio, com as marcas ainda reticentes em se associar à imagem de pessoas com deficiência e com ainda menos visibilidade que o maior evento esportivo do mundo conta.

Repercussão política

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ex-ministro do Esporte no Governo Lula, destacou a emoção que marcou a cerimônia de encerramento dos jogos paralímpicos, com o nadador Daniel Dias representando os 256 atletas brasileiros, carregando a bandeira do país. “Ele se consolidou como lenda da natação e se tornou o nosso maior medalhista”.

O atleta anunciou a sua aposentadoria das águas, mas não dos jogos, pois foi eleito membro do Conselho de Atletas do Comitê Paralímpico Internacional. Orlando também comemorou o resultado histórico de medalhas, resultado de investimentos importantes desde o governo Lula no desporto paralímpico.

“O incentivo ao esporte é o caminho para alcançarmos objetivos maiores, principalmente na questão do desenvolvimento social. Nossos atletas fizeram história nos Jogos de Tóquio 2020!”

O presidenciável Ciro Gomes também comentou a melhor campanha do Brasil nestas Paralimpíadas. “Mas, tão importante quanto, foram as lições transmitidas a todos. A principal delas é entender que as pessoas com deficiência são, na verdade, a encarnação mais profunda da diversidade humana”, diz ele nas redes sociais.

Para ele, diferenças não podem ser consideradas defeitos, “mas exemplos de diversidades que precisam ser entendidas, respeitadas e integradas”. Ciro considera que isto já configura uma mudança de mentalidade, em que, na sua opinião, se o estado e a sociedade têm um papel importante, o papel do estado e das políticas de governo são fundamentais. “Novas políticas educacionais, de emprego, de esporte e de lazer, e também formas mais modernas de cota, precisam ser debatidas e implantadas”, defendeu.

“Precisamos ter a humildade e sensibilidade de enxergar aquilo que famílias com pessoas com atipicidades físicos e neurológicas já descobriram, que elas são pessoas incríveis que têm muito a nos orgulhar e nos ensinar”.

(por Cezar Xavier)